quinta-feira, novembro 24

Visão Solidária


Esta edição da Visão diz-me especialmente...e por motivos que me trazem motivada :) Ainda não a li toda mas recomendo o que li: "Economia - A força do terceiro setor", por Alexandra Correia e Mário David Campos. E, ainda, uma mão cheia de "Histórias inspiradoras" por Patrícia Fonseca e Cesaltina Pinto. Logo, leio o resto! Para já, espreitem a Visão on-line e aproveitem para votar num destes 10 projectos. Não custa nada... ter ... não só uma visão como também uma acção... solidária...

sexta-feira, julho 9

Entre santos e serial killers

[li o texto do Miguel Carvalho, primeiro. depois o da Inês Pedrosa. depois fui espreitar se o meu estava lá. fui ler o editorial. depois li o do Rui Zink. voltei a espreitar a ver se o meu ainda estava lá. e estava. li o do Francisco José Viegas, o da Hélia Correia e voltei, novamente,
quase ao fim da revista a ver se era mesmo verdade, a ver se o meu lá estava. e estava.
o nó de emoção ainda está cá. no sítio preferido dos nós. no peito. porque, confesso, uma coisa é admirar a Egoísta de longe, há dez anos; outra, é estar lá dentro.
para agradecer o convite à Patrícia Reis, editora da revista, não me chega nenhum superlativo absoluto sintético. provavelmente, só uma never ending story.
deixo aqui o texto que está nas páginas da EGOÍSTA. leve-a ao micro-ondas, antes de ler.
é verdade. verdade inovadora esta. e criativa. mas isso já todos sabemos. e não é de agora.
a minha já foi. só assim consegui ver esta capa. uma bela homenagem a Lispector.
uma edição inteiramente dedicada à liberdade]

Entre santos e serial killers

Aqui, voltada para o Muro, com uma oração que copiei de um livro, pronta a entalar entre as pedras milenares, sinto-me livre. Livre e grata. Exactamente a mesma liberdade que senti no Santuário da Multiplicação dos Pães e dos Peixes, em Tabga ou na Igreja Ortodoxa de São Jorge, em Madaba.

Depois, na Mesquita do Rei Hussein, de pés descalços e cabelo recolhido num véu, voltei, novamente, a essa sensação de liberdade que a fé ou a dúvida – não estou certa – me dá.

Uma liberdade comovida, mais sentida no Monte das Bem-Aventuranças ou mesmo nas margens serenas do Mar da Galileia. Uma brisa muito leve e uma certa paz, branca e negra como a igreja de Antonio Barluzzi, tomam conta das minhas inquietações.

«Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra!» E das oito, mais nenhuma me vinha aos lábios. Talvez por ser a que menos o meu coração entende. Talvez por a terra ser o princípio e o fim de tudo. O grande motivo.

«Se tiverdes a fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e ele passará. Nada vos será impossível.» Sempre gostei desta parábola e, agora, ver o grão de mostarda feito souvenir, dentro de um vidro, com umas gramas de terra a dizer “Holy Land, 5 Shekels”, a dimensão profética esbate-se. Afinal, não há guerra, que não seja pelo poder da terra. Ainda por cima santa. E não há religião, que eu conheça, que não tenha os seus souvenirs.

A Terra Santa não é fácil. Ponto. Muito menos para espíritos inquietos. Muito menos quando se passam fronteiras. Que uma coisa é passar fronteiras outra, distinta, é ler jornais ou livros. Que uma coisa é imaginar e outra é ver. Ver o muro alto, de betão, coberto de grafites: «hipócritas». Lá o passei, para a Palestina. Tive liberdade para isso. E os que lá estão?

A liberdade religiosa é outra coisa. No seu conceito, dá-nos um certo conforto, pelo menos tal qual está declarada nos direitos humanos. «Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou
crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou colectivamente, em público ou em particular.»

E na terra das três grandes religiões monoteístas, com um deserto para atravessar, o tempo é outro. Para pensar e rever conceitos como este.
Para olhar para dentro e ouvir. Até porque o deserto tem esse poder escatológico. E sempre foi palco de grandes revelações. Encontramo-nos mais próximos de qualquer coisa, na mesma medida que não a sabemos explicar.

Ali, algures entre um Pai-Nosso do Padre Jardim e uma oração Bahai, do Guiora encontrei, talvez, a melhor definição de liberdade religiosa.
Talvez pela partilha generosa do conhecimento. Talvez pela convicção
com que cada um fez a sua oração. Talvez pela serenidade do abraço que deram. Não sei ao certo.

Sei que me é muito mais fácil acreditar no Bem e no Mal. Que é como quem diz, acreditar em santos e serial killers. Acredito na existência dos dois. Sem rebuço. [Sendo que é muito mais fácil acreditar nos segundos.] São os extremos de que o Homem é capaz. Pelo meio, andamos nós, os que duvidamos. Os que temos fé. Os que copiamos orações e as inventamos. Os que procuramos ser livres. Os que acreditamos, mesmo sem quipá, que há algo acima de nós.
Os que sentimos uma imensa gratidão por termos aprendido a dizer:
«Bem-aventurada é a região e o lugar, a casa e o coração».

[dedico, aqui, este texto ao grupo magnífico que fez esta viagem inesquecível]

Eu, Mariana


[...e por falar em textos em que apetece fintar o fim.
para que não terminem.
fiquem com este. do Miguel Carvalho.]

«Lembro-me dos sons da liberdade chegarem de noite, pela calada, arranhados como uma canção usada. A verdade, naqueles anos, tinha um preço alto e era uma palavra que entrava em casa através de vozes raras e roufenhas. Pousávamos uma cafeteira em cima do rádio velho, a fazer de antena, e sintonizávamos o Portugal livre, que existiria longe da vista, mas nunca longe demais para os nossos sonhos.

Tinha 19 anos e era muito bonita, sabes?

Não punha pé na rua sem as sobrancelhas arranjadas com minúcia e um par de horas diante do espelho. Com a idade e os avessos da vida, a gente habitua-se ao desuso do corpo e dos caprichos. Mas ainda hoje morro de saudades do meu corte de cabelo soixante-huitard, falsamente despreocupado, do meu vestidinho de manga curta e saia acima do joelho, com pequenos e rebeldes quadrados coloridos a cinza e preto, e o sapatinho branco de fivela, de fino e curto tacão. Nos meses frios, não largava a boina – já devia ser tique revolucionário – e o meu amado casaco de gomos, que usava com calça branca. Havia ali um ar vagamente queque, é verdade. E sim, os rapazes rondavam-me, mas eu sempre à míngua de tempo para eles, exceptuando um outro «namorico», de amar e largar.

sábado, abril 3

2 génios na Time Out. e ainda não li 1/3 da revista

veio num comboio e foi noutro! soube a pouco. a minha amiga Cristina veio de Lisboa e trouxe-me a TIME OUT Porto. Pois é :) ainda não a li de fio a pavio mas já a recomendo vivamente.
neste primeiro número Manuel António Pina conta-nos como escreve. sendo que fundamental é que este SENHOR escreva. e a escrever sobre como escreve não deixa de ser delicioso, mesmo que o depoimento seja escrito às 2 da manhã. directamente no computador. não foi com a Montblanc que de vez em quando os gatos lhe levam, mas é poesia.
depois, encontrei José Carlos Fernandes a escrever sobre Carla Bley. sim, esse génio da banda desenhada portuguesa. excelente surpresa. só me resta ler mais. ler sempre.

sexta-feira, janeiro 29

10 anos, já?


« A Egoísta nasceu há 10 anos como uma revista temática que se tornou um objecto de culto, sendo considerada um caso de sucesso no mercado editorial português. Um dos segredos, explicou à Lusa a editora da publicação, é não ser uma revista mas sim um produto de comunicação e de marketing do Grupo Estoril-Sol, que apostou na promoção da cultura e das artes de forma inovadora. "Se fosse uma revista com intuito comercial, se calhar não teria sobrevivido", disse Patrícia Reis.

A Egoísta tem vários prémios nacionais e internacionais e apostou num discurso pioneiro e revolucionário, segundo a sua responsável. "Há dez anos não se fazia nada temático. Não havia espaço para a curta ficção, por exemplo, o que fez com que a Egoísta publicasse em primeira-mão muitos autores. Promovemos a ficção, a fotografia e as artes plásticas, a cultura nas várias vertentes."

O primeiro número saiu em Janeiro de 2000 e no ano seguinte a revista passou de mensal para trimestral. A Egoísta tem hoje uma tiragem de dez mil exemplares e mais de 200 assinantes. Inicialmente era distribuída selectivamente. Após muitos pedidos, entrou no circuito de livraria.

Para comemorar o 10.º aniversário, a próxima edição (em quatro dimensões), que sairá em Março, será dedicado ao Oriente».

quinta-feira, janeiro 21

nunca mais é sábado!


...e, no sábado, aviso já, ninguém mais lê a minha revista. estamos entendidos? ;)

domingo, janeiro 10

nostálgicos, nós?

é das minhas capas de eleição, esta, de vinil :) ...e até eu e os meus botões, não resistimos a escolher a década da saudade..., a nossa, ao ler os textos de Ana Catarina Pereira.
e gostei muitíssimo de O CHEIRO DO TEMPO.
uma viagem nas asas da memória olfactiva de Pedro Rolo Duarte.

e a sua nostalgia - se é que a sente - é de que tempo?

sábado, janeiro 2

meio cheio :)


café, torradas e Nós OPTIMISTAS :) para começar o ano. ah! e, claro, uns raios de sol a entrarem pela janela. ainda que tímidos. tão bom.
e um mar, convicto, um tanto furioso, ali ao fundo.
bom ano!

sábado, dezembro 19

este fim-de-semana...

é especial! muito especial! os desenhos são de António Jorge Gonçalves. tanto. tudo. íssimo. a edição, como sempre, de Pedro Rolo Duarte. a não perder...digo eu ;)

sexta-feira, novembro 27

SAI + O que resta de Deus

chama-se SAI. é uma revista de bolso. no canto inferior direito da capa diz: Portugal cultura e tendências urbanas. gostei. gostei bastante. só não gostei, mesmo nada, de perder, hoje, às 18.3oh, a oportunidade de ouvir José Tolentino Mendonça + Armando Silva Carvalho. foi a primeira conferência sobre O QUE RESTA DE DEUS. há mais. o programa fica aqui.

é no Teatro Nacional São João. amanhã, dia 27, é a vez de Ilda David + Paulo Pereira.

domingo, novembro 22

Conservadores

Há dois tipos de conservadores no mundo: os que sempre foram, e vivem felizes na sua condição, tranquilos nos blazers espinhados, nos padrões Burberry e nas camisas de xadrez; e os que demoram anos a reconhecer o seu próprio conservadorismo e fazem-no sempre a contragosto, resistindo às evidências.
Pertenço, evidentemente, a estes últimos – razão pela qual persisto na ideia de conviver harmoniosamente com a modernidade, embora só me sinta feliz nos lugares e cenários que já conheço. Uma agenda Filofax. Um disco que já ouvi. Um autor que não me surpreende. Uma bebida que conheço há anos. O eterno Cozido à Portuguesa do Painel de Alcântara. O croquete do Gambrinus. Vergílio Ferreira. Sting. João Gilberto. O pastel de massa tenra do Frutalmeidas.
Gosto do que é novo – mas o confronto cansa-me Gosto de conhecer novas cidades – mas logo que posso volto a Londres e a Barcelona. Defendo o casamento entre pessoas do mesmo sexo – mas se me falam em adopção, vacilo.
Propositadamente misturo o que não se mistura – para que se perceba que há, no conservador não assumido, algo que está aquém e além da ideologia ou sequer da cultura familiar. Como se tivesse uma marca genética que não se consegue vencer por decreto. [...] continua aqui.

Pedro Rolo Duarte in Revista Nós, nº29, jornal "i"

quarta-feira, outubro 14

Festivalar por aí - Amadora BD

É um festival! Uma alegria de lés a lés. De Norte a Sul, durante todo o ano, Portugal soma festivais. Ele é o festival do chocolate, da melancia, do chícharo, do esóterico e do caracol. Da sardinha, da castanha, do jazz, da banda desenhada, do teatro, do erótico e da dança. Da francesinha, das papas de sarrabulho, do fado, da canção redentorista, de robótica, do queijo, pão e vinho, da ópera, do islamismo, de gigantes, de tunas, dos descobrimentos e dos jardins. Da cerveja e das marcas patrocinadoras, que sem apoios não se faz nada. Ou faz-se pouco e sem visibilidade nenhuma.

Um festival é quando um Homem quer! É assim há muitos anos. E não me refiro aos 45 que já leva o famigerado Festival da Canção. Esse festival que silenciou famílias, em tempos idos, à volta da televisão. Para ouvir a Europa cantar. Agora, em cada vez mais idiomas. E com cada vez menos união. Familiar. Porque a oferta lúdica é maior. Creio.
De qualquer forma, em causa estão os festivais que tiram as pessoas de casa. E em Portugal são incontáveis. E de todos os géneros.

Pelo mundo fora, os festivais celebram-se evidenciando um aspecto único de uma comunidade. Na sua origem, estão práticas antigas. Refiro-me, por exemplo, aos que Roma celebrou em honra de deuses e vitórias; os que brindam a lua, a abundância e a união, na Ásia; ou os que celebram a chegada da Primavera. É o Festival das Cores. Ou Holi. Acontece na Índia, Guyana e Nepal. Já o judaísmo, tem um Festival das Luzes, ou Chanucá. Começa depois do pôr-do-sol do 24º dia do mês judaico de Kislev. Só para exemplificar que os festivais, não são de agora. Nem são todos filhos dos festivais da canção!
Nem pouco mais ou menos.
Falo dos festivais pautados pelos solstícios, ditados pelo calendário litúrgico de cada religião. Os festivais de todos os calendários, onde o sagrado e o profano justificam, no seu cruzamento, a festa que há por detrás de cada festival.
A palavra festa nasceu primeiro. Dizem os estudiosos. Latina, na sua origem, começou a usar-se como substantivo, depois como verbo. E da festa deriva o festival, com significados bastante próximos. Porque onde há festival, há festa, alegria, salsifré, celebração, elogio. E Portugal tem espírito festivaleiro. Novos e velhos não resistem a sair à rua para comemorar!

Sair à rua – festivalar por aí - seja para dançar, ir ao teatro, ouvir música ou simplesmente admirar jardins. Seja porque a cerveja abunda e refresca; seja porque vem aí a banda do coração. O importante é ter um motivo para festejar. E motivos não faltam. A imaginação é prodigiosa. E até o silêncio, a palavra e o riso, são mote de festival.
Os festivais, são como os cogumelos! Imensos.Todos os anos nascem mais. E há os de sempre. Como os amigos. Tão familiares que todos sabemos a sua sigla ou o seu petit-nom de cor. [...]


in nós Festivos, revista nº16 do Jornal i

Isto para vos dizer que no próximo dia 23 abrem as portas do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora!

AMADORA BD! Assim é que é. Agora :)

Porque em Outubro, manda a tradição, celebra-se a BD. Este ano é a 20ª edição de um festival mundialmente conhecido e reconhecido. E lá vou eu :) festivalar por aí...

Celebram-se os 50 anos de Astérix [o que eu aprendi História com eles...]e os 50 anos de carreira de Maurício de Sousa [turma da Mônica].
A não perder, evidentemente! Até 8 de Novembro. O programa tem mais, muito mais. É a festa da BD na Amadora! A 9ª arte à nossa espera...

segunda-feira, setembro 28

da inveja


1. Tranquilize-se: não é uma característica marcadamente portuguesa. É mais...marcadamente humana.

2. É um dos sete pecados capitais

3.O neurocientista japonês Hidehiko Takahashi, do Instituto Nacional de Ciência Radiológica, Tóquio, descobriu onde se situam, no cérebro, os neurónios associados à inveja: na região do córtex anterior. Curiosamente, o mesmo local onde se processa a dor física.

4. Os psicanalistas distinguem dois tipos de inveja - construtiva e destrutiva - e dentro da destrutiva dois subtipos: depressiva e hostil.

5.Entre sites e blogs sobre o tema, gostámos especialmente da Inveja do Biquíni, da Catalina, "o alter ego de uma menina muito comilona" conta a sua "saga rumo a um bikini bem pequenininho que me assombra há muito tempo".

6. A revista brasileira "Isto é" perguntou em edição recente "porque há pessoas muito invejosas e outras que passam a vida quase sem sentir essa emoção?". A psicóloga Sueli Damergian, da Universidade de São Paulo (USP), respondeu:"A inveja é sempre fruto da admiração. Se ela ficar restrita a isso, pode funcionar como impulso para o desenvolvimento. Mas "se o impulso destrutivo for muito forte, o invejoso passa a viver a vida do outro e isso pode ser danoso tanto para ele quanto para o invejado".

7. Foi estudada pela psicanalista austríaca Melanie Klein (1882 - 1960) , que no livro "Inveja e Gratidão" conta a história de um homem que invejava profundamente o seu vizinho. Um dia encontrou uma fada que lhe deu a oportunidade de pedir um desejo. Havia apenas um pequeno senão: o desejo também seria concedido ao invejado vizinho, e em dobro. O invejoso não hesitou: pediu à fada que lhe arrancasse um olho...


in Revista Nós Invejosos, nº 21

segunda-feira, setembro 21

A crise dos falhanços espectaculares

Houve um tempo em que, nos amores e nas paixões, se falhava de forma espectacular. Com baba e ranho. Dava-se tudo. Saíamos rasgados de pele e coração. Valia sempre a pena, mesmo quando perdíamos o chão.

Os erros, as faltas, as vertigens, o pé à beira do abismo existiam para nos lembrarmos de que somos humanos. A regra era cair e levantar, prontos para outra depois de lutos intensos, sofridos, partilhados. Agora tudo isso existe sob a forma de prevenção. Para nos lembrarmos do que não devemos fazer, dos riscos que não devemos correr, contra o vírus da solidão.

Fomos ficando higienizados. Da alma à cama. Uma espécie de “se conduzir, não beba” para evitar os males do coração. Como se pudéssemos dizer “se amar, não se magoe”.

Com o passar dos anos, aprendemos a contornar os sintomas a bem da decência, da pose e da anestesia geral ou local, conforme as necessidades. O importante é não dar parte de fracos.
O ciúme é uma coisa moderna, para ser compreendida. A discussão acalorada está fora de moda.
A vingança é um prato que não se serve frio nem quente nas relações mais conceituadas. É coisa do povo, ementa de vidas de tasco, entre um tiro de caçadeira e um facalhão de meter respeito.

O civismo entrou definitivamente na nossa intimidade para amansar os corpos, os gestos, as palavras. A postura é um fato de pronto-a-vestir que usamos para entrar e sair das relações. Talvez até já nem se rasguem roupas quando chega a hora. O sentimento não ferve, a aprendizagem das loucuras que fizemos é renegada e a história do que fomos não tem disco duro porque a caixa de mensagens é mais prática e descartável. De resto, já não há cartas para guardar porque ninguém as escreve. Quem as leria, de resto, se tivessem mais de 140 caracteres?

Como num poema do Eugénio, já não há nada que nos peça água. E estamos como ela: insípidos, inodoros e incolores. Leves. Capazes de ir do tudo ou nada sem efusão de sangue. Deve andar a escapar-nos o momento em que deixamos de olhar a vida nos olhos e a desregrada infinidade de coisas que vinha junto com ela.

Miguel Carvalho in Revista Egoísta
imagem: Google

domingo, setembro 20

fidelidades [ou nem por isso]

«E da minha fidelidade não se deveria duvidar; pois, tendo-a sempre observado, não devo aprender a rompê-la agora; e quem foi fiel e bom por quarenta e três anos, como eu, não deve poder mudar de natureza: da minha fidelidade e da minha bondade é testemunha a minha pobreza»


Maquiavel (1469 - 1527) numa carta a F. Vettori


«Um senhor prudente não pode nem deve cumprir a palavra dada, quando tal observância lhe for prejudicial e quando as razões que levaram à sua promessa deixarem de existir. E se os homens fossem todos bons tal preceito não valeria: mas como são pérfidos e não cumprem a palavra contigo, tu também não és obrigado a cumprir a palavra com eles»


Maquiavel in O Príncipe


Conclusão: faz o que digo, não faças o que eu faço. Ou o contrário. A escolha é sua.


in Nós fiéis, nº20, revista do I.

Editorial da revista aqui
imagem: Google

ter a EGOÍSTA ajuda a AMI


digo ter, no sentido de a comprar. à revista. porque ao comprá-la estará a ajudar a AMI. e claro, como habitual, a ter acesso a conteúdos interessantes de muitos pontos de vista. esta edição é dedicada à CRISE. mas, garanto-vos, nenhum dos autores sofreu uma crise de inspiração. muito pelo contrário. a crise deu a alguns, momentos brilhantes.
Crise de Bolso, cabe mesmo num bolso. o que a torna ainda mais apetecível. digo eu.

para além dos parágrafos citados, pode, ainda, ler textos de Mário Santos, Muhammad Yunus, Carla Mendes, Nuno Artur Silva e Miguel Carvalho. a edição, como habitual, é da Patrícia Reis.



«(...) No curto prazo, é essencial estabilizar e restaurar a confiança no sector financeiro, de preferência no contexto de uma maior cooperação no espaço da União Europeia e da zona euro. Mas é essencial que este processo seja acompanhado pela defesa do emprego e por uma resposta pronta e eficaz aos problemas da natureza social».

Aníbal Cavaco Silva


«(...) Nas origens do termo "crise", está o sentido de mudança ou transição. O que exige alteração de rotinas e certezas. Adaptação e flexibilidade. Meios e confiança. Segurança e energia. Não há mudança sem aflição. Perdem-se raízes, não se encontram os caminhos. Mesmo quando é para melhor, a mudança é sempre exigente (...) »

António Barreto


«Afinal, o drama desta Crise (ainda em curso), ao fim de um ano de pânico e, sobretudo, de justificada preocupação pelos seus efeitos em matéria de desemprego universal, foi ou é uma espécie de "comédia" de um género novo: uma colossal sopa aos ricos com a China no papel de Coluche. Quem diria que o país para quem há uns setenta anos o Ocidente se mobilizava para dar a cada chinês uma "malga de arroz" estaria um dia em condições de socorrer os Mandarins da História(...) »

Eduardo Lourenço


«Por isso a partir de agora, devemos estender a todo o Portugal o que uma agência de publicidade decidiu fazer: eliminar a palavra maldita. Nunca se referir à coisa. Nunca lhe dizer o nome. Olhar sempre para o futuro que, como é óbvio, há de ser bem melhor que o presente. Não é, claro, que não estejamos já muito bem no presente. Mas no futuro é que vai ser. Vamos estar muitíssimo melhor: uma espécie de Suécia sem suecas mas com muito mais calor (...)».

Nicolau Santos


Excertos de textos publicados na revista EGOÍSTA - Crise de Bolso
Ao comprar esta edição da revista está a ajudar a AMI

sexta-feira, setembro 11

Debates para esquecer o eleitorado

*Não, não me importo, João Fazenda.

sexta-feira, setembro 4

Camilo réu no Porto - Histórias na minha cidade




Entre os artigos da revista CAIS do mês de Agosto, encontra-se este intitulado «O processo-crime contra Camilo Castelo Branco» de que gostei especialmente e, por isso, partilho-o. E também porque gosto de ler Camilo Castelo Branco e, ainda, porque gostei de ler o que Ana Plácido escreveu: Luz Coada por Ferros.


[...]


Camilo réu no Porto

Como muitos saberão, em meados do sec. XIX, o grande Camilo Castelo Branco andou a contas com a justiça - ou com a sua mana gémea que é a injustiça - e foi réu em processo que correu no Porto, primeiro no Tribunal Criminal e depois no Tribunal da Relação, tendo mesmo chegado ao Supremo. O que é menos sabido é que Camilo esteve em prisão preventiva um ano e dezasseis dias. A certa altura da detenção parece que terá desabafado com o Zé do Telhado os seus receios de que um determinado personagem, movido pelo ódio, fizesse a um qualquer meliante dentro da Cadeia a encomenda de o matar. O Zé do Telhado ter-lhe-á garantido que estivesse descansado, "pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos". Acabaram representados pelo mesmo advogado, a quem Camilo, quiça por gratidão, terá convencido a defender o "romântico"bandido.

O processo de querela tinha nascido por queixa de Manuel Pinheiro Alves, casado com Ana Augusta Plácido, que os acusava de relações adúlteras. E, pormenor também pouco sabido e interessante curiosidade, quem deu despacho de pronúncia à queixa foi José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, pai de Eça de Queirós, juiz daquele Tribunal Criminal, que ficava ali na Praça D. Filipa de Lencastre, na esquina com a Rua da Picaria.

Adultério com Ana Plácido

O juiz Teixeira de Queirós apenas pronunciou Ana Plácido, por adultério. Porém, a Relação alterou a decisão e veio a pronunciar os dois: ela por adultério e ele por ter copulado com mulher casada, "diferença" de nomes que todavia não havia de fazer diferença performativa. Claro que nestas coisas de adultério são precisos pelo menos dois. No entanto, naqueles tempos de muita treta e pouca igualdade, para a injustiça que tínhamos, propriamente só o adultério da mulher era punível. Quanto ao homem copulante com a adúltera, a punição só era possível em caso de flagrante delito (sós e nus na mesma cama) ou de "prova escrita", ou seja, existência de cartas ou outro documento escrito. E os "requisitos" não se verificavam no caso. Melhor dizendo: apenas existia uma carta dirigida a um tio (informador de Pinheiro Alves da infidelidade da mulher) de Ana, mas em que não era mencionado o nome desta.

Cadeia da Relação

Foi na sequência da pronúncia que Ana Plácido e depois Camilo ficaram em prisão preventiva na chamada "Cadeia da Relação". E era aquele tio que Camilo receava que aí o mandasse matar.

Teve o processo inúmeros incidentes e recursos. No "julgamento" da rua e no do tribunal, o processo era vivido em ambiente de emoção e escândalo. Como escreveu o distinto Magistrado cujo texto aqui seguimos servilmente, "estava ao rubro a curiosidade das provectas virgens, das matronas desocupadas e dos conquistadores frustrados, além dos seráficos moralistas de fachada".

A Relação tinha invertido a decisão do juiz Queirós por fundamentos da comum sensatez de tais tempos, isto é,argumentando que "seria um contra-senso inqualificavel que esse homem - que a teve teúda e manteúda já nesta cidade na Rua da Picaria, já em Lisboa e na Foz;que a foi tirar ao Convento da Conceição em Braga aonde se achava, para assim continuar com ela uma vida de escândalo e imoralidade que afecta a sociedade em geral - ficasse impune". Ocorreu porém, a final, que o tribunal de júri não achou bem que se passasse o que se passava e deu volta à questão de forma expedita, tranquilamente julgando não provados quesitos fundamentais provenientes da querela.

A sentença foi proferida em 17 de Outubro de 1861. Não se sabe ao certo o que ela dizia: os autos ainda hoje se encontram no Tribunal da Relação do Porto, mas a sentença levou sumiço, desconheço de que modo.

O que se sabe é que Camilo e Ana Plácido saíram absolvidos e soltos e viveram juntos a sua vida. Bem infeliz e cheia de fins trágicos, em S. Miguel de Seide.

Alberto Jorge Silva in Revista Cais, Agosto de 2009


sexta-feira, agosto 28

Saia um filme, sff


Já tenho aqui ao lado a Visão desta semana mas ainda vou falar da outra. A que saiu a semana passada. [É que não há forma de a dona deste blog me contratar definitivamente...] Os segredos do Barro Branco, uma reportagem do Miguel Carvalho. E que reportagem! Excelente. Com muita investigação, claro. Lê-se e, depois, apetece mesmo o filme. Tem os ingredientes todos! Todinhos. Nem sequer faltam dicas para o guarda-roupa da época. Nada. Nada. Tá lá tudo. Só falta mesmo quem faça sair o filme. Que a partir da reportagem, escreve-se o guião. Oram leiam, se ainda não leram. Alguns excertos e, creio eu, não restam dúvidas.


«Joaquim Ferreira Torres, industrial e financiador da rede bombista de extrema-direita, foi assassinado a 21 de Agosto de 1979. A morte serviu conveniências privadas e políticas. Mentores e autores não foram descobertos. O crime prescreveu. Trinta anos depois, a VISÃO traz a público novos dados e documentos.

Esta é a história de um homem controverso, de fortuna suspeita, que tentou cair nas graças do fascismo, deu dinheiro à oposição democrática, tirou comunistas da cadeia e ajudou “pides” e empresários a fugir. Um dia, ameaçou “abrir o saco” e calaram-no. A tiro. Por Miguel Carvalho Naquela manhã, Joaquim Ferreira Torres levantou-se mais tarde do que o habitual. Normalmente, estaria a pé às seis horas. Mas o jantar terminara para lá da meia-noite e ele havia passado a madrugada com dores na coluna. Estava, contudo, bem-disposto ao pequeno-almoço. Era Verão e a família mudara da vivenda das Antas, no Porto, para a sua Quinta de Vila Nova, em Penafiel. A mulher, Elisa, ia para as termas de São Vicente, ali perto. O marido continuava a fazer o percurso diário entre a casa e a fábrica têxtil de que era proprietário, em Famalicão, ignorando o significado da palavra férias.Apesar de discreto e reservado, regressara uma das últimas noites carregando uma mala com mil contos, fruto de um negócio com ciganos. Atarefado, nem deu importância ao facto de naquele período alguém lhe rondar a quinta, questionando os caseiros sobre as suas rotinas. Estranhara apenas as avarias no telefone, quase sempre ao final da tarde. O aparelho parecia ter vontade própria e os técnicos tardavam em descobrir o defeito.Tal não o impediu de marcar o referido jantar. Encomendara uns melões no restaurante Tanoeiro, em Famalicão, onde almoçava amiúde. O tenente-coronel Oliveira Marques e a esposa eram esperados à noite, vindos de Lisboa. Torres juntou à mesa a mulher, o “Quinzinho” - sobrinho que criou como verdadeiro filho desde os onze meses após a morte de um irmão - a irmã Sãozinha e o cunhado Mota Freitas, major da PSP, entre outros familiares. Antes e depois da refeição, os homens reuniram no escritório. Oliveira Marques foi embora já passava da meia-noite. Quando acordou, mal dormido, Torres vestiu uma camisa, casaco e calças claras, tipo caqui. Apertou o cinto de cabedal vermelho e calçou uns sapatos castanho claros picotados, de pala. No pulso, um Ómega de ouro. Num dedo, o anel, também em ouro, com brilhante de sete quilates. Guardou a carteira com umas dezenas de contos e numa pequena pasta preta colocou vários documentos, cerca de 42 mil pesetas e duzentos marcos. No casaco, levava a inseparável caneta em ouro e a agenda, recheada de contactos. Na lista, nomes de homens de negócios, policias e militares de várias patentes, velhos conhecidos do antigo regime, cónegos, políticos e cadastrados. O industrial fez-se à estrada no seu Porsche vermelho 911 T, por volta das oito horas. Em Paredes, comprou os três matutinos do Porto e seguiu viagem. Três quilómetros à frente, na estrada nacional que liga Paredes a Paços de Ferreira, talvez vendo um rosto familiar, abrandou. Numa emboscada de execução tipicamente militar, desconhecidos, munidos de armas pouco habituais no País, disparam contra ele vários tiros, atingindo-o sobretudo no crânio. Torres tombou, morto, para o lado direito do condutor. Passavam quinze minutos das oito horas do dia 21 de Agosto de 1979. O Porsche contava mais de 77 mil quilómetros. Duas jovens iam comprar vinho quando deram o alerta. Joaquim Ferreira Torres tinha 54 anos, negócios menos claros, fortuna invejável e ligações íntimas a meios políticos, económicos e militares. Aguardava, em liberdade condicional, a repetição do julgamento da rede bombista de extrema-direita. Garantira que “abriria o saco” sobre os segredos e cumplicidades desse tempo. A morte ficou conhecida como “o crime do Barro Branco”, lugar onde o calaram para sempre.


A ascensão, “à americana”


Até ali, ele tinha granjeando fama e fortuna vindo do nada e do esquecimento, ao estilo do mito americano. Nascera no simbólico 13 de Maio, em 1925, em Rebordelo, Amarante, um de 17 irmãos. Fez o ensino básico e vendeu carvão em Vila Pouca de Aguiar, onde o pai trabalhou nas minas. Também passou madeiras para Espanha, clandestino. Foi marçano numa loja de mercearias finas e, no final dos anos 40, já andava por terras transmontanas, de bicicleta ou motorizada, como comissionista e vendedor de rifas, ganhando bom dinheiro com sorteios de chocolates e navalhas.Em Murça, conhece Elisa, da aldeia de Noura, com quem haveria de casar. A rapariga trabalhara numa padaria e era governanta. “Uma lasca de mulher, muito cobiçada”, diz quem a conheceu. Namoram pelos quintais. E ela é sua cúmplice nas fugas à polícia que metiam saltos pelos telhados e esconderijos em tonéis de vinho. Os mandados de captura contra ele sucediam-se. E do tribunal de Chaves desapareceria, mais tarde, o seu registo criminal, que incluiria um historial considerável de abusos de confiança.Nos anos 60, já negociante de vinhos em Rio Tinto, Torres abre em Angola armazéns “com tudo do bom e do melhor para comer e beber”, segundo um antigo inspector da PIDE. As relações e os negócios fluem. A partir de 1964, Sousa Machado, empresário, recorre a ele para fazer face a problemas económicos na Companhia Mineira do Lobito e nos hotéis Presidente e Panorama, em Luanda. Ao longo de anos, pedirá montantes da ordem dos 200 mil contos, empréstimos cuja totalidade não liquidará até à morte do amigo. O filão, porém, é o tráfico de diamantes e divisas. Torres conhece Tschombé que, com ajuda da CIA e de diversos mercenários, tenta a secessão da província diamantífera do Katanga, no Congo. Quando o líder africano cai em desgraça, Salazar – que lhe cedera armas – dá refúgio aos familiares. Mas será o homem de negócios de Amarante a velar pelos interesses dos herdeiros de Tschombé. E pelos seus, claro.Torres regressara com uma fortuna incalculável.Deposita lingotes de ouro na banca e dedica-se à especulação bolsista, mantendo laços com amigos de África. Os bancos disputam-no e negoceia, fazendo-se caro. “Já ganhei mais mil contos!”, ouviam-no, ao telefone, com gestores e administradores. Entre outros investimentos, compra terrenos, uma tipografia, uma casa de câmbios e chegará a ser dono de 27 quintas no Norte do País. Passeia-se num Jaguar 4.2, anda de Porsche e num Mercedes amarelo 350 SLC, desportivo. É amigo do banqueiro Pinto de Magalhães e do empresário Xavier de Lima, quase dono de Setúbal, a quem ajudaria a recuperar a fortuna. É avalista de negócios no turismo e outras áreas. Credor dele, Sousa Machado abre-lhe portas nos meios políticos e militares. Hábil e desconfiado, anota tudo. Dos 110 contos que gasta nuns botões de punho a uma pulseira para a mulher no valor de 90 contos. O círculo íntimo sabe apenas o estritamente necessário. É de fúrias e impõe rotinas de forma quase militar, sem transigências. Rigoroso, manda repetir textos à máquina por causa de vírgulas. Na ascensão meteórica, cultiva gostos a preceito. Os fatos e sapatos são feitos às dúzias, por medida, nas melhores lojas de Santa Catarina, no Porto. De Londres, traz tecidos, sem falar mais do que o português. Em casa, cultiva uma decoração imponente e aparatosa, com móveis franceses, que convidados classificam como “neo-barroco da burguesia”. Os jantares são opíparos e a garrafeira não destoa. Comprara mais de cem garrafas de Barca Velha, ao preço de muitos ordenados da época. Preferia colheitas de 64 e 65. Ou um Faustino I, Rioja, de 66. Se acompanhassem uma perdiz cozinhada pela mulher, tanto melhor.Conquistado o estatuto financeiro, ao ritmo de “pronto-a-vestir”, Torres procura a legitimação social que lhe faltava. Os seus ciúmes tinham um nome: Gonçalves de Abreu, comendador, dono de um império industrial, figura prestigiada, presidente da Câmara de Amarante. A autarquia e uma comenda eram o seu sonho. Ele esmera-se. Em finais dos anos 60, compra a fábrica têxtil Silma, em Famalicão à família do destacado anti-fascista e comunista Lino Lima. Por mais de uma vez fará uso dos seus contactos para tirar o advogado dos calabouços da PIDE. Na Silma, onde a sirene marcava os ritmos das gentes de Brufe e Calendário, Mário Sousa, Maria de Sousa e Maria da Glória somaram 66 anos de trabalho. “O senhor Torres foi um bom patrão. Tinha as suas manias, mas pagou sempre os ordenados, mesmo quando esteve preso e fugido”, contam. A sindicalista Ondina Coutinho travou com ele braços-de-ferro, a doer. “Nada era dado sem luta. Mas tivemos condições de fazer inveja na região”.
[...]
Colecciona medalhas de benemérito e benfeitor. Mas antes de tudo isso, já tinha um convite irrecusável… A comenda que não veioTorres é nomeado para presidir à Câmara de Murça em 1971. Influências de um amigo salsicheiro a quem emprestara dinheiro. As verbas que faltavam ao município e que o Estado, somítico, não libertava, tinha-as ele. A terra dá um salto, ganha urbanidade. Oferece a cada morador um balde de plástico para o lixo que uma viatura camarária recolhe diariamente. Na rua, homem cénico que era, gesticula e dá ordens. “Exercia o mando, tinha dinâmica e visão”, assinala José Gomes, antigo presidente da autarquia. Manda electrificar aldeias, abrir caminhos, construir estradas. Aparece de surpresa nas freguesias e, “quando a verba se encontra esgotada, abre a bolsa e resolve os problemas”, contava o seu vice-presidente.
Deu vida a lugares isolados, escolas. “Foi um santo homem. Quem não é agradecido é melhor não andar neste mundo”, rende-se o lojista Alfredo Meireles. Adianta dinheiro que o Estado lhe pagará depois, aos bochechos. Cria uma extensão da sua fábrica têxtil, dá terrenos pessoais para a construção de casas e inaugura uma piscina de fazer inveja na região. “Com ele, Murça seria a Suíça de Trás-os-Montes”, crê José Gomes. [...]»

E é assim, até ao fim. De ler e pedir aos realizadores portugueses: saia um filme, sff!
imagem : google


terça-feira, agosto 25

De novo o sol, das novas tecnologias



Isabel Coutinho, jornalista do Público e autora do blog Ciberescritas esteve sete dias desligada. Das novas tecnologias, entenda-se. A sua vida longe dos telemóveis, dos computadores e das outras "ferramentas" facilitadoras da comunicação instantânea [assim como a mousse alsa, só que em vez de água, basta carregar numa tecla e já está...] é-nos contada pela própria na Pública do passado fim-de-semana.

Gostei especialmente do relato do dia 8 de Agosto. Sem recurso à Net Isabel Coutinho teve de escrever um obituário. O de Raul Solnado. E não tem acesso a telexes, nem à Net, nem à sua agenda telefónica electrónica. Só tem um computador que usa como uma máquina de escrever e uma pen! Pede ajuda a uma colega e, entretanto, procura fontes, documentos.
«Enfio-me no Centro de Documentação à procura da pasta com os recortes dos jornais dedicados a Raul Solnado, organizada ao longo dos anos. Encontro-a. Uff! Depois, vou à procura das revistas Pública encadernadas. Está lá a entrevista que Duarte Mexia fez ao actor em 2002. Volto à minha secretária. (...) Mergulho nos imensos papéis para escrever cinco momentos importantes na carreira de Solnado. Agradeço várias vezes em pensamento a quem durante anos fotocopiou e organizou aquela pasta onde está contida uma vida inteira. (...)»
Sim. Este trecho tocou-me. Os arquivos de papel. Os recortes. Que tantas vezes vi fazer. Num outro jornal. No DN. E achei muito nobre a Isabel Coutinho agradecer, em pensamento, a quem os fez. E fiquei a pensar: será que nesse arquivo "arcaico" haveria alguma coisa que não se encontre na Net? Enfim...gostei de ler. Gostei do relato dessa experiência que, afinal, não deixa ainda de ser o quotidiano de muitas pessoas. Sim, porque o relato do inverso, também seria interessante...
imagem: Tonho Oliveira