quinta-feira, junho 11

Nem todas as loucas são piedosas

Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana
D. Maria I, primeira rainha reinante de Portugal
Chamaram-lhe a piedosa e a louca. Nasceu em Dezembro de 1734 e morreu com 81 anos.
«Os protagonistas da História são, invariavelmente, traços verticais sobressaindo do grande risco irregular da época em que viveram. Maria I não é excepção. Destaca-se pelo contraste que assina perante o seu próprio pai e antecessor, José, em especial por ser, enquanto governante, muito mais identificável. José viveu na sombra protectora e indutora de impunidade de um ministro, Pombal, que muitos relatos da História confundem com a magna omnipotência, sendo este o escoadouro das régias culpas.
Nesta visão, Pombal era o facínora e José era o rei nubloso que empunhava as cordas que manipulavam o títere.
Maria esteve sob o foco dos acontecimentos, enfrentou e resistiu aos ventos das mudanças, teve como inimigos a Revolução Francesa, Napoleão e os seus próprios súbditos, com a memória em sangue, esventrados pela crueldade do passado mais próximo.
Maria foi a primeira mulher a ocupar o trono português como protagonista e governante.
Muitos procuram vê-la como a figura frágil e psicótica que acabará por desembocar no terrível beco da loucura.
Esta loucura, todavia, assenta em antecedentes próprios e parece a vários títulos providencial.
Mulher sensível, Maria resistiu a muitos abalos. O que despoletaria a sua loucura? E era de facto loucura a sua enfermidade? A loucura da rainha D. Maria foi providencial? Quais são os símbolos do poder que asseguram a um estado soberano conquistar outro estado soberano e submetê-lo?
Tomar a sua capital, depois de invadir-lhe o território, e obrigar à capitulação da sua figura mais importante? Com a deslocação da capital para o Rio de Janeiro, Lisboa não ficava à mercê dos conquistadores como cidade mais importante do reino. E com uma rainha de cérebro ausente, uma aura de intangibilidade pairava sobre a coroa e a sua mais importante figura. Teria sido por isso que Maria se manteve rainha durante tantos anos e João apenas regente? Essa intangibilidade teria alguma aura de mentira? João VI instalou a sua sede de governo no Brasil na vizinhança e com passagem directa para o convento das Carmelitas - a nova residência da rainha louca. Uma louca que andava com as suas aias - Maria vai com as outras, a primeira rainha de Portugal é uma pobre louca, dizia-se - pelas ruas cariocas, sem grande aparato.
[...]
Maria viveu confortavelmente no Brasil, apesar das grandes restrições iniciais, dos limites da doença, das diferenças climatéricas - o Rio de Janeiro tinha temperaturas como as de hoje, altas em média,uma humidade tremenda, mas sobretudo, há duzentos anos, era muito mais perigoso para a saúde: epidemias, lixos,falta de higiene... - e de todas as incertezas.
Foram nove anos: a rainha morreu no dia 20 de Março, no Rio de Janeiro. Anos mais tarde, o seu corpo faria a viagem de volta, para ficar sozinho na Basílica da Estrela, à espera de uma memória como esta, que a revisite e perpetue...»
Alexandre Honrado in D. Maria I, A biografia da Rainha que teve a coragem de despedir o Marquês de Pombal, Editora Guerra e Paz, 2007
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