No centro de todos os olhares que confluem sobre Borges está a figura do notável e ponderado escritor. No entanto – e sem querer entrar com isto nesse requentado jogo do “duplo”, sobre o qual tanto se tem escrito – há outro Borges. Há um Borges que durante mais de oitenta e seis anos percorreu os corredores da vida social sem que ninguém tenha podido injuriar as suas atitudes.
Borges viveu a sua longa vida no quadro de uma constante austeridade. Habitou sempre em casas de classe média e, nos últimos quarenta anos - cerca de metade da sua vida – conviveu com a mãe no modesto apartamento de três divisões da Rua Maipú 994. Os Borges não eram uma família rica, embora nunca tivesses passado necessidades. Não eram latifundiários nem fazendeiros e não viviam de grandes rendimentos. Georgie começou a trabalhar de modo regular depois da sua segunda viagem à Europa, em 1927, quando foi admitido no diário La Prensa, e entregou-se depois, para ganhar a vida, a uma grande quantidade de tarefas, sempre ligadas à actividade literária. Foi secretário de redacção das revistas Obra e Anales de Buenos Aires, entre outras, trabalhou na Biblioteca Municipal Miguel Cané durante mais de sete anos, deu lições e conferências, foi professor na Universidade e escreveu uma infinidade de prólogos e textos com fins comerciais. São exemplos disso o trabalho que redigiu com Bioy Casares para a promoção do leite coalhado de La Martona ou o folheto que preparou para a companhia Varig a fim de salientar as virtudes turísticas do seu país.
Em matéria de alimentação, era sumamente austero: preferia um bom prato de arroz com queijo e prescindia, em geral, de bebidas alcoólicas. Quando bebia, nunca ia além de um copo de vinho. Gostava imenso de queijos. Quanto ao vestuário, era sóbrio e clássico; costumava usar fato e gravata e evitava as corres berrantes. Não teve automóvel e servia-se dos transportes públicos: o carro eléctrico, o metropolitano ou o autocarro. Também viajava, com frequência, de taxi. Durante os dezassete anos em que foi director da Biblioteca Nacional – nessa época, na Rua México – ia a pé para o local de trabalho, quer à ida, quer à volta, e nas viagens ao interir do país optava pelo comboio.
Nos seus últimos anos, quando era solicitado para uma infinidade de actividades e os seus rendimentos eram já importantes, confiou a gestão do seu dinheiro a terceiras pessoas e nunca soube, ao certo,quanto possuía. Em todos os momentos os seus interesses passaram sempre por questões literárias.
Alejandro Vaccaro in Fotobiografia de Jorge Luís Borges, pag. 170, Teorema
domingo, setembro 12
Um homem ético
Escrito/editado por Marta 7 Terráqueos
Etiquetas: biografias, Jorge Luis Borges
quinta-feira, junho 11
Nem todas as loucas são piedosas
D. Maria I, primeira rainha reinante de Portugal
Chamaram-lhe a piedosa e a louca. Nasceu em Dezembro de 1734 e morreu com 81 anos.
«Os protagonistas da História são, invariavelmente, traços verticais sobressaindo do grande risco irregular da época em que viveram. Maria I não é excepção. Destaca-se pelo contraste que assina perante o seu próprio pai e antecessor, José, em especial por ser, enquanto governante, muito mais identificável. José viveu na sombra protectora e indutora de impunidade de um ministro, Pombal, que muitos relatos da História confundem com a magna omnipotência, sendo este o escoadouro das régias culpas.
Nesta visão, Pombal era o facínora e José era o rei nubloso que empunhava as cordas que manipulavam o títere.
Maria esteve sob o foco dos acontecimentos, enfrentou e resistiu aos ventos das mudanças, teve como inimigos a Revolução Francesa, Napoleão e os seus próprios súbditos, com a memória em sangue, esventrados pela crueldade do passado mais próximo.
Maria foi a primeira mulher a ocupar o trono português como protagonista e governante.
Muitos procuram vê-la como a figura frágil e psicótica que acabará por desembocar no terrível beco da loucura.
Esta loucura, todavia, assenta em antecedentes próprios e parece a vários títulos providencial.
Mulher sensível, Maria resistiu a muitos abalos. O que despoletaria a sua loucura? E era de facto loucura a sua enfermidade? A loucura da rainha D. Maria foi providencial? Quais são os símbolos do poder que asseguram a um estado soberano conquistar outro estado soberano e submetê-lo?
Tomar a sua capital, depois de invadir-lhe o território, e obrigar à capitulação da sua figura mais importante? Com a deslocação da capital para o Rio de Janeiro, Lisboa não ficava à mercê dos conquistadores como cidade mais importante do reino. E com uma rainha de cérebro ausente, uma aura de intangibilidade pairava sobre a coroa e a sua mais importante figura. Teria sido por isso que Maria se manteve rainha durante tantos anos e João apenas regente? Essa intangibilidade teria alguma aura de mentira? João VI instalou a sua sede de governo no Brasil na vizinhança e com passagem directa para o convento das Carmelitas - a nova residência da rainha louca. Uma louca que andava com as suas aias - Maria vai com as outras, a primeira rainha de Portugal é uma pobre louca, dizia-se - pelas ruas cariocas, sem grande aparato.
[...]
Maria viveu confortavelmente no Brasil, apesar das grandes restrições iniciais, dos limites da doença, das diferenças climatéricas - o Rio de Janeiro tinha temperaturas como as de hoje, altas em média,uma humidade tremenda, mas sobretudo, há duzentos anos, era muito mais perigoso para a saúde: epidemias, lixos,falta de higiene... - e de todas as incertezas.
Foram nove anos: a rainha morreu no dia 20 de Março, no Rio de Janeiro. Anos mais tarde, o seu corpo faria a viagem de volta, para ficar sozinho na Basílica da Estrela, à espera de uma memória como esta, que a revisite e perpetue...»
Alexandre Honrado in D. Maria I, A biografia da Rainha que teve a coragem de despedir o Marquês de Pombal, Editora Guerra e Paz, 2007
imagem daqui
Escrito/editado por Marta 7 Terráqueos
Etiquetas: Alexandre Honrado, biografias, D. Maria I, História de Portugal
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