sexta-feira, dezembro 4

conversas para entender o mundo


o programa Visão Global, da Antena 1, está, agora, em livro. o jornalista Ricardo Alexandre e o embaixador José Cutileiro à conversa... a ver se entendemos o mundo.

mesmo a tempo de o adicionar à lista. de Natal.

a chancela é da Prime Books

domingo, novembro 22

Conservadores

Há dois tipos de conservadores no mundo: os que sempre foram, e vivem felizes na sua condição, tranquilos nos blazers espinhados, nos padrões Burberry e nas camisas de xadrez; e os que demoram anos a reconhecer o seu próprio conservadorismo e fazem-no sempre a contragosto, resistindo às evidências.
Pertenço, evidentemente, a estes últimos – razão pela qual persisto na ideia de conviver harmoniosamente com a modernidade, embora só me sinta feliz nos lugares e cenários que já conheço. Uma agenda Filofax. Um disco que já ouvi. Um autor que não me surpreende. Uma bebida que conheço há anos. O eterno Cozido à Portuguesa do Painel de Alcântara. O croquete do Gambrinus. Vergílio Ferreira. Sting. João Gilberto. O pastel de massa tenra do Frutalmeidas.
Gosto do que é novo – mas o confronto cansa-me Gosto de conhecer novas cidades – mas logo que posso volto a Londres e a Barcelona. Defendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo – mas se me falam em adopção, vacilo.
Propositadamente misturo o que não se mistura – para que se perceba que há, no conservador não assumido, algo que está aquém e além da ideologia ou sequer da cultura familiar. Como se tivesse uma marca genética que não se consegue vencer por decreto. [...] continua aqui.

Pedro Rolo Duarte in Revista Nós, nº29, jornal "i"

sexta-feira, novembro 20

2ª edição para Aqui na Terra

«Já é oficial: o “Aqui na Terra” vai para segunda edição. A boa notícia junta-se a outra: em cinco meses, fizemos já dez apresentações do livro, “à deriva, com o rumo certo”. E feitas as contas, juntamos mais de 400 pessoas em diversas sessões e tertúlias, muitas vezes a horas ditas impraticáveis. Verificamos que, afinal, há por esse País fora, quem queira ser cúmplice de palavras e ideias…aqui na terra. Entretanto, as apresentações no Alentejo transitam para Janeiro. Até porque, até meados de Dezembro, serão agendadas sessões em Espinho, São João da Madeira, Vieira do Minho e, possivelmente, Lisboa. A 15 de Dezembro sai nova fornada. E enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar…»

[...lê-se no blog do autor. em alguma das sessões agendadas voltarei a estar. antes do Natal... é que não há melhor presente do que um livro e um livro autografado, então, é a cereja...depois da capa...]

quinta-feira, outubro 29

Aqui na Terra, país fora


Depois do Porto, Guimarães, Viana do Castelo, Chaves, Castelo de Paiva, Alvito, Braga, "Aqui na Terra", de Miguel Carvalho, é apresentado, amanhã, às 21.30h, na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão. «As palavras ditas estarão por conta da minha querida Cláudia Sousa Dias (socióloga e bibliomaníaca assumida) e do padre Salvador Cabral», diz o autor, no seu blog [de onde também retirei a imagem]. É. A "pão de forma" anda pelo país fora... com o "Aqui na Terra" com o país dentro... A não perder. Claro!

segunda-feira, setembro 21

A crise dos falhanços espectaculares

Houve um tempo em que, nos amores e nas paixões, se falhava de forma espectacular. Com baba e ranho. Dava-se tudo. Saíamos rasgados de pele e coração. Valia sempre a pena, mesmo quando perdíamos o chão.

Os erros, as faltas, as vertigens, o pé à beira do abismo existiam para nos lembrarmos de que somos humanos. A regra era cair e levantar, prontos para outra depois de lutos intensos, sofridos, partilhados. Agora tudo isso existe sob a forma de prevenção. Para nos lembrarmos do que não devemos fazer, dos riscos que não devemos correr, contra o vírus da solidão.

Fomos ficando higienizados. Da alma à cama. Uma espécie de “se conduzir, não beba” para evitar os males do coração. Como se pudéssemos dizer “se amar, não se magoe”.

Com o passar dos anos, aprendemos a contornar os sintomas a bem da decência, da pose e da anestesia geral ou local, conforme as necessidades. O importante é não dar parte de fracos.
O ciúme é uma coisa moderna, para ser compreendida. A discussão acalorada está fora de moda.
A vingança é um prato que não se serve frio nem quente nas relações mais conceituadas. É coisa do povo, ementa de vidas de tasco, entre um tiro de caçadeira e um facalhão de meter respeito.

O civismo entrou definitivamente na nossa intimidade para amansar os corpos, os gestos, as palavras. A postura é um fato de pronto-a-vestir que usamos para entrar e sair das relações. Talvez até já nem se rasguem roupas quando chega a hora. O sentimento não ferve, a aprendizagem das loucuras que fizemos é renegada e a história do que fomos não tem disco duro porque a caixa de mensagens é mais prática e descartável. De resto, já não há cartas para guardar porque ninguém as escreve. Quem as leria, de resto, se tivessem mais de 140 caracteres?

Como num poema do Eugénio, já não há nada que nos peça água. E estamos como ela: insípidos, inodoros e incolores. Leves. Capazes de ir do tudo ou nada sem efusão de sangue. Deve andar a escapar-nos o momento em que deixamos de olhar a vida nos olhos e a desregrada infinidade de coisas que vinha junto com ela.

Miguel Carvalho in Revista Egoísta
imagem: Google

domingo, setembro 20

20% de Portugal não tem dono

Sob o "Título Terra de ninguém" o Expresso Economia conta que «metade do território nacional não tem cadastro geográfico. O levantamento cadastral vai custar perto de 1000 milhões de euros».
E só de pensar que é pelo poder [também] da terra que se travam as guerras...
bem... no caso, a leitura política feita pelo Secretário de Estado do Ordenamento do Território, João Ferrão é a seguinte:
«Isto é um problema até do ponto de vista da soberania nacional. O Estado não pode ignorar a quem pertence 1/5 do seu território. Mas isto é também um problema de cidadania porque, não havendo cadastro organizado, não se garante devidamente o direito dos proprietários».
E à pergunta «Se todos pagassem devidamente sobre a terra que possuem, todos pagaríamos menos impostos sobre propriedade?», João Ferrão diz que prefere não se pronunciar sobre isto.
mais aqui
imagem: Google

fidelidades [ou nem por isso]

«E da minha fidelidade não se deveria duvidar; pois, tendo-a sempre observado, não devo aprender a rompê-la agora; e quem foi fiel e bom por quarenta e três anos, como eu, não deve poder mudar de natureza: da minha fidelidade e da minha bondade é testemunha a minha pobreza»


Maquiavel (1469 - 1527) numa carta a F. Vettori


«Um senhor prudente não pode nem deve cumprir a palavra dada, quando tal observância lhe for prejudicial e quando as razões que levaram à sua promessa deixarem de existir. E se os homens fossem todos bons tal preceito não valeria: mas como são pérfidos e não cumprem a palavra contigo, tu também não és obrigado a cumprir a palavra com eles»


Maquiavel in O Príncipe


Conclusão: faz o que digo, não faças o que eu faço. Ou o contrário. A escolha é sua.


in Nós fiéis, nº20, revista do I.

Editorial da revista aqui
imagem: Google

ter a EGOÍSTA ajuda a AMI


digo ter, no sentido de a comprar. à revista. porque ao comprá-la estará a ajudar a AMI. e claro, como habitual, a ter acesso a conteúdos interessantes de muitos pontos de vista. esta edição é dedicada à CRISE. mas, garanto-vos, nenhum dos autores sofreu uma crise de inspiração. muito pelo contrário. a crise deu a alguns, momentos brilhantes.
Crise de Bolso, cabe mesmo num bolso. o que a torna ainda mais apetecível. digo eu.

para além dos parágrafos citados, pode, ainda, ler textos de Mário Santos, Muhammad Yunus, Carla Mendes, Nuno Artur Silva e Miguel Carvalho. a edição, como habitual, é da Patrícia Reis.



«(...) No curto prazo, é essencial estabilizar e restaurar a confiança no sector financeiro, de preferência no contexto de uma maior cooperação no espaço da União Europeia e da zona euro. Mas é essencial que este processo seja acompanhado pela defesa do emprego e por uma resposta pronta e eficaz aos problemas da natureza social».

Aníbal Cavaco Silva


«(...) Nas origens do termo "crise", está o sentido de mudança ou transição. O que exige alteração de rotinas e certezas. Adaptação e flexibilidade. Meios e confiança. Segurança e energia. Não há mudança sem aflição. Perdem-se raízes, não se encontram os caminhos. Mesmo quando é para melhor, a mudança é sempre exigente (...) »

António Barreto


«Afinal, o drama desta Crise (ainda em curso), ao fim de um ano de pânico e, sobretudo, de justificada preocupação pelos seus efeitos em matéria de desemprego universal, foi ou é uma espécie de "comédia" de um género novo: uma colossal sopa aos ricos com a China no papel de Coluche. Quem diria que o país para quem há uns setenta anos o Ocidente se mobilizava para dar a cada chinês uma "malga de arroz" estaria um dia em condições de socorrer os Mandarins da História(...) »

Eduardo Lourenço


«Por isso a partir de agora, devemos estender a todo o Portugal o que uma agência de publicidade decidiu fazer: eliminar a palavra maldita. Nunca se referir à coisa. Nunca lhe dizer o nome. Olhar sempre para o futuro que, como é óbvio, há de ser bem melhor que o presente. Não é, claro, que não estejamos já muito bem no presente. Mas no futuro é que vai ser. Vamos estar muitíssimo melhor: uma espécie de Suécia sem suecas mas com muito mais calor (...)».

Nicolau Santos


Excertos de textos publicados na revista EGOÍSTA - Crise de Bolso
Ao comprar esta edição da revista está a ajudar a AMI

terça-feira, setembro 15

Aqui na Terra, na estrada

era tão simples. eu ao volante de uma "pão-de-forma". na bagagem estantes com Aqui na Terra, do Miguel Carvalho. e um punhado de amigos. claro. depois, era só arrancar Portugal fora... e seria este o meu novo trabalho. a levar todos os livros às pessoas.
se souberem de uma vaga avisem :)
enquanto o sonho não se torna realidade, fica a agenda para os próximos dias. anotem aí s.f.f.

18 de Setembro - Guimarães - Associação Convívio, 21:30. Largo da Misericórdia. Com Esser Jorge, Carlos Mesquita e DJ Mike
19 de Setembro - Viana do Castelo - ATL Descansa a Sacola, 16:00. Rua General Luís do Rego, 215. Com João Ogando.
23 de Setembro - Chaves - Sr. Pastel Café. 21:30. Rua do Sol.
imagem: Google

sexta-feira, agosto 28

Saia um filme, sff


Já tenho aqui ao lado a Visão desta semana mas ainda vou falar da outra. A que saiu a semana passada. [É que não há forma de a dona deste blog me contratar definitivamente...] Os segredos do Barro Branco, uma reportagem do Miguel Carvalho. E que reportagem! Excelente. Com muita investigação, claro. Lê-se e, depois, apetece mesmo o filme. Tem os ingredientes todos! Todinhos. Nem sequer faltam dicas para o guarda-roupa da época. Nada. Nada. Tá lá tudo. Só falta mesmo quem faça sair o filme. Que a partir da reportagem, escreve-se o guião. Oram leiam, se ainda não leram. Alguns excertos e, creio eu, não restam dúvidas.


«Joaquim Ferreira Torres, industrial e financiador da rede bombista de extrema-direita, foi assassinado a 21 de Agosto de 1979. A morte serviu conveniências privadas e políticas. Mentores e autores não foram descobertos. O crime prescreveu. Trinta anos depois, a VISÃO traz a público novos dados e documentos.

Esta é a história de um homem controverso, de fortuna suspeita, que tentou cair nas graças do fascismo, deu dinheiro à oposição democrática, tirou comunistas da cadeia e ajudou “pides” e empresários a fugir. Um dia, ameaçou “abrir o saco” e calaram-no. A tiro. Por Miguel Carvalho Naquela manhã, Joaquim Ferreira Torres levantou-se mais tarde do que o habitual. Normalmente, estaria a pé às seis horas. Mas o jantar terminara para lá da meia-noite e ele havia passado a madrugada com dores na coluna. Estava, contudo, bem-disposto ao pequeno-almoço. Era Verão e a família mudara da vivenda das Antas, no Porto, para a sua Quinta de Vila Nova, em Penafiel. A mulher, Elisa, ia para as termas de São Vicente, ali perto. O marido continuava a fazer o percurso diário entre a casa e a fábrica têxtil de que era proprietário, em Famalicão, ignorando o significado da palavra férias.Apesar de discreto e reservado, regressara uma das últimas noites carregando uma mala com mil contos, fruto de um negócio com ciganos. Atarefado, nem deu importância ao facto de naquele período alguém lhe rondar a quinta, questionando os caseiros sobre as suas rotinas. Estranhara apenas as avarias no telefone, quase sempre ao final da tarde. O aparelho parecia ter vontade própria e os técnicos tardavam em descobrir o defeito.Tal não o impediu de marcar o referido jantar. Encomendara uns melões no restaurante Tanoeiro, em Famalicão, onde almoçava amiúde. O tenente-coronel Oliveira Marques e a esposa eram esperados à noite, vindos de Lisboa. Torres juntou à mesa a mulher, o “Quinzinho” - sobrinho que criou como verdadeiro filho desde os onze meses após a morte de um irmão - a irmã Sãozinha e o cunhado Mota Freitas, major da PSP, entre outros familiares. Antes e depois da refeição, os homens reuniram no escritório. Oliveira Marques foi embora já passava da meia-noite. Quando acordou, mal dormido, Torres vestiu uma camisa, casaco e calças claras, tipo caqui. Apertou o cinto de cabedal vermelho e calçou uns sapatos castanho claros picotados, de pala. No pulso, um Ómega de ouro. Num dedo, o anel, também em ouro, com brilhante de sete quilates. Guardou a carteira com umas dezenas de contos e numa pequena pasta preta colocou vários documentos, cerca de 42 mil pesetas e duzentos marcos. No casaco, levava a inseparável caneta em ouro e a agenda, recheada de contactos. Na lista, nomes de homens de negócios, policias e militares de várias patentes, velhos conhecidos do antigo regime, cónegos, políticos e cadastrados. O industrial fez-se à estrada no seu Porsche vermelho 911 T, por volta das oito horas. Em Paredes, comprou os três matutinos do Porto e seguiu viagem. Três quilómetros à frente, na estrada nacional que liga Paredes a Paços de Ferreira, talvez vendo um rosto familiar, abrandou. Numa emboscada de execução tipicamente militar, desconhecidos, munidos de armas pouco habituais no País, disparam contra ele vários tiros, atingindo-o sobretudo no crânio. Torres tombou, morto, para o lado direito do condutor. Passavam quinze minutos das oito horas do dia 21 de Agosto de 1979. O Porsche contava mais de 77 mil quilómetros. Duas jovens iam comprar vinho quando deram o alerta. Joaquim Ferreira Torres tinha 54 anos, negócios menos claros, fortuna invejável e ligações íntimas a meios políticos, económicos e militares. Aguardava, em liberdade condicional, a repetição do julgamento da rede bombista de extrema-direita. Garantira que “abriria o saco” sobre os segredos e cumplicidades desse tempo. A morte ficou conhecida como “o crime do Barro Branco”, lugar onde o calaram para sempre.


A ascensão, “à americana”


Até ali, ele tinha granjeando fama e fortuna vindo do nada e do esquecimento, ao estilo do mito americano. Nascera no simbólico 13 de Maio, em 1925, em Rebordelo, Amarante, um de 17 irmãos. Fez o ensino básico e vendeu carvão em Vila Pouca de Aguiar, onde o pai trabalhou nas minas. Também passou madeiras para Espanha, clandestino. Foi marçano numa loja de mercearias finas e, no final dos anos 40, já andava por terras transmontanas, de bicicleta ou motorizada, como comissionista e vendedor de rifas, ganhando bom dinheiro com sorteios de chocolates e navalhas.Em Murça, conhece Elisa, da aldeia de Noura, com quem haveria de casar. A rapariga trabalhara numa padaria e era governanta. “Uma lasca de mulher, muito cobiçada”, diz quem a conheceu. Namoram pelos quintais. E ela é sua cúmplice nas fugas à polícia que metiam saltos pelos telhados e esconderijos em tonéis de vinho. Os mandados de captura contra ele sucediam-se. E do tribunal de Chaves desapareceria, mais tarde, o seu registo criminal, que incluiria um historial considerável de abusos de confiança.Nos anos 60, já negociante de vinhos em Rio Tinto, Torres abre em Angola armazéns “com tudo do bom e do melhor para comer e beber”, segundo um antigo inspector da PIDE. As relações e os negócios fluem. A partir de 1964, Sousa Machado, empresário, recorre a ele para fazer face a problemas económicos na Companhia Mineira do Lobito e nos hotéis Presidente e Panorama, em Luanda. Ao longo de anos, pedirá montantes da ordem dos 200 mil contos, empréstimos cuja totalidade não liquidará até à morte do amigo. O filão, porém, é o tráfico de diamantes e divisas. Torres conhece Tschombé que, com ajuda da CIA e de diversos mercenários, tenta a secessão da província diamantífera do Katanga, no Congo. Quando o líder africano cai em desgraça, Salazar – que lhe cedera armas – dá refúgio aos familiares. Mas será o homem de negócios de Amarante a velar pelos interesses dos herdeiros de Tschombé. E pelos seus, claro.Torres regressara com uma fortuna incalculável.Deposita lingotes de ouro na banca e dedica-se à especulação bolsista, mantendo laços com amigos de África. Os bancos disputam-no e negoceia, fazendo-se caro. “Já ganhei mais mil contos!”, ouviam-no, ao telefone, com gestores e administradores. Entre outros investimentos, compra terrenos, uma tipografia, uma casa de câmbios e chegará a ser dono de 27 quintas no Norte do País. Passeia-se num Jaguar 4.2, anda de Porsche e num Mercedes amarelo 350 SLC, desportivo. É amigo do banqueiro Pinto de Magalhães e do empresário Xavier de Lima, quase dono de Setúbal, a quem ajudaria a recuperar a fortuna. É avalista de negócios no turismo e outras áreas. Credor dele, Sousa Machado abre-lhe portas nos meios políticos e militares. Hábil e desconfiado, anota tudo. Dos 110 contos que gasta nuns botões de punho a uma pulseira para a mulher no valor de 90 contos. O círculo íntimo sabe apenas o estritamente necessário. É de fúrias e impõe rotinas de forma quase militar, sem transigências. Rigoroso, manda repetir textos à máquina por causa de vírgulas. Na ascensão meteórica, cultiva gostos a preceito. Os fatos e sapatos são feitos às dúzias, por medida, nas melhores lojas de Santa Catarina, no Porto. De Londres, traz tecidos, sem falar mais do que o português. Em casa, cultiva uma decoração imponente e aparatosa, com móveis franceses, que convidados classificam como “neo-barroco da burguesia”. Os jantares são opíparos e a garrafeira não destoa. Comprara mais de cem garrafas de Barca Velha, ao preço de muitos ordenados da época. Preferia colheitas de 64 e 65. Ou um Faustino I, Rioja, de 66. Se acompanhassem uma perdiz cozinhada pela mulher, tanto melhor.Conquistado o estatuto financeiro, ao ritmo de “pronto-a-vestir”, Torres procura a legitimação social que lhe faltava. Os seus ciúmes tinham um nome: Gonçalves de Abreu, comendador, dono de um império industrial, figura prestigiada, presidente da Câmara de Amarante. A autarquia e uma comenda eram o seu sonho. Ele esmera-se. Em finais dos anos 60, compra a fábrica têxtil Silma, em Famalicão à família do destacado anti-fascista e comunista Lino Lima. Por mais de uma vez fará uso dos seus contactos para tirar o advogado dos calabouços da PIDE. Na Silma, onde a sirene marcava os ritmos das gentes de Brufe e Calendário, Mário Sousa, Maria de Sousa e Maria da Glória somaram 66 anos de trabalho. “O senhor Torres foi um bom patrão. Tinha as suas manias, mas pagou sempre os ordenados, mesmo quando esteve preso e fugido”, contam. A sindicalista Ondina Coutinho travou com ele braços-de-ferro, a doer. “Nada era dado sem luta. Mas tivemos condições de fazer inveja na região”.
[...]
Colecciona medalhas de benemérito e benfeitor. Mas antes de tudo isso, já tinha um convite irrecusável… A comenda que não veioTorres é nomeado para presidir à Câmara de Murça em 1971. Influências de um amigo salsicheiro a quem emprestara dinheiro. As verbas que faltavam ao município e que o Estado, somítico, não libertava, tinha-as ele. A terra dá um salto, ganha urbanidade. Oferece a cada morador um balde de plástico para o lixo que uma viatura camarária recolhe diariamente. Na rua, homem cénico que era, gesticula e dá ordens. “Exercia o mando, tinha dinâmica e visão”, assinala José Gomes, antigo presidente da autarquia. Manda electrificar aldeias, abrir caminhos, construir estradas. Aparece de surpresa nas freguesias e, “quando a verba se encontra esgotada, abre a bolsa e resolve os problemas”, contava o seu vice-presidente.
Deu vida a lugares isolados, escolas. “Foi um santo homem. Quem não é agradecido é melhor não andar neste mundo”, rende-se o lojista Alfredo Meireles. Adianta dinheiro que o Estado lhe pagará depois, aos bochechos. Cria uma extensão da sua fábrica têxtil, dá terrenos pessoais para a construção de casas e inaugura uma piscina de fazer inveja na região. “Com ele, Murça seria a Suíça de Trás-os-Montes”, crê José Gomes. [...]»

E é assim, até ao fim. De ler e pedir aos realizadores portugueses: saia um filme, sff!
imagem : google


terça-feira, agosto 25

De novo o sol, das novas tecnologias



Isabel Coutinho, jornalista do Público e autora do blog Ciberescritas esteve sete dias desligada. Das novas tecnologias, entenda-se. A sua vida longe dos telemóveis, dos computadores e das outras "ferramentas" facilitadoras da comunicação instantânea [assim como a mousse alsa, só que em vez de água, basta carregar numa tecla e já está...] é-nos contada pela própria na Pública do passado fim-de-semana.

Gostei especialmente do relato do dia 8 de Agosto. Sem recurso à Net Isabel Coutinho teve de escrever um obituário. O de Raul Solnado. E não tem acesso a telexes, nem à Net, nem à sua agenda telefónica electrónica. Só tem um computador que usa como uma máquina de escrever e uma pen! Pede ajuda a uma colega e, entretanto, procura fontes, documentos.
«Enfio-me no Centro de Documentação à procura da pasta com os recortes dos jornais dedicados a Raul Solnado, organizada ao longo dos anos. Encontro-a. Uff! Depois, vou à procura das revistas Pública encadernadas. Está lá a entrevista que Duarte Mexia fez ao actor em 2002. Volto à minha secretária. (...) Mergulho nos imensos papéis para escrever cinco momentos importantes na carreira de Solnado. Agradeço várias vezes em pensamento a quem durante anos fotocopiou e organizou aquela pasta onde está contida uma vida inteira. (...)»
Sim. Este trecho tocou-me. Os arquivos de papel. Os recortes. Que tantas vezes vi fazer. Num outro jornal. No DN. E achei muito nobre a Isabel Coutinho agradecer, em pensamento, a quem os fez. E fiquei a pensar: será que nesse arquivo "arcaico" haveria alguma coisa que não se encontre na Net? Enfim...gostei de ler. Gostei do relato dessa experiência que, afinal, não deixa ainda de ser o quotidiano de muitas pessoas. Sim, porque o relato do inverso, também seria interessante...
imagem: Tonho Oliveira

terça-feira, agosto 11

5 estrelas e 6 meninos Jesus

« [...] A reportagem, ensina-se nas escolas, é o género mais nobre do jornalismo. E o lugar-comum deve ser evitado no jornalismo."A reportagem é o género mais nobre do jornalismo" já é um lugar-comum. Mas convém fixá-lo na hora de ler "Aqui na Terra", de Miguel Carvalho, pois terá pela frente 118 páginas da melhor reportagem que se faz em Portugal e nenhum lugar-comum. Apenas retratos de um país onde, mostra o autor, anda mesmo tudo ligado», escreve Ricardo Marques na Actual, do Expresso. E dá-lhe 5 estrelas. Ao livro.
É um livro 5 estrelas e 6 meninos Jesus! Abençoado, portanto! [mas disso eu já sabia...;)]

quarta-feira, julho 15

Aqui na Terra - imagens





Foi uma noite absolutamente fabulástica. De família, amigos, leitores. De beijos abraços, de palavras sábias e emotivas, de autógrafos. Muitos. Cem livros vendidos. Num ápice! Muita comoção. Muitos sentires. Sentidos. Foi lindo! Digo eu, daqui, do meu coração. Em bicos de pés, para me verem sorrir. Tão lindo, tão nosso, de todos. A desaguarmos numa francesinha. Ou não fosse uma noite feliz, no Porto. Onde se abrigam afectos. Afectos para sempre.

segunda-feira, julho 13

Aqui na Terra - lançamento do livro

Esqueçam a capa. Vamos directos ao miolo. É lá que vivem as histórias, que um dia foram reportagens, na sua maioria, da revista Visão e duas do semanário Independente. [Já extinto, como sabemos.] Há uma história inédita. Mas inéditas, vendo bem, são todas porque, de certa forma, são textos reescritos, limados contra o tempo e com espaço. O espaço que só um livro pode dar, porque um livro é um caudal de margens amovíveis. Ao contrário de uma reportagem. E, de certa forma são, também, todas inéditas, porque nunca antes coabitaram entre as capas de um livro. O livro chama-se Aqui na Terra e o autor é jornalista.

Miguel Carvalho é jornalista, mas podia ser antropólogo. Tem alma de. De João Pina Cabral. Por exemplo. O método das entrevistas para, em antropologia, fazer histórias de vida afina, aqui e ali, com o do jornalismo. Há diferenças, claro. E nem o Miguel Carvalho é antropólogo nem o Aqui na Terra é um diário de campo. É muito mais. No entanto, ao lê-lo não consegui deixar de traçar um paralelo. Nem deixar de pensar que estas histórias também tem «aromas de urze e de lama». Adiante.

As histórias de Miguel Carvalho não são sobre uma comunidade específica ou em extinção, ou, ou, ou... Não. O seu “trabalho de campo” foi realizado numa “comunidade” maior. Um país: Portugal. Com muitas histórias dentro. Muitos rumos. Onde o passado recente é memória colectiva. Onde a actualidade está tecendo História. Onde as pessoas são actores, sem hipótese de serem secundários. O papel principal cabe a cada entrevistado.

«O pecador Os últimos dias do padre Max, assassinado em 1976.O altar Em busca dos milagres que Fátima nunca viu. O cónego O sacerdote que não chegou a ser estátua. A seita O hipermercado da fé da Igreja Universal. A purificação Segredos que a vida encerra nos cemitérios. A celebração A aldeia refractária, orgulhosa da sua identidade. O pastor A vida de Hermínio Carvalhinho, antes e depois da fama. A cruz Viagem às profundezas da terra-mártir: Castelo de Paiva. O ritual A estrada da vida à boleia de um motorista de carreira. A agonia O definhamento das aldeias sem crianças. O santuário Homens que erguem o templo das massas. O martírio A ressaca de gerações numa vila do interior. A aparição O homem que ressuscitou ao passar a fronteira. A devoção À procura de Torga, no centro da terra. A via-sacra O fadário de João Correia, vida debaixo da ponte. A romaria O repórter desencontrado em Vilar de Mouros. A religião A aventura no País dos cançonetistas que entram no ouvido. O imaculado O Zeca Diabo português, de língua afiada e bofetada ligeira.»

Aqui na Terra fala-nos de pessoas. Homens. Terráquios. Dá-nos a conhecer episódios do país da última década em múltiplas frentes. O Portugal multitemático como a vida. A vida que supera sempre a ficção. A vida de um país em [foto] grafias tipo passe. Individuais, nítidas, a conferirem identidade a cada reportagem. São testemunhos ímpares. Documentos únicos. Histórias singulares que fazem o Portugal colectivo. Perfulgente. Baço. Comovido. Esquecido. Saudoso. Penitente. Trabalhador. Devoto. Amador. Aleijão. Sofrido. Bizarro. Contente. Sei lá. Muito Portugal.

Esqueçam a capa. Ou não. Não esqueçam. Porque de facto, após a leitura, dá-se a epifania: este Portugal por dentro, escrito por Miguel Carvalho é divino.
Divino e humano. Demasiado humano.



Muito importante: AQUI NA TERRA, editado pela Deriva, é lançado hoje, dia 14 de Julho, às 21.30, no espaço MAUS HÁBITOS, no Porto. A obra será apresentada por Nuno Higino, professor de Sociologia, escritor e antigo pároco de Marco de Canaveses e Zaclis Veiga, Professora de Fotojornalismo e jornalista brasileira. Estão convidados. Sei que sim.

imagem [fotografia da capa] Lucília Monteiro

quarta-feira, maio 13

O amor tornou-se uma questão prática


«[...] O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".
Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.
Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como nãopode. Tanto faz. É uma questão de azar.O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.


Miguel Esteves Cardoso, Excerto do texto Elogio ao Amor
[este texto é conhecido universalmente. e se não é, devia ser! MEC no seu melhor! Mas, como diz o editor da nova revista, todos nós já o recebemos, repetidas vezes, por e-mail! ao abrir a revista do i, no passado sábado, ei-lo a celebrar o tema da capa! Adorei a publicação e, apesar de não ter onde as arrumar, vou coleccionar as 50!]

quarta-feira, maio 6

Germano Silva na Comunidade de Leitores



Germano Silva é o próximo convidado da Comunidade de Leitores, uma iniciativa da livraria Almedina. Miguel Carvalho é o perguntador do costume. Desta vez, uma conversa entre jornalistas aberta a quem quiser participar e ficar a saber mais sobre o livro Porto: Sítios com História, editado pela Casa das Letras.
Como sempre, a iniciativa promove autores portugueses contemporâneos e permite, de forma intimista, uma conversa plena de curiosidades. Os bastidores do livro, as motivações, as entrelinhas e tudo o mais que se queira perguntar sobre a obra em questão!
No próximo Sábado, dia 9, na Almedina do Arrábida Shopping há mais uma conversa informal, desta vez sobre a cidade mais bela do mundo! Digo eu...assim como quem nunca o disse antes, aqui :) Excepcionalmente, o autor estará presente em ambas as sessões, 9 e 16 de Maio. Sempre às 17 horas.

quinta-feira, abril 2

A Biblioteca Infinita


Cheguei lá através do Devida Comédia. Espreitei e gostei. Não tencionava demorar muito. E demorei. Descobri várias coisas. Interessantes. Mas gostei muito, tanto, tudo de três textos. Com eles e sob o título «O meu coração pertence a estranhos», Alexandre Gamela, ganhou o XII Concurso Literário Hernâni Cidade. Deixo aqui este. O essêncial está nO Lago. Aliás, acho que está lá o mundo inteiro. Aos posts.

Mas vão lá ver e ler...Vale a deslocação. É já aqui.


Um blogue não é apenas um pedaço de realidade ou inteligência, é também ficção. É a oportunidade de qualquer um, com a suficiente educação e meios digitais, poder recriar o seu universo, escrever os livros que estão nas prateleiras da Biblioteca Infinita, deixá-los à mercê do olhar de outros. Escrever um blogue é como falar ao ouvido de estranhos, sem nunca podermos saber qual será a sua reacção, se a tiverem. É também uma mão estendida à identificação e à aproximação de indivíduos que de nunca de outra forma se encontrariam, é o ultrapassar das barreiras físicas através da partilha pessoal, intelectual e espiritual. E a cada pedaço que cortamos do nosso cordel para criarmos mais um nó, abrem-se possibilidades inimagináveis. Os volumes amontoam-se por magia nas prateleiras que ladeiam a nossa exploração sem fim, cada um com o seu traço, cada um prestes a ser descoberto. É o fruto e expressão desse mundo em contínua expansão onde a única barreira – e cada vez mais ténue – é o idioma, e as suas sementes são a partilha, o exercício da liberdade e, também, narcisismo. É escolher um pouco de nós e mostrá-lo a quem quiser ver.
Em cada segundo que se demorou a ler este texto foram criados 1.4 blogues, e publicaram-se 1000 posts por minuto. Nunca se leu nem escreveu tanto, o que só nos faz pensar quão longe estamos da revolução provocada por Guttenberg.

A caneca arrefece de vazia, mas ainda vive lá dentro o cheiro do café. Da janela podemos ver a rua, onde, no meio da multidão que prossegue no seu rumo, há já quem nos conheça, há já quem se tenha cruzado com os nossos pensamentos, há quem nos tenha influenciado, sem nunca lhes termos visto a cara ou sentido a vibração da sua voz. Somos figuras de carne e osso anónimas que se assumem famosas no mundo virtual. E a nossa obra não tem um fim, como nos romances.
Voltamos para a frente do ecrã, a nossa janela para as ruas cheias de janelas de todo o mundo, colocamos as mãos em cima do teclado, e começamos.


Alexandre Gamela in O meu Coração Pertence a Estranhos
Imagem: biblioteca infinita daqui

quinta-feira, fevereiro 26

Do jornalismo... hoje


«Chegou ao jornalismo em 1972, entrou no Diário de Notícias em 1977. A Controlinveste quer dispensá-lo. Nos últimos cinco anos, pelo menos 180 jornalistas perderam o emprego na área de influência do Porto. Está em marcha um "processo de desertificação" na área dos media».



É este o lead que nos faz avançar com avidez para a prosa de Ana Cristina Pereira. A jornalista entrevistou o jornalista Alfredo Mendes «Despedido num minuto e meio - dois minutos, vá lá».

(...)

«Até à década de 90, trabalhar no DN foi "exaltante". Com a saída do PÚBLICO, concorrente directo, o diário "começou a perder identidade. Depois, "entrou numa estratégia de ziguezague: quer ser tudo»

(...)

«Não era o único jornalista do pacote. Dentro dos 122 profissionais que a Controlinveste quer dispensar, estão 75 jornalistas - do Jornal de Notícias, do Diário de Notícias, do 24 Horas, d`Jogo e de outras pequenas publicações: 54 na zona de influência do Porto. Motivos avançados: "Desequilíbrio económico-financeiro num mercado em queda", "necessidade de reestruturar a empresa, nomeadamente eliminando postos de trabalho redundantes e adequando o nível de recursos humanos à actividade desenvolvida e à evolução tecnológica".

Pelo mundo inteiro a imprensa tem perdido leitores. Em tempo de crise, o investimento em publicidade, é um dos primeiros a ressentir-se, como refere o director do centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, Manuel Pinto. E a publicidade é "vital" para a viabilidade dos media".

(...)

«Dos importantes títulos de imprensa do Norte, mantém-se hoje, como seu baluarte e com um forte enraizamento social, o Jornal de Notícias, lembra Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte. O comércio do Porto morreu em 2005 (...) e o Primeiro de Janeiro transformou-se numa caricatura do que era (32 jornalistas despedidos em Agosto de 2008).

Nos últimos cinco anos, pelo menos 180 jornalistas da área de influência do Porto perderam o emprego (...) o ano passado o Expresso dispensou dois; há dois anos o Público, dispensou 11 - o que implicou acabar com as delegações em Braga, em Aveiro e em Vila Real.

Estará o Norte a tornar-se irrelevante? "Não, o Porto, o Norte, não é irrelevante. O Porto e o Norte estão é a merecer pouca atenção dos media", reponde o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia. "Todo o Portugal real - que tem a ver com as regiões, com as localidades - está".

No final dos anos 80, havia uma dinâmica de descentralização, lembra Joaquim Fidalgo. Depois, o país recuou. Se cairmos de pára-quedas numa reunião de autarcas e outras personalidades, veremos como isso é verbalizado. O centro de todas as decisões está em Lisboa, resume Armindo Abreu, presidente da Câmara de Amarante.

(...)

Este "processo de desertificação", na opinião de Carlos Lage, "deve suscitar preocupação e ponderação". "Não existem sociedades sem espaço público, nem vontades ou destinos colectivos, sem voz. Uma informação pública construída a partir de uma base social ou geográfica única é tão inaceitável e danosa como a que é construída por um código ideológico e de opinião exclusivista", diz.

Haverá muito quem ache que a "informação está tão disponível, que há tantas agências, tanta Net, que não é preciso ter jornalistas onde as coisas acontecem", admite Fidalgo. Mas a tecnologia não substitui o contacto com as pessoas". Não se pode "fazer adequada cobertura à distancia". Alfredo Mendes não podia estar mais de acordo: "Como é que os jornais podem ser uma alternativa à televisão, à Internet? Fazendo o jornalismo de "rabo-sentado", seguindo a grelha da televisão, indo à Internet? Estão a basear-se demasiado na Internet. Não há ligação ao público. Vão a Nova Iorque buscar ideias, mas não vão à Praça da Liberdade, à Avenida dos Aliados».

(...)

Não será fácil recomeçar aos 53 anos: "Aumenta a esperança média de vida e um jornalista com mais de 40 anos é para abater".

Proliferam cursos de Comunicação Social. Todos os anos, centenas de jovens tentam entrar na profissão. Alfredo Mendes desanima perante o que chama "estratégia chinesa": "Em vez de se ter profissionais com experiência, com qualidade, nos quadros das empresas, tem-se estagiários a trabalhar à borla. E sai um jornalismo padronizado, sem memória, sem génio e sem arte. E as redacções transformam-se em espaços frios, tristes".


[a entrevista pode ser lida na íntegra no PÚBLICO de hoje. O rapaz da mercearia, ali do lado - a quem roubei o jornal - já me tinha dito. «Ela escreve...» e escreve. Eu, para ler, coloquei o coração no bolso. Que faz frio. apesar do sol. é que ler tão bem escrito, o que está tão mal feito, dói ainda mais. obrigada Ana Cristina Pereira. digo eu, entre parêntesis.]