«Lembro-me dos sons da liberdade chegarem de noite, pela calada, arranhados como uma canção usada. A verdade, naqueles anos, tinha um preço alto e era uma palavra que entrava em casa através de vozes raras e roufenhas. Pousávamos uma cafeteira em cima do rádio velho, a fazer de antena, e sintonizávamos o Portugal livre, que existiria longe da vista, mas nunca longe demais para os nossos sonhos.
Tinha 19 anos e era muito bonita, sabes?
Não punha pé na rua sem as sobrancelhas arranjadas com minúcia e um par de horas diante do espelho. Com a idade e os avessos da vida, a gente habitua-se ao desuso do corpo e dos caprichos. Mas ainda hoje morro de saudades do meu corte de cabelo soixante-huitard, falsamente despreocupado, do meu vestidinho de manga curta e saia acima do joelho, com pequenos e rebeldes quadrados coloridos a cinza e preto, e o sapatinho branco de fivela, de fino e curto tacão. Nos meses frios, não largava a boina – já devia ser tique revolucionário – e o meu amado casaco de gomos, que usava com calça branca. Havia ali um ar vagamente queque, é verdade. E sim, os rapazes rondavam-me, mas eu sempre à míngua de tempo para eles, exceptuando um outro «namorico», de amar e largar.
1 Comment:
Marta que bom compartilhar este belo texto e a revista (que ainda não vi nas bancas).
Aproveito para a convidar a visitar a minha nova morada,
um xi.
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