quinta-feira, setembro 17

Pin - uma explicação de ternura


É já no próximo domingo, dia 20, às 16 horas que o Ateneu Comercial do Porto recebe os amigos e admiradores de Luísa Azevedo. O motivo? O lançamento do seu livro “Pin – Uma explicação de ternura”, com textos e imagens de sua autoria. Votos de que seja mais um dia especial :) informação aqui.

On the road

(clicar para aumentar)

On the Road à procura do senhor, de Irene Loureiro

Inaugura no próximo Sábado, às 15 horas. - Rua do Rosário, 147, Porto

Ynari, a menina das cinco tranças

Vi-o ao longe, na Fnac. E pensei: Danuta. Eu só penso Danuta, porque não sei dizer o segundo nome. Não porque a conheça pessoalmente. Conheço-lhe as ilustrações. Para aí desde 2003. E gosto tanto, tudo íssimo.
Depois aproximei-me e vi que o livro é da autoria de Ondjaki. Não imaginava. Bela dupla, pensei. Levei-o para casa e li-o nessa noite. Gostei bastante. Até porque, Ynari que me perdoe «o meu coração também inventa palavras...» e nada como nos identificarmos com o texto para que nos prenda e nos fique cá dentro.

Ondjaki in Ynari A Menina das Cinco Tranças
Ilustração (C) Danuta Wojciechowska

sms

eu ando numa roda viva


meus amigos


e o pior


é que vai piorar.

é favor concederem-me umas horitas a mais. pode ser? ;)



imagem: Leila Pugnaloni

quarta-feira, setembro 16

Retrato


Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

- Em que espelho ficou perdida

A minha face?


Cecília Meireles

terça-feira, setembro 15

Aqui na Terra, na estrada

era tão simples. eu ao volante de uma "pão-de-forma". na bagagem estantes com Aqui na Terra, do Miguel Carvalho. e um punhado de amigos. claro. depois, era só arrancar Portugal fora... e seria este o meu novo trabalho. a levar todos os livros às pessoas.
se souberem de uma vaga avisem :)
enquanto o sonho não se torna realidade, fica a agenda para os próximos dias. anotem aí s.f.f.

18 de Setembro - Guimarães - Associação Convívio, 21:30. Largo da Misericórdia. Com Esser Jorge, Carlos Mesquita e DJ Mike
19 de Setembro - Viana do Castelo - ATL Descansa a Sacola, 16:00. Rua General Luís do Rego, 215. Com João Ogando.
23 de Setembro - Chaves - Sr. Pastel Café. 21:30. Rua do Sol.
imagem: Google

Um vendedor de flores

«É isso aí...Como a gente achou que ia ser/A vida tão simples é boa/Quase sempre.
[...]
Um vendedor de flores/Ensina seus filhos/A escolher seus amores...»
[Parabéns minha muito QUERIDA Leonor]
imagem: Google

segunda-feira, setembro 14

o Outono visto pela janela


na casa onde nasci havia sons e cheiros meus

as pessoas que os tinham emprestavam-mos à memória

e eu incluía-os como amigos íntimos

nesta não tem gente

ou se tem não têm cheiro

nem som porque eu não me lembro

gastei toda a memória nas pessoas antigas

e o espaço para as novas é um t1 que fica muito para além do t

onde eu estou sem visitas

fechado à medida de não deixar entrar

preciso do que já foi como do próximo ar para me lembrar que foi bom

eu já fui bom

agora não sei

mas já fui

juro que fui

e quero gastar as únicas energias a fazer manutenção às memórias

p’ra que nenhuma se perca

era pena

é que até a gente que me fez por dentro como a um cofre já não existe

e quero mantê-los ligados à máquina para sempre

e a máquina sou eu

e para sempre sou eu

anda

aconchega-te no mofo do t1

finge que és de antigamente para te dar os beijinhos de quando era pequenino

cheiras à minha avó

à roupa no estendal

à canção do fim dos bonecos

ao banho que está a ficar frio

ao grito do granizo do dia mais longo em que a casa esteve para cair

tu cheiras e sabes ao dia em que a casa esteve para cair

que foi no mesmo dia em que resistiu

como se estivesse ali desde o início dos tempos

e os tivesse começado para eu os acabar

acabar

acabar

acaba comigo que me falha a lembrança

e restas-me como a folha que esteve para cair

e que só não caiu porque o mundo acabou antes do Outono


João Negreiros in arranha os céus e chove
imagem: Google

Prémio Nuno Júdice para João Negreiros

“Parece tudo muito simples, sem qualidades, digamos assim, para usarmos uma expressão que já faz parte do nosso aparato crítico contemporâneo, mas não é", afirmou o Professor Doutor António Manuel Ferreira, da Universidade de Aveiro, acrescentando que “um homem que manifesta uma relação tão sincera com a língua portuguesa só pode ser um verdadeiro poeta. E dizer isto é, para mim, dizer tudo”.

Foi assim que o Professor se referiu à poesia de João Negreiros, vencedor do Prémio Literário Nuno Júdice, com a obra arranha os céus e chove, explicando que “para situarmos estes textos na sua genealogia ético-estética temos de recuar no séc. XX e revisitar alguns textos essenciais de Fernando Pessoa, nomeadamente, as desalentadas confissões de Álvaro de Campos”. Os poemas de João Negreiros, prosseguiu “integram-se em pleno direito num dos trilhos mais vitais da Poesia Portuguesa.” São magníficos, disse, após ter lido alguns excertos.
imagem: sessão de entrega do prémio na Universidade de Aveiro retirado do blog do autor

Passeggiata

«Passeggiata é um texto sobre a ambiguidade da amizade, da confrontação entre as pessoas. Quem é o outro? Quem somos nós, afinal? Quais os sentimentos que nos movem na relação com os outros? Observamos, estudamos, imitamos. No fundo, no encontro com o outro, procuramos o reflexo da nossa imagem. Na medida do que somos. Ou não». Dia 15, às 21.30, no Theatro Circo, em Braga. Reserve aqui.

Conjuga-me muito




eu esmiúço
tu esmiúças
ele esmiúça
nós esmiuçamos
vós esmiuçais
eles esmiúçam
...e assim cai um verbo - "discreto" - nas bocas do mundo!

Desejos de consumo

Obrigada Maggie :) mais uma vez.

Regras: listar 5 desejos de consumo que te deixariam glamourosa e indicar 10 blogues.

Passo o desafio: Farol do Vento Norte; Viajar pela Leitura; Só falta um 31 na minha Vida; Vórtice; Um dia [e depois o outro; Falabarata; O mundo através de lentes de plástico; Tal Qual Sou; Pedras no Sapato; Os meus óculos do Mundo.


1.Fazer uma viagem de 7 dias, todos os meses

2.Comprar um bilhete para Itália sempre que me apetecesse

3.Comprar aquele chapéu que vi em Paris, com um preço absolutamente insultuoso

4.Comprar 2 originais de mestre Júlio Resende que eu cá sei

5.Comprar 7 livros por semana

domingo, setembro 13

Mais mimo e muitas perguntas

Este selo foi-me atribuído pela querida Maggie. Vem com estas perguntas e tem de ser atribuído a 11 blogs. Assim, as minhas vítimas são: Devida Comédia; Marcas Dágua, Um Blog que seja seu; A Matriz dos Sonhos; Divas & Contrabaixos; O blog secreto de Leila Pugnaloni; Operador Fotográfico; Há sempre um livro...; O meu sofá amarelo; O que é o jantar; Ares da Minha Graça e Impressões Digitais.

1.Qual o livro que está lendo ou qual o último que leu?
Estou a ler Barroco Tropical.
2. Qual é o livro preferido?
É uma pergunta à qual nunca saberei responder.
3. Autor, capa, recomendação ou sinopse?
Autor, recomendação, sinopse, afectos, impulsos...
São os caminhos mais habituais que me levam a comprar e a ler livros.
Há atalhos. E caminhos inesperados também.
4.Um livro que não consegue terminar de ler.
Fiquei-me pela página – só um bocadinho que vou ver onde está o marcador – 87 do Código. Há um outro que não passei das primeiras páginas, mas como gosto muito da poesia que o autor escreve, não vou dizer o nome do romance.
5. Aquele que não sai de sua cabeceira.
A minha mesa-de-cabeceira é uma livraria. Uma estante de livraria :)Tenho lá imensos. Recorrentes. Principalmente de poesia. Ramos Rosa;Eugénio de Andrade;Pessoa; Herberto Hélder; Cesariny; O`Neil; Borges; Jorge de Sena; Ary dos Santos;Cesário Verde; Sophia; Natália; Florbela Espanca; Rosa Alice Branco; Maria do Rosário Pedreira;Ana Luísa Amaral; Clarice; Manuel António Pina; Nuno Júdice; João Negreiros; José Tolentino Mendonça, José Luís Peixoto, Pedro Tamen, Daniel Faria, Valter Hugo Mãe, Kafka, Lautréamont, Rimbaud, Rilke, Baudelaire, Yeats, Tomas Bernhard, Whitman, Siylvia Plath Yourcenar. Enfim... muitos. E Eduardo Galeano. Gosto também muito de o reler.
6. Escritor preferido.
Não tenho um. Tenho vários.
7. Eu recomendo:
Vai, assim, de chofre. O que estiver na ponta dos dedos. Se não, nunca mais respondo, pois recomendar livros é das coisas que mais me inquieta.
Aqui na Terra; Luto Lento; O Apocalipse dos Trabalhadores; Longe de Manaus; No Silêncio de Deus; Somos o Esquecimento que Seremos; Mortal e Rosa; As últimas Tardes com Teresa; A Casa de Papel; Pelo Amor de Judith; Talvez a Lua; A Estrada; A Eternidade e o Desejo; Noites Brancas; Os Dados estão Lançados; O Jardim das Dúvidas; O Homem Sem Qualidades; A Viagem do Elefante; Jesusalém; Ficções; A apresentação do Eu na vida de todos os dias; A Poética do Espaço; Sinais de Fogo, ai Sinais de Fogo; Aparição; História da Loucura; O Arquipélago da Insónia; A Sombra do Vento; Mendigos e Altivos; Plano de Evasão; Diferença e Repetição e por aí fora.
8. Não recomendo:
… que leiam alguns posts do Prof. Funes porque, na minha opinião, são abomináveis. Por outro lado, há outros, raros, brilhantes.

a noite pede música

como são?

[como são os teus dias, a tua respiração no silêncio?]

imagem: Joep Roosen

sábado, setembro 12

um lugar em que me encontro




"Mesmo que o nosso querer seja pequeno: Deus está a amadurecer."

Rilke


Se deus for este lugar

interior em que me reconheço

tu és o prolongamento exterior

desse lugar

em que o meu olhar recai


E a existência sem existência

prolonga-se na incerteza

de todos os conceitos e limites

porque tu és parte

do que não podes ver

porque se deus for este lugar interior

em que me reconheço


Tu és o nome e o tempo

de tudo o que me pode configurar


Gisela Ramos Rosa, Agosto de 2009
imagem: Gisela Ramos Rosa


[*um lugar em que me encontro sempre que o visito: A Matriz dos Sonhos]

Os abraços desfeitos em Lanzarote

todos os filmes de Almodóvar devem ser vistos. mesmo os menos emocionantes do que Volver, Fala com ela ou Tudo Sobre a Minha Mãe...Todos.

sexta-feira, setembro 11

é daqui a pouco, a sessão de abraços

todos conhecem assim aquela sensação de borboletas no estômago. pois é o que sinto. a poucas horas de o ir ver. isso e ansiedade. é sempre assim. com os filmes deste SENHOR.

Abraços Desfeitos. estou à espera dele desde o início deste blog. desde Fevereiro. lembram-se? não. é há mais tempo. em boa verdade eu espero ansiosamente pelo próximo filme de Almodóvar, quando acabo de ver o último.

Afectos em estado sólido

Soube aqui que A VIDA PORTUGUESA abrirá no Porto. Já vi, a Norte, umas coisas aqui e ali. Soltas. Mas uma loja inteira não. Espero que chegue a tempo das lembranças de Natal :) É um projecto "fabulástico". Com um conceito muito interessante, inteligente, criativo. E apela à memória. Individual e colectiva. O que me toca. Compram-se objectos como quem compra estórias. Como quem leva para casa, afectos em estado sólido. Assim, já não terei de ir à belíssima loja do Chiado para me perder, para ficar encantada, para colar o nariz na montra.
Artefactos e mentefactos. Cultura, afinal. A nossa.
imagem: Google

Erro de "casting"

Esta capa seria perfeita se a bola de berlim fosse da Natário. [Manuel] Não é.

Debates para esquecer o eleitorado

*Não, não me importo, João Fazenda.

Não tenho para ti quotidiano


Não tenho para ti quotidiano

mais que a polpa seca ou vento grosso,

ter existido e existir ainda,

querer a mais a mola que tu sejas,

saber que te conheço e vai chegar

a mão rasa de lona para amar.


Não tenho braço livre mais que olhar

para ele, e o que faz que tu não queiras.

Tenho um tremido leito em vala aberta,

olhos maduros, cartas e certezas.


Neste comboio longo, surdo e quente,

vou lá ao fundo, marco o Ocupado.

Penso em ti, meu amor, em qualquer lado.

Batem-me à porta e digo que está gente.


Pedro Tamen in as palavras da tribo, Volume I, Co-edição Altamira e Quetzal, pag. 191, 1985
imagem: Angela Bacon-Kidwell

quinta-feira, setembro 10

quase, quase

estou quase, quase a cumprir um sonho antigo: arrumar o meu escritório.

My mistakes were made for you

quarta-feira, setembro 9

O Dia


Fresco era o dia, plantado na chuva,

jovens os relógios tocando Mozart...

Os carros corriam, os passos passavam

e os velhos sentados dormiam no tempo

regressos perdidos de todas as sombras.


Pássaro pousado na alma da tarde,

era todo o sol natural inverno...

O mar estava perto nos olhos da gente,

um barco chegava em cada minuto

e o segredo bailava nas mãos da criança.


Recordo uma paz sob as gabardinas,

recordo humidade nas rodas dos carros...

(Tão solta no ar corria a memória

que as folhas tão verdes marcavam os anos).

A chuva nascia da terra para o ar

e ria na cara da gente perpétua

- cada riso dela era a rua inteira

e era o cão vadio cheirando esta terra

gerada no vento pelo grande gesto.

Rua colocada por amor das formigas

pequeno brinquedo achado no bosque,

eras mão aberta para todos os sons,

para cada assobio de vapor de água,

para a bela frescura da brisa salgada.

Ligeiros, os céus brincavam escondidos

com a tarde criança presente no ar,

jogavam às pedras ao pé dos passeios

e corriam juntos fugindo do vento...

Passavam pessoas de faces vermelhas,

de um sono pequeno agora acordadas,

seus passos miúdos de nada sabiam

- nada estava feito e tinham dez anos.

A branca neblina sentada no sol

sorria de perto a tudo que era

e tudo saltava na sua presença.


Escorregavam horas do berço dos ramos

ficando caladas, respirando fumo...

E, leves, cheirosas, perpassavam mãos,

tão estreitas e fortes, do primeiro mundo...

Algo se esperava, algo estava perto,

algo era preciso faltava a resposta,

o rio que fosse a cama da chuva,

a sombra final para o sol se deitar,

a torre perfeita com todos os olhos,

a mão que apertasse as coisas dispersas...

E eis que o rio vem, a sombra e a torre,

e se estendem dedos com a tua chegada.


Saltaram coelhos de todas as tocas

e a fonte da serra sorriu-se no musgo.

Manaram os beijos no ar respirado

e as malas abertas mostraram o fundo.

Fugiram cavalos de pernas de espuma

levando no pêlo noticias em branco.

E o vento corria em busca da lua

e a tarde e os céus calavam os gritos...

Silêncio se fez, e a erva cresceu

mais verde e mais fresca, segura certeza.

Espreitaram os sinos, riam-se as escadas,

tudo estava pronto e de novo erguido...


Tão bela que vinhas como que de infância,

tão pura e tão simples, tão gesto benigno,

tão nova palavra rasgada no mar...

Menina dos anos, dos anos perdidos,

sombra de outras noites, noiva de outros dias,

perfeita miragem, pele das próprias mãos,

eis que então chegavas e eis que eu te via,

e as horas sorriam, felizes, completas...


Teu rosto era a concha dos quatro oceanos,

teu corpo era a praia de areia molhada,

teus olhos erguiam o toldo do céu

e enchiam os mastros de verdes bandeiras.

Tu eras o vento, tu eras a força,

dançavam secretas tuas mãos de aragem...


Nasceste presença na tarde de bronze

e agora já nada seria indeciso.

Agora eras tu a essência dos nomes,

os galos cantavam, era bom respirar

Os prados distantes ficavam tranquilos,

esperando os teus pés, berlindes pequenos.

A chuva e a brisa, a jovem frescura,

ganhavam certeza, seguras estavam

- morena lembrança, segundo natal.


Nunca mais a noite mordida no escuro,

nunca mais o dia manchado de cuspo,

nunca mais o véu tapando-me tudo,

nunca mais os dedos procurando flores...

A estátua plantada na nudez do largo

devolvia a calma aos olhos fechados

e enchia de sombra as pedras queimadas.


Agora eu sabia em cada manhã

nasceria o sol atrás dos teus ombros.


Pedro Tamen in as palavras da tribo, Volume I, Co-edição Altamira e Quetzal, pag.167, 1985
imagem: Matteo Mignani


terça-feira, setembro 8

onde fica, exactamente?


algures, por aqui, encontra-se uma saída. sei que sim.

e por falar em crónicas, Leonardo


Antes que anoiteça

Por razões que não vêm ao caso, as últimas semanas, difíceis para mim, têm-me obrigado a pensar no passado e no presente e a esquecer o futuro. Sobretudo o passado: tornei a encontrar o cheiro e o eco dos hospitais, essa atmosfera de feltro branco, onde as enfermeiras deslizam como cisnes, que nos tempos de interno me exaltava, o silêncio de borracha, brilhos metálicos, pessoas que falam baixinho como nas igrejas, a solidadriedade na tristeza das salas de espera, corredores intermináveis, o ritual de solenidade apavorante a que assisto com um sorriso trémulo a servir de bengala, uma coragem postiça a mal esconder o medo. Sobretudo no passado porque o futuro se estreita, e digo sobretudo o passado visto que o presente se tornou passado também, recordações que julgava perdidas e regressam sem que se dê por isso, os domingos de feira em Nelas, os gritos dos leitões
(lembro-me tanto dos gritos dos leitões agora)
um anel com o emblema do Benfica que aos cinco anos eu achava lindo e os meus pais horrível, que aos cinquenta anos continuo a achar lindo apesar de achar horrível também, e julgo ser altura de começar a usá-lo uma vez que não me sobra assim tanto tempo para grandes prazeres. Quero o anel com o emblema do Benfica, quero minha avó viva, quero a casa da Beira, tudo aquilo que deixei fugir e me faz falta, quero a Gija a coçar-me as costas antes de me deitar, quero o pinhal do Zé Rebelo, quero jogar pingue-pongue com o meu irmão João, quero ler Júlio Verne, quero ir à Feira Popular andar no carrocel do oito, quero ver o Costa Pereira defender um penalti do Didi, quero trouxas de ovos, quero pastéis de bacalhau com arroz de tomate, quero ir para a biblioteca do liceu excitar-me às escondidas com a «Ruiva» de Fialho de Almeida, quero tornar a apaixonar-me pela mulher do faraó nos «Dez Mandamentos» que vi aos doze anos e a quem fui intransigentemente fiel um verão inteiro, quero a minha mãe, quero o meu irmão Pedro pequeno, quero ir comprar papel de trinta e cinco linhas à mercearia para escrever versos contadas pelos dedos, quero voltar a jogar hóquei em patins, quero ser o mais alto da turma, quero abafar berlindes
olho de boi, olho de vaca, contramundo e papa
quero o Frias a contar filmes na escola do senhor André, a falar do Rapaz, da Rapariga e do Amigo do Rapaz, filmes que nunca vi a não ser atrvés das descrições do Frias ( Manuel Maria Camarate Frias o que é feito de ti?)
e as descrições do Frias eram muito melhores do que os filmes, o Frias imitava a música de fundo, o barulho dos cavalos, os tiros, a pancadaria no «saloon», imitava de tal forma que a gente era com se estivesse a ver, o Frias, o Norberto Noroeste Cavaleiro, o homem que achou que eu lhe estava a mexer no automóvel e se desfez num berro
- Trata-me por senhor doutor meu camelo
a primeira vez que uma pessoa cerscida me chamou nomes e eu com vontade de responder que o meu também era doutor, que ao entrar no balneário do Futebol Benfica para me equipar o Ferro-o-Bico explicou aos outros
- o pai do ruço é doutor
e houve à minha roda uma nudez respeitosa, o pai do ruço é doutor, quero voltar a apanhar um táxi à porta de casa e o chofer perguntar:
- É aqui que mora um rapaz que joga hóquei chamado João?
e quero tornar a espantar-me por ele tratar assim o pai do ruço, quero partir um braço e ter gesso no braço ou, melhor ainda, uma perna para andar de canadianas e assombrar as meninas da minha idade, um miúdo de canadianas
achava eu, acho eu
não à rapariga que não deseje namorar com ele e além disso os carros param para a gente atravessar a rua, quero que o meu avô me desenhe um cavalo, eu monte no cavalo e me vá embora daqui, quero dar pulos na cama, quero comer percebes, quero fumar às escondidas, quero ler o «Mundo de Aventuras», quero ser Cisco Kid e Mozart ao mesmo tempo, quero gelados do Santini, quero uma lanterna de pilhas no Natal, quero guarda-chuvas de chocolate, quero que a minha tia Gogó me dê de almoçar
- Abre a boca Toino
quero um pratinho de tremoços, quero ser Sandokan Soberano da Malásia, quero usar calças compridas, quero descer dos eléctricos em andamento, quero ser revisor da Carris, quero tocar todas as cornetas de plástico do mundo, quero uma caixa de sapatos cheia de bichos de seda, quero o boneco da bola, quero que não haja hospitais, quero que não haja doentes, quero que não haja operações, quero ter tempo para ganhar coragem e dizer aos meus pais que gosto muito deles
( não sei se consigo)
dizer aos meus pais que gosto muito deles antes que anoiteça senhores, antes que anoiteça para sempre.

António Lobo Antunes

crónica de 15 de Dezembro de 1996, in Crónicas do Público

e por falar em Lobo Antunes, Claudia

quando o coração se fecha faz muito mais barulho que uma porta

António Lobo Antunes

imagem: Mattias Gustafsson

deixa-me inventar [te] I


quero lá saber. pior. irritam-me os que querem saber.

e tem uma opinião sobre tudo. opinam sobre o estado da nação e sobre os peixinhos de prata que infestam a casa de banho. sobre o sabor dos peixinhos da horta, sobre os aquários dos peixinhos vermelhos;

opinam sobre os benefícios da gelatina vegetal e sobre as subtilezas da liberdade de expressão. opinam sobre decisões políticas que são meramente políticas.
opinam sobre decisões políticas que não são meramente políticas.
opinam sobre cantores, palhaços, jornalistas, políticos, astrólogos.
opinam sempre com o mesmo ar. sempre no mesmo tom.
"tutólogos" é o que são. "tutólogos".
especialistas em tudo. o Pierre Bourdieu é que tem razão. às vezes.
têm sempre qualquer coisa a dizer sobre qualquer coisa.
falam sobre tudo. sobretudo falam. opinam. irritam-me.

- nem parece teu. olha lá. a televisão está sem som. nem sabes o que estão a dizer. do que falam.

- não importa. só está sem som, porque a senhora da recepção não sabe do comando. e com som ou sem som, as pessoas ouvem na mesma. e a esta hora da manhã, são muitos a ouvir.

- estás impaciente. irritada. é natural. eu quando estava à espera dos resultados do exame ao meu pulmão estava assim. parece que mais nada tem importância a não ser o nosso pulmão. e pensamos logo em alternativas. em como viver só com um pulmão. se formos optimistas.

- natural é tu estares para aí com esse discurso. para que não fique nervosa. como se fosse possível. para que não desfolhe as revistas sem as ler, para que não leia os livros sem os desfolhar, para que não ouça televisão sem ver. sabes? gostei muito de ouvir o Francisco Anacleto Louça e a Manuela Ferreira Leite. sobretudo o Francisco Louça. é um cavalheiro. um cavalheiro. por acaso nunca reparei se tem umas mãos bonitas. tem? e os cartazes? um horror. o da Ferreira Leite, então, está muito mal. desfavorece-a. e há um, do Sócrates, com um tremendo ar gozão. ele que podia ser uma espécie de Clooney se fosse um grande actor. mas o título de Clooney português pertence ao tio do meu amigo. aquele meu amigo, sabes?

-como te sentes? olha lá para mim. não se nota nada. na verdade não se nota nada. vês-me melhor? olha lá bem para mim. é incrível. parece que nunca nos acontece e, de repente, zás. vai passar. claro que vai passar. isso não é nada. é um susto. mais nada. olha. é a tua vez. queres que entre contigo?

-entra. pode ser grave. e se for muito grave, vou desmaiar. tu sabes. quando eu não quero ouvir, desmaio. espera aí, deixa-me por as gotas. Optive. no olho, transformam-se nos componentes naturais das lágrimas. e posso não as ter, para chorar. até me ficava mal. eu que choro por tudo e por nada. e agora diziam-me que eu estava com os pés para a cova e nem uma lágrima me corria.

- não é por aqui. o seu exame está óptimo. temos de saber qual é a origem dessa cegueira, mas não é por aqui. o resultado da TAC é normalíssimo. por outras palavras: não tem nada na cabeça.

- e não imagina, senhor doutor, como é bom ouvir isso da sua boca. apesar da conversa dela, lá fora, já o ter denunciado.
imagem: René Magritte

porque me apetece

segunda-feira, setembro 7

Os livros


em cada página, o teu olhar. em cada montanha,

a tua voz. deixa-me falar contigo. lembro-me

tão bem de tudo o que me disseste.


as palavras existem. eu quero encontrar-te

sempre, em cada noite, sobre a mesa de papéis

desarrumados onde desarrumo a nossa vida.


em cada página, os campos. em cada montanha,

tu a chamares-me. as páginas são, outra vez,

o dia em que nasci. lembro-me tão bem de tudo.


passam anos sobre as palavras. os dias existem.

seguro os livros como se segurasse a tua voz

e, quando alguém diz o teu nome, eu continuo a responder.


José Luís Peixoto, in A Casa, a Escuridão, Temas e Debates
imagem: google

Há sacanas...

... que vale a pena ver. E a banda sonora? "fabulástica". Como o filme. [escalpes à parte] E a interpretação de Christoph Waltz? - que nem conhecia - nunca a esquecerei. Enorme.

domingo, setembro 6

os meus olhos deram de falar


hai kai da Alice Ruiz
desenho da Leila Pugnaloni
[este blog, absolutamente INSPIRADOR e inspirado diz muitas vezes por mim.
há dias em que acerta em cheio no que não sei dizer. os meus dias já não passam, sem passar por lá...às vezes, só para me ouvir]

Logo à noite, no Clube Literário do Porto, às 21 horas


Os filhos dos outros portam-se bem à mesa
Se cada vez que der um gole de água pensar nisso vou ter de pensar em muitas outras coisas e isso leva-me, a pouco e pouco, a pensar em tudo. Então, em vez de ser um ser, vou ser uma fábrica de ângulos… de pontos de vista que não vão estar certos porque vão ser só mais uma unidade que faz parte das múltiplas possibilidades de análise que rodeiam a nossa vida e a vida dos que nos rodeiam.
A loucura, ou o início dela, é isso, é o momento em que começamos a pensar… a partir daí é sempre a cair de forma sossegada como quem engole chicletes na montanha russa. A loucura é a incapacidade que temos de parar de pensar.
A loucura é o som que nunca ouvimos até ouvirmos, a pessoa que não temíamos até tremermos, a corrente que levávamos no pescoço até sabermos que era de ar… e dá-nos um arrepio daqueles… ou um dos outros… se decidirmos entrar na vida de outra pessoa e analisar a infelicidade pelo ponto de vista de alguém a quem não conhecíamos as maleitas… até passarmos a conhecer. E, quando damos conta, contamos-lhes as dívidas e os trocos, sabemos-lhes os defeitos e as injúrias de alcofa, beijamos-lhes os filhos como nossos, o sangue como morcegos, a sina como ciganos e nós somos eles… e todos.
Mas, quando nos aborrecemos, voltamos para casa… para deixar de sofrer muito com a vida dos outros e passamos a sofrer um bocadinho com os nossos. É que os nossos filhos são mais feios… a nossa mulher é mais gorda… os nossos pais estão menos mortos… os problemas dos outros, dos outros que fazem parte da raça sem sermos nós, são nobres, os outros são heróicos, os outros passam na televisão, os outros choram sem soltar ranho, morrem sem borrar as calças… e as dívidas de jogo são porque tiveram um descuido, uma hesitação, uma fraqueza… nós não…. nós somos descuidados, hesitantes, fracos e nós não gostamos nem um pouco de nós porque queremos passar as tardes em casa do resto da raça a ajudar a raça a sentir-se melhor com ela própria. Nós queremos passar as tardes a jogar às cartas em casa do resto da raça humana e elogiar-lhes as cortinas… e os dentinhos de leite dos rebentos… enquanto os nossos filhos crescem órfãos, os nossos irmãos não nos conhecem, os nossos pais morrem de solidão nos asilos, os nossos cães morrem à fome no beco do caminho para as férias… e a nossa empregada não recebe subsídio de Natal… e o nosso peixe não tem quem lhe mude a água… e a nossa roupa fede porque não quisemos tomar banho. E por isso tudo fedemos a falhanço e levamos eternamente o rosto da derrota dos que se deixaram ficar… dos que não gostam de si… nem do que sai de si…
E que é feito de si?... está com tão bom aspecto… e a sua senhora… está boazinha?… há que tempos que não os via…
João Negreiros in a verdade dói e pode estar errada
imagem: "o poeta" Chagall

sexta-feira, setembro 4

Camilo réu no Porto - Histórias na minha cidade




Entre os artigos da revista CAIS do mês de Agosto, encontra-se este intitulado «O processo-crime contra Camilo Castelo Branco» de que gostei especialmente e, por isso, partilho-o. E também porque gosto de ler Camilo Castelo Branco e, ainda, porque gostei de ler o que Ana Plácido escreveu: Luz Coada por Ferros.


[...]


Camilo réu no Porto

Como muitos saberão, em meados do sec. XIX, o grande Camilo Castelo Branco andou a contas com a justiça - ou com a sua mana gémea que é a injustiça - e foi réu em processo que correu no Porto, primeiro no Tribunal Criminal e depois no Tribunal da Relação, tendo mesmo chegado ao Supremo. O que é menos sabido é que Camilo esteve em prisão preventiva um ano e dezasseis dias. A certa altura da detenção parece que terá desabafado com o Zé do Telhado os seus receios de que um determinado personagem, movido pelo ódio, fizesse a um qualquer meliante dentro da Cadeia a encomenda de o matar. O Zé do Telhado ter-lhe-á garantido que estivesse descansado, "pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos". Acabaram representados pelo mesmo advogado, a quem Camilo, quiça por gratidão, terá convencido a defender o "romântico"bandido.

O processo de querela tinha nascido por queixa de Manuel Pinheiro Alves, casado com Ana Augusta Plácido, que os acusava de relações adúlteras. E, pormenor também pouco sabido e interessante curiosidade, quem deu despacho de pronúncia à queixa foi José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai de Eça de Queirós, juiz daquele Tribunal Criminal, que ficava ali na Praça D. Filipa de Lencastre, na esquina com a Rua da Picaria.

Adultério com Ana Plácido

O juiz Teixeira de Queirós apenas pronunciou Ana Plácido, por adultério. Porém, a Relação alterou a decisão e veio a pronunciar os dois: ela por adultério e ele por ter copulado com mulher casada, "diferença" de nomes que todavia não havia de fazer diferença performativa. Claro que nestas coisas de adultério são precisos pelo menos dois. No entanto, naqueles tempos de muita treta e pouca igualdade, para a injustiça que tínhamos, propriamente só o adultério da mulher era punível. Quanto ao homem copulante com a adúltera, a punição só era possível em caso de flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou de "prova escrita", ou seja, existência de cartas ou outro documento escrito. E os "requisitos" não se verificavam no caso. Melhor dizendo: apenas existia uma carta dirigida a um tio (informador de Pinheiro Alves da infidelidade da mulher) de Ana, mas em que não era mencionado o nome desta.

Cadeia da Relação

Foi na sequência da pronúncia que Ana Plácido e depois Camilo ficaram em prisão preventiva na chamada "Cadeia da Relação". E era aquele tio que Camilo receava que aí o mandasse matar.

Teve o processo inúmeros incidentes e recursos. No "julgamento" da rua e no do tribunal, o processo era vivido em ambiente de emoção e escândalo. Como escreveu o distinto Magistrado cujo texto aqui seguimos servilmente, "estava ao rubro a curiosidade das provectas virgens, das matronas desocupadas e dos conquistadores frustrados, além dos seráficos moralistas de fachada".

A Relação tinha invertido a decisão do juiz Queirós por fundamentos da comum sensatez de tais tempos, isto é,argumentando que "seria um contra-senso inqualificavel que esse homem - que a teve teúda e manteúda já nesta cidade na Rua da Picaria, já em Lisboa e na Foz;que a foi tirar ao Convento da Conceição em Braga aonde se achava, para assim continuar com ela uma vida de escândalo e imoralidade que afecta a sociedade em geral - ficasse impune". Ocorreu porém, a final, que o tribunal de júri não achou bem que se passasse o que se passava e deu volta à questão de forma expedita, tranquilamente julgando não provados quesitos fundamentais provenientes da querela.

A sentença foi proferida em 17 de Outubro de 1861. Não se sabe ao certo o que ela dizia: os autos ainda hoje se encontram no Tribunal da Relação do Porto, mas a sentença levou sumiço, desconheço de que modo.

O que se sabe é que Camilo e Ana Plácido saíram absolvidos e soltos e viveram juntos a sua vida. Bem infeliz e cheia de fins trágicos, em S. Miguel de Seide.

Alberto Jorge Silva in Revista Cais, Agosto de 2009


All you need is a book


As comunidades de leitores proliferam! A primeira de que tive conhecimento foi a da livraria Almedina. Soube de outra no Theatro Circo, em Braga. Agora, esta, na Biblioteca Almeida Garrett, na cidade "mai linda do mundo" :) all you need is a book! E em comunidade. Que é o que está a dar. é anotar aí na agenda pf.


Deixo a programação que roubei na casa de osso
1.ª sessão: 24 de setembro, quinta-feira: Nenhum Olhar, José Luís Peixoto
2.ª sessão: 07 de outubro, quarta-feira: Jerusalém, Gonçalo M. Tavares
3.ª sessão: 28 de outubro, quarta-feira: Morder-te o Coração, Patrícia Reis
4.ª sessão: 11 de novembro, quarta-feira: o apocalipse dos trabalhadores, valter hugo mãe
5.ª sessão: 25 de novembro, quarta-feira: Efeito Borboleta, José Mário Silva
6.ª sessão: 17 de dezembro, quinta-feira: As Sereias do Mindelo, Manuel Jorge Marmelo

Mais mimo bloggosférico

Um chegou via Devida Comédia

Outro chegou via Jornal da Maggie

...aos dois, muito obrigada :) por este mimo! Eu vou atribuí-lo em duplicado. Ah, pois é :)
...tinha-me esquecido: o selo da Maggie vem com a "obrigatoriedade" de dizer 3 coisas que quero fazer no futuro! Como o futuro é já amanhã, eu quero: ir à piscina; ir ao cinema; ir para o meu sofá, acabar de ler o livro que tenho em mãos... e desculpem-me a falta de imaginação :)

Football ideas


Pois claro que também é! Mas a ideia, agora, é apresentar-vos a FOOTBALL IDEAS! Ora espreitem!
[É a empresa que, em breve, me vai contratar dado que eu escrevo lindamente sobre futebol ;) como já tiveram a oportunidade de ler :) :) :)
imagem: Tonho Oliveira

quinta-feira, setembro 3

Parabéns, Francisca!

Francisca: a tia ama-te. E, agora, hoje, não consegue dizer mais nada! PARABÉNS, meu amor! É muito bom crescer contigo!

[parabéns aos pais]

Logo à noite, no Labirinto

Logo à noite, às 22 horas, no Labirinto, no Porto, Cláudia Novais e José Carlos Tinoco lêem poemas de Walt Wihitman, Eduardo Galeano, Jorge de Sena e Guillaume Apollinair. Se eu não tivesse um jantar imperdível, eu estaria lá caidinha! A ouvi-los. A eles e ao Carlos Azevedo, no piano. Fica para a próxima! Se forem, contem-me tudo, pf. ;)

Sapatos Prada by Patrícia Reis


Estes são Prada. Mas eu não os queria nem de graça! Por outro lado, teria pago para ler esta crónica da Patrícia Reis. No Semanário Económico, de 29 de Agosto. Felizmente está aqui, apesar de, nesse dia, eu não ter comprado o jornal. E não resisto a partilhá-la convosco. Delícia!

Um chá em 6 passos


Ando aqui às voltas. E estou mesmo a precisar de um. É sempre hora de tomar um chá, mas quando se fica a trabalhar noite adentro é preciso um chá especial. Deixo-vos com a receita tal e qual está escrita no pacote de um dos meus chás favoritos. E deixo também a lata das bolachas!


1. Put the kettle on to boil.

2. Warm your favourite teapot.

3. Add one tablespoon of tea for each person.

4. Pour in boiling water, allow to brew for ten minutes, and remember:

If it were easy, everyone wold be doing it. Just pretend you don`t know how hard it is. Hold your ideas up to the light. Make a date to do something you`re scared of doing. Admire wildflowers. Sit under the stars or on the edge of the ocean. Spend time with someone who believes in you. Or with someone you believe in. Make a list of everything you would do if you were guaranteed success. Walk under old trees. Take "can`t" out of your vocabulary. Risks are worth taking. Mistakes are worth making. Take a deep breath. Plant a seed. It will grow.


5. Stir and pour.

6. Drink.

quarta-feira, setembro 2

Curação por curação...

Há corações assim.

a noite pede música

Ramos Rosa para João Rui de Sousa


Quarteto para as Próximas Chuvas de João Rui de Sousa vence Prémio Nacional António Ramos Rosa.

Sou este azul que me convida.

E transcrevo a paz, o sol dos dias.

E também, parto. E também ardo.

Depois disso desse suposto eu abreviado,

tão transparente e nítido, mas

tão transitivo

apenas gestos rasos que são cardos,

apenas pedras fundas que sao sombras,

pequenos meteoritos que são conchas

de deuses antiquissimos e cansados.

João Rui de Sousa in Antologia da Poesia Portuguesa Contemporânea, Um Panorama, Organização de Alberto da Costa e Silva e Alexei Bueno, Lacerda Editores
imagem: Picasso

Flash


Não te queria quebrada pelos quatro elementos.

Nem apanhada apenas pelo tacto;

ou no aroma;

ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas

na funda malha de água.

Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela.

Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe,

trémulo alimento entre roupa

alta,

nas camas.


Magnificiência.

Levantava-te


em música, em ferida

- aterrada pela riqueza -

a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa.

Fazia tremer o mundo.


E queimavas-me a boca, pura

colher de ouro tragada

viva. Brilhava-te a língua.

Eu brilhava.

Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo,

nascesse da carne única

uma cana de mármore.

E alguém, passando, cortasse o sopro

de uma morte trançada. Lábios anónimos, no hausto

de árdua fêmea e macho

anelados entre si, criassem um órgão novo entre a ordem.

Modulassem.

E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se.

Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água.

Os planetas fechavam-se nessa

floresta de som unânime

pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador

da terra.


Nome do mundo, diadema.


Herberto Helder
imagem: [enviada por mail. desconheço o autor. infelizmente.]

Constatação e ainda bem

BlogGincana - participem!

Está tudo aqui explicadinho tim tim por tim tim. Participem :)

Inspiração é respirar


«A poesia de João Negreiros na voz do elenco do Teatro Universitário do Minho
Espectáculo e percurso antológico da poesia de João Negreiros que tem como objectivo traçar uma rota que vai desde as suas tendências Neo-Surrealistas até à lírica mais conceptual e sonora. A interpretação dos actores visa ser oral, naturalista e inovadora, tornando a literatura mais óbvia, mais universal e mais acessível. É um espectáculo de emoções extremas e dos sentimentos mais íntimos e guarda os momentos mais carinhosos que só se partilham com os amantes, os amigos e o público.»


Próximos espectáculos:

Vila Real, Casa de Pasto Chaxoila, 4 de Setembro às 21h30
Porto, Clube Literário do Porto, 6 de Setembro às 21h30
Braga, Livraria Centésima Página, 8 de Setembro às 21h30
Braga, FNAC do Bragaparque, 10 de Setembro às 21h30
Coimbra, FNAC Fórum, 12 de Setembro às 17h00
Porto, FNAC Norteshopping, 16 de Setembro às 21h30
Vila Real, Associação Espontânea, 19 de Setembro às 21h30
Lisboa, FNAC Chiado, 20 de Setembro às 17h00
Guimarães, Livraria do Centro Cultural São Mamede, 21 de Setembro às 21h30
Porto, FNAC Santa Catarina, 22 de Setembro às 18h30


Mais informações:
Teatro Universitário do Minho
Telemóvel: 965530263

terça-feira, setembro 1

Setembro


Sabedoria popular



  • Setembro seca os montes, rios e fontes

  • Em Setembro, colhendo e comendo

  • Setembro que enche o celeiro, salva o rendeiro

  • Para vindimar, deixa Setembro acabar

  • Em Setembro ardem os montes e secam as fontes

  • Em tempos de figos, não há amigos

  • Vindima molhada, pipa depressa despejada

  • Águas verdadeiras, por S. Mateus (dia 21) as primeiras

  • Na casa cheia depressa se faz a ceia

  • Em Setembro planta, colhe e cava que é mês para tudo

Agricultura


É o mês das vindimas.

Abrir covas para novas árvores e estrumar as terras para as próximas sementeiras.

Continuar a semear e a plantar tudo o que possa ser consumido antes do Inverno.

Com as primeiras chuvas, plantar morangueiros, regando abundantemente até terem pegado.

Colher os feijões e colocar de lado as cebolas maiores para a produção da semente.


Vinha: completar a preparação do material vinário: vasilhame, lagar, prensa lavando-o muito bem e desinfectando-o, verificar que não fiquem bolorentos, ferrugentos ou com mau cheiro; se a uva estiver madura, iniciar o fabrico do vinho, que se pode desinfectar com metabissulfito.

Colmeias: Convém retirar o mel logo que ele se encontre maduro. As alças, mantidas durante o tempo mais quente devem ser retiradas, deixando uma ou outra, quando a população o justifique.


in Almanaque das Missões
imagem: Sonja Valentina

domingo, agosto 30

Elegia da lembrança impossível


O que não daria eu pela memória

De uma rua de terra com baixos taipais

E de um alto ginete enchendo a alba

(Com o poncho grande e coçado)

Num dos dias da planície,

Num dia sem data.

O que não daria eu pela memória

Da minha mãe a olhar a manhã

Na fazenda de Santa Irene,

Sem saber que o seu nome ia ser Borges.

O que não daria eu pela memória

De ter lutado em Cepeda

E de ter visto Estanislau del Campo

Saudando a primeira bala

Com a alegria da coragem.

O que não daria eu pela memória

Dos barcos de Hengisto,

Zarpando do areal da Dinamarca

Para devastar uma ilha

Que ainda não era a Inglaterra.

O que não daria eu pela memória

(Tive-a e já a perdi)

De uma tela de ouro de Turner

Tão vasta como a música.

O que não daria eu pela memória

De ter sido um ouvinte daquele Sócrates

Que, na tarde da cicuta,

Examinou serenamente o problema

Da imortalidade,

Alternando os mitos e as razões

Enquanto a morte azul ia subindo

Dos seus pés já tão frios.

O que não daria eu pela memória

De que tu me dissesses que me amavas

E de não ter dormido até à aurora,

Dissoluto e feliz.


Jorge Luis Borges in Obras Completas, pag. 127, Teorema, 1989
imagem: Leila Pugnaloni

Ouvir um post na Antena 1 ou A História Devida


Foi assim: comecei por ouvir a história da Bola de Berlim. Achei o programa uma delícia. Por e-mail, no dia anterior, dei a dica a alguns amigos. Ouviram e gostaram. Mesmo os que ouvem habitualmente a Antena 1 e não tinham o hábito de ouvir rádio ao Domingo. Agora, aos Domingos, às 13 horas, estamos todos sintonizados. Hoje, graças a um amigo :) «Foi assim que comecei a amar Sophia», escrito em Abril, é lido nA História Devida. Apresentado por Inês Fonseca Santos e Dinarte Branco, o programa é baseado "no conceito do escritor Paul Auster e pretende dar a conhecer as histórias de vida dos ouvintes da RDP. Histórias de amor, de amizade, de saudade, histórias alegres, bonitas, eufóricas, histórias de paisagens, sonhos ou lugares. Histórias curtas e reais." Estão todos convidados a sintonizar a rádio e a ouvir. Todos os Domingos há uma história, um entrevistado e, claro, música. E..."participem... porque toda a gente tem uma história para contar"!


O meu amor mais antigo é a poesia. A seguir à minha mãe. Sendo que mãe e poesia são, tantas vezes sinónimo, no meu dicionário de afectos. Tenho a sensação de sentir poemas muito cedo. Mesmo antes de começar a ler. Uma vez, no início da infância, senti muito medo e a minha mãe abraçou-me com muita força. Foi um abraço extraordinário. E eu, dentro do abraço dela, tive uma sensação de poema, que ainda hoje se mantêm. Depois, na escola, os meus livros de leitura tinham poemas que decorei. E só aí percebi que os poemas também se fazem com letras. E recordo-me, por exemplo, que astronauta rima com pernalta. E flor com dor. E contou com enrolou. E lembro-me, de como a febre das rimas tomou conta do meu universo de palavras. Não havendo nenhum remédio para a baixar. Tal como não havia nenhuma palavra que eu não fizesse rimar com outra. Até à exaustão. Da minha mãe. Que dizia: deixa lá!Procuramos amanhã. Recordo-me de pôr o Meio Físico e Social, a rimar com jornal. E ainda sinto a tristeza de não ter sido eu a arranjar uma rima para a Matemática. Andava na primária.
Depois, foram as histórias mais compridas. Não rimavam. Mas a sensação de poema ficava cá dentro. Quando gostava muito delas. Até que, um dia, chegou a Menina do Mar. E eu percebi que os poemas e as estórias eram feitas por pessoas que conheciam outras pessoas, coisas e lugares que um dia, eu também queria conhecer. E pensei na sorte de Sophia! Por conhecer uma menina “de cabelos verdes, olhos roxos, com um vestido de algas encarnadas”. E um Rapaz de Bronze e uma Fada Oriana e um Cavaleiro da Dinamarca. E, depois, por Sophia, descobri que as estórias podiam ter poemas dentro. [Como os filhos, dentro dos abraços dos pais]. Como na estória A árvore, que tanto gostei de ler. E percebi, com clareza, que uma árvore pode transformar-se numa barca. E que, deste modo, uma árvore pode viver no mar. E descobri como um mastro se pode transformar numa guitarra e como essa guitarra pode ter voz. E como essa voz pode ser uma canção e como uma canção pode ser um poema. E como um poema pode ser a memória de uma árvore ou de um povo.
Ensinou-me o espanto. Foi assim que comecei a amar Sophia. Desde muito cedo. Ela cresceu em todos os meus sentidos. Em todo o meu sentir. E percebi, com ela, que não podia viver sem livros. Porque os livros dela me tinham ensinado a olhar para além do aparente. E foi, assim, que a fui procurar às livrarias. Pelo nome. E foi dela, o primeiro livro que eu comprei. Histórias da Terra e do Mar. E, depois, todos os outros que me chegaram. Até toda a sua poesia me entrar, letra a letra, nas veias. E circular como seiva. Até perceber a raiz do “inteiro” e do “original”. Até compreender todas as ilhas que habitam o mundo. Até me apaixonar pela Grécia. Até o mundo, não respirar sem ela. Sem a sua poesia.
E depois, ia-lhe escrevendo cartas. Até que um dia, em Viana do Castelo, durante uma Presidência Aberta, dei conta de nós, no mesmo lugar. Do lado de fora dos poemas. Peguei nas minhas cartas e nos seus livros. Na convicção mais funda do nosso encontro. E nas palavras iniciais que lhe queria dizer. Quando cheguei à Pousada de Santa Luzia, não havia santa que valesse a tanta ansiedade. Não sabia onde por as mãos e, muito menos, o coração. Não sabia nada. O seus poemas todos cá dentro. Como se fossem um só. As palavras apertadas na garganta. Os lábios colados. Quase não respirava. E acho que, mesmo assim, rezei. Para aquela gente ir toda embora. Mas não aconteceu. Até que ela se levantou e eu paralisei. Mas consegui ouvir e ver. E vi-a tão extraordinariamente bela. Tão extraordinariamente sábia. Tão extraordinariamente serena. Que não consegui fazer nada. Nem tão pouco aproximar-me. Admirei-a de longe. Como tinha de ser. Numa afasia total. Numa epifania absoluta. Dentro dos livros. No nosso lugar. Até ao dia da sua morte. Doze anos, depois, daquele dia, em que a vi. Sem a imaginar. Nessa noite de Julho, li-lhe as minhas cartas. Em voz alta. Só lá estava eu. E ela.
«Seu rosto seria a cintilante claridade/De uma praia/
E em sua humana carne brilharia/A luz sem mancha do primeiro dia»
Sophia de Mello Breyner e Andresen
imagem: Google