sábado, abril 18
Animal olhar
Meus olhos não fabricam
a realidade ou tu:
limpos barcos,
novidade acesa como a terra viva,
movimento de braços, amálgama
exacta duna.
Meus olhos não fabricam mas encontram.
A terra que se enche já vem cheia,
o hálito começa na claridade do céu.
Os homens dançam por vezes.
Este momento é teu.
[...]
Silêncio no teu olhar, na tua boca.
Em tua língua primitiva o mar se olha.
É o deserto e falas, boca brusca
de ignorado alento.
Não te construo, constróis-me, construo-te
Construo-te, mar,
parede pura,
criada.
Aqui onde o sol se acende em carne,
onde a casa é um nome de mar,
e os frutos e os espelhos
amadurecem o corpo solidário:
É Verão.
Aqui tu és
lenta verdade no sossego do sangue:
circulação de nomes e de peixes.
[...]
Esta ciência de inocência e água
se toco, delicado, ou pão ou página,
ou corpo, ou fruto, ou verde folha,
este pisar que é duro e leve,
a frescura e a sombra, o ar, a luz
- tudo me dás, tudo te dou, tudo nos damos.
E a terra mais próxima e as ervas
e os bichos translúcidos entre pedras,
a serena eclosão dos nomes, cabeleira
sobre o corpo fresco, intenso e nu.
Verdade ainda mais próxima dos tranquilos campos,
paz que se alonga às searas por um corpo amado,
renhidamente amado entre a verdura
na noite de estrelas claras e estáticas.
Sobrio o teu corpo me pede
penetração:nomes puros:
os de boca, braços, mãos
sobre a terra e sobre os muros.
Sobrio o teu corpo me pede
nomes justos, nomes duros:
os da terra, fogo e punhos,
claros, acres, escuros.
António Ramos Rosa in Antologia Poética, pag 87,88, 89, Dom Quixote,2001
[excertos de um belo e extenso poema]
imagem: Maria E. Salvador
Etiquetas: Antonio Ramos Rosa, Escritores, livros da minha vida, poemas
Subscribe to:
Enviar feedback (Atom)
12 Comments:
Magnífico
Há vida em Marta...decididamente!
Bjs
...........fui ter à "minha praia"... dourada...........
jocas maradas de .....nomes
É lindo este Poema Marta. Obrigada!
Gisela Rosa
sublime......
Jà te agradeci por partilhar as palavras lindas que conheces?
Obrigada!
Muitos beijos
muito bem seleccionado!
parabéns
csd
Tive pena de já não haver bilhetes para todos. E que não viessem para o teatro. Por mim, marcamos para o próximo fim-de-semana, que vou outra vez. beijin~hos
E o teu blog cada vez mais parecido contigo que nem atende o telefone como tu. :)
"Aqui "tu" és lenta verdade no sossego do sangue: circulação de nomes e de peixes" - aqui é simplesmente poeta, poema, poesia. A. Ramos Rosa "apenas" a respira!
Bjs,
João Rasteiro
Quando a água dos olhos fazem o meu mar, não há bote salva-vidas que me traga ao areal...
Muito bonito o que tenho vindo a ler...
Beijinho terno!
puro
trigo
[o corpo
do poema]
Gosto tanto de António Ramos Rosa, mesmo
Post a Comment