terça-feira, abril 17

Sólo el libro es una extensión...


De los diversos instrumentos inventados por el hombre, el más asombroso es el libro; todos los demás son extensiones de su cuerpo… Sólo el libro es una extensión de la imaginación y la memoria.


Jorge Luis Borges

terça-feira, novembro 15

História dos dois que sonharam


O historiador árabe El Ixaqui narra este acontecimento:

Contam os homens dignos de fé (porém somente Alá é omnisciente e poderoso e misericordioso e não dorme) que existiu no Cairo um homem possuidor de riquezas, porém tão magnífico e liberal que perdeu-as todas, menos a casa de seu pai. Diante disso, viu-se forçado a trabalhar para ganhar seu pão.Trabalhou tanto que o sono venceu-o uma noite sob uma figueira de seu jardim, ele viu no sonho um homem empanturrado que tirou da boca uma moeda de ouro e lhe disse: "Tua fortuna está na Pérsia, em Ispahan, vai buscá-la". Na madrugada seguinte acordou e empreendeu a longa viagem, afrontando os perigos dos desertos, dos navios, dos piratas,dos idolatras, dos rios, das feras e dos homens.Chegou finalmente a Ispahan, e no centro da cidade, pátio de uma mesquita, deitou-se para dormir. Junto à mesquita havia uma casa,e, por vontade de Deus Todo-Poderoso, um bando de ladrões atravessou a mesquita,e meteu-se na casa, e as pessoas que ali dormiam, desesperando com o barulho, pediram socorro.

Os vizinhos também gritaram, até que o capitão dos guardas-nocturnos daquele distrito acudiu com seus homens e os bandoleiros fugiram pelo terraço.O capitão quis revistar a mesquita e lá deram com o homem do Cairo; açoitaram-no de tal maneira com varas de bambu que ele quase morreu. Dois dias depois recobrou os sentidos na cadeia. O capitão mandou buscá-lo e disse: "Quem és tu e qual tua pátria?
"O outro declarou: "Sou da famosa cidade do Cairo e meu nome é Mohamed el Magrebi".
O capitão perguntou-lhe: "O que o trouxe à Pérsia?" O outro optou pela verdade e disse: "Um homem ordenou-me,em sonho,que eu viesse a Ispahan porque aí estava a minha fortuna. Já estou em Ispahan e vejo que essa fortuna que me prometeu devem ser as vergastadas que tão generosamente me deste".

Diante de tais palavras o capitão riu tanto que se viam seus dentes do siso e, finalmente, lhe disse: Homem desajuizado e crédulo, eu já sonhei três vezes com uma casa no Cairo no fundo da qual há um jardim, e nesse jardim um relógio de sol, e depois do relógio uma figueira, e logo depois da figueira, uma fonte e sob a fonte um tesouro. Não dei o menor crédito a essa mentira e tu, produto de uma mula com um demônio, não obstante vens errando de cidade em cidade baseado unicamente na fé de teu sonho. Que eu não volte a ver-te em Ispahan.Toma estas moedas e desaparece.

O homem pegou as moedas e regressou a sua pátria. Sob a fonte do seu jardim (que era a mesma do sonho do capitão ) desenterrou o tesouro. Assim Deus lhe deu a bênção, recompensou-o e enalteceu-o.
Deus é o Generoso,o Oculto.

Jorge Luis Borgesin Livro das Mil e Uma Noites

domingo, setembro 18

Los justos



Un hombre que cultiva su jardín, como quería Voltaire.

El que agradece que en la tierra haya música.

El que descubre con placer una etimología.

Dos empleados que en un café del Sur juegan un silencioso ajedrez.

El ceramista que premedita un color y una forma.

... El tipógrafo que compone bien esta página, que tal vez no le agrada.

Una mujer y un hombre que leen los tercetos finales de cierto canto.

El que acaricia a un animal dormido.

El que justifica o quiere justificar un mal que le han hecho.

El que agradece que en la tierra haya Stevenson.

El que prefiere que los otros tengan razón.

Esas personas, que se ignoran, están salvando el mundo.

Jorge Luis Borges

quarta-feira, agosto 24

Limites



Há uma linha de Verlaine que tornarei a recordar,



Há uma rua próxima que está vedada a meus passos,



Há um espelho que me viu pela última vez,



Há uma porta que fechei até o fim do mundo.



Entre os livros da minha biblioteca (estou a vê-los)



Há algum que nunca mais abrirei.



Este ano completarei cinquenta anos;



A morte me desgasta, incessante.



Jorge Luis Borges

...nasceu a 24 de Agosto de 1899...
imagem: Sara Facio [Jorge Luis Borges na sua biblioteca]

sábado, maio 14

Uma oração


Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.


Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

Jorge Luis Borges


domingo, março 27

Poema de los dones/Poema dos dons



Nadie rebaje a lágrima o reproche
esta declaración de la maestría
de Dios, que con magnífica ironía
me dio a la vez los libros y la noche.


De esta ciudad de libros hizo dueños
a unos ojos sin luz, que sólo pueden
leer en las bibliotecas de los sueños
los insensatos párrafos que ceden


las albas a su afán. En vano el día
les prodiga sus libros infinitos,
arduos como los arduos manuscritos
que perecieron en Alejandría.

De hambre y de sed (narra una historia griega)
muere un rey entre fuentes y jardines;
yo fatigo sin rumbo los confines
de esta alta y honda biblioteca ciega.

Enciclopedias, atlas, el Oriente
y el Occidente, siglos, dinastías,
símbolos, cosmos y cosmogonías
brindan los muros, pero inútilmente.

Lento en mi sombra, la penumbra hueca
exploro con el báculo indeciso,
yo, que me figuraba el Paraíso
bajo la especie de una biblioteca.

Algo, que ciertamente no se nombra
con la palabra azar, rige estas cosas;
otro ya recibió en otras borrosas
tardes los muchos libros y la sombra.

Al errar por las lentas galerías
suelo sentir con vago horror sagrado
que soy el otro, el muerto, que habrá dado
los mismos pasos en los mismos días.

¿Cuál de los dos escribe este poema
de un yo plural y de una sola sombra?
¿Qué importa la palabra que me nombra
si es indiviso y uno el anatema?

Groussac o Borges, miro este querido
mundo que se deforma y que se apaga
en una pálida ceniza vaga
que se parece al sueño y al olvido.

Jorge Luis Borges


imagem: Sonja Valentina


terça-feira, novembro 30

Com lento amor...

Com lento amor olhava os dispersos
Tons da tarde. A ela comprazia
Perder-se na complexa melodia
Ou na curiosa vida dos versos.
Não o rubro elemental mas os cinzentos
Fiaram seu destino delicado,
Feito a discriminar e exercitado
Na vacilação e nos matizes.
Sem se atrever a andar neste perplexo
Labirinto, olhava lá de fora
As formas, o tumulto e a carreira,
Como aquela outra dama do espelho.
Deuses que habitam para lá do rogo
Abandonaram-na a esse tigre, o Fogo.

Jorge Luís Borges

imagem: Francesca Woodman

domingo, setembro 12

Um homem ético


No centro de todos os olhares que confluem sobre Borges está a figura do notável e ponderado escritor. No entanto – e sem querer entrar com isto nesse requentado jogo do “duplo”, sobre o qual tanto se tem escrito – há outro Borges. Há um Borges que durante mais de oitenta e seis anos percorreu os corredores da vida social sem que ninguém tenha podido injuriar as suas atitudes.
Borges viveu a sua longa vida no quadro de uma constante austeridade. Habitou sempre em casas de classe média e, nos últimos quarenta anos - cerca de metade da sua vida – conviveu com a mãe no modesto apartamento de três divisões da Rua Maipú 994. Os Borges não eram uma família rica, embora nunca tivesses passado necessidades. Não eram latifundiários nem fazendeiros e não viviam de grandes rendimentos. Georgie começou a trabalhar de modo regular depois da sua segunda viagem à Europa, em 1927, quando foi admitido no diário La Prensa, e entregou-se depois, para ganhar a vida, a uma grande quantidade de tarefas, sempre ligadas à actividade literária. Foi secretário de redacção das revistas Obra e Anales de Buenos Aires, entre outras, trabalhou na Biblioteca Municipal Miguel Cané durante mais de sete anos, deu lições e conferências, foi professor na Universidade e escreveu uma infinidade de prólogos e textos com fins comerciais. São exemplos disso o trabalho que redigiu com Bioy Casares para a promoção do leite coalhado de La Martona ou o folheto que preparou para a companhia Varig a fim de salientar as virtudes turísticas do seu país.
Em matéria de alimentação, era sumamente austero: preferia um bom prato de arroz com queijo e prescindia, em geral, de bebidas alcoólicas. Quando bebia, nunca ia além de um copo de vinho. Gostava imenso de queijos. Quanto ao vestuário, era sóbrio e clássico; costumava usar fato e gravata e evitava as corres berrantes. Não teve automóvel e servia-se dos transportes públicos: o carro eléctrico, o metropolitano ou o autocarro. Também viajava, com frequência, de taxi. Durante os dezassete anos em que foi director da Biblioteca Nacional – nessa época, na Rua México – ia a pé para o local de trabalho, quer à ida, quer à volta, e nas viagens ao interir do país optava pelo comboio.
Nos seus últimos anos, quando era solicitado para uma infinidade de actividades e os seus rendimentos eram já importantes, confiou a gestão do seu dinheiro a terceiras pessoas e nunca soube, ao certo,quanto possuía. Em todos os momentos os seus interesses passaram sempre por questões literárias.
Alejandro Vaccaro in Fotobiografia de Jorge Luís Borges, pag. 170, Teorema

sábado, setembro 11

Sintó


Quando nos aniquila o infortúnio

o que nos salva por um segundo

são as infímas aventuras

da atenção ou da memória:

o sabor de um fruto, o sabor da água,

esse rosto que um sonho nos devolve,

os primeiros jasmins de Novembro,

o anseio infinito da bússola,

um livro que julgávamos perdido,

o pulsar de um hexâmetro,

a breve chave que nos abre uma casa,

o cheiro de uma biblioteca ou do sândalo,

o nome antigo de uma rua,

as cores de um mapa,

uma etimologia imprevista,

a lisura da unha limada,

a data que prócuravamos,

contar as doze badaladas obscuras,

uma brusca dor física.


Oito milhões são as divindades do sintó

viajando pela terra, secretas.

Esses modestos númenos tocam-nos,

tocam-nos e deixam-nos.

Jorge Luís Borges in Obras Completas, Editorial Teorema, 1989

domingo, agosto 30

Elegia da lembrança impossível


O que não daria eu pela memória

De uma rua de terra com baixos taipais

E de um alto ginete enchendo a alba

(Com o poncho grande e coçado)

Num dos dias da planície,

Num dia sem data.

O que não daria eu pela memória

Da minha mãe a olhar a manhã

Na fazenda de Santa Irene,

Sem saber que o seu nome ia ser Borges.

O que não daria eu pela memória

De ter lutado em Cepeda

E de ter visto Estanislau del Campo

Saudando a primeira bala

Com a alegria da coragem.

O que não daria eu pela memória

Dos barcos de Hengisto,

Zarpando do areal da Dinamarca

Para devastar uma ilha

Que ainda não era a Inglaterra.

O que não daria eu pela memória

(Tive-a e já a perdi)

De uma tela de ouro de Turner

Tão vasta como a música.

O que não daria eu pela memória

De ter sido um ouvinte daquele Sócrates

Que, na tarde da cicuta,

Examinou serenamente o problema

Da imortalidade,

Alternando os mitos e as razões

Enquanto a morte azul ia subindo

Dos seus pés já tão frios.

O que não daria eu pela memória

De que tu me dissesses que me amavas

E de não ter dormido até à aurora,

Dissoluto e feliz.


Jorge Luis Borges in Obras Completas, pag. 127, Teorema, 1989
imagem: Leila Pugnaloni

quinta-feira, agosto 27

Fotobiografia


[Ando mais feliz do que um sino a ler esta fotobiografia de Jorge Luís Borges! Ofereceram-ma há dias e já vai no fim. Ai Argentina, Argentina se me apanho lá! Com o meu roteiro pessoal, revisto e aumentado...Chega Janeiro, a ver se é verdade!]


«Admirado no mundo inteiro, Jorge Luis Borges é, sem sombra de dúvida, um clássico da literatura do Século XX. Os seus textos influenciaram autores das mais diversas culturas; o idioma castelhano não é o mesmo depois da escrita dos seus contos, ensaios e poemas. Esta completa e compacta biografia é um percurso exaustivo pela vida e obra do autor de Ficções. Desde o seu nascimento até à sua morte, vemos Borges na sua intimidade e também no seu tempo: a relação que estabeleceu com os seus contemporâneos e com os seus amigos, as mulheres por quem se apaixonou, a fundamental presença da mãe, a devota leitura dos escritores que o precederam e o marcaram, a sua intervenção (tantas vezes polémica) na política, o amor inalterável pelos livros e pela leitura. Graças à inclusão de uma grande número de cartas, fotos e documentos pessoais até agora desconhecidos e à minúcia da investigação, Alejandro Vaccaro consegue esclarecer muitos acontecimentos que se conheciam pouco ou mal e oferece-nos um relato da vida de Borges que se ajusta àquela que efectivamente viveu. Este livro é uma homenagem ao universo Borges e também ao seu criador, quando se cumprem 20 anos do seu desaparecimento. Em cada uma destas páginas recuperamos os temas e os valores que o cativaram e que defendeu, o seu humor e a sua grandeza, esse espírito ímpar que faz de toda a sua obra um verdadeiro tesouro literário.»
imagem e texto daqui