quarta-feira, março 25

...se é um homem, é sempre sobre a condição humana...

«Toda a literatura é sobre o amor. Mas se é um homem, é sempre sobre a condição humana».
Quem disse? Esta mulher inteligente, da fotografia. Chama-se Patrícia Reis. É escritora. E outras coisas. Como ser mãe. De dois rapazes. [e alguns: sim, Marta, e novidades? e eu, parva, que vivo num planeta tantas vezes distante da Terra, não sabia! que há ignorâncias que têm de ser assumidas. mas nem me ocorria não o assumir, ainda mais, tratando-se desta senhora que não tem papas na língua, nem mas, nem meio mas] Vou começar a ler, NO Silêncio de Deus, hoje. Daqui a pouco. O seu último livro. Para já, para já, asseguro-vos que gostei imenso de saber que escreve quando lhe dá na real gana. Sem rituais pormenorizados. E não tem nenhuma mão invisível [não é a do Adam Smith, não] como a de alguns escritores que, por acaso, até lhes amo as palvaras [mas eu também, quando GOSTO, gosto sempre. exactamente como o slogan dos gelados da Olá. Gosto no verão, no inverno, quando é genial e quando é uma merda]. Relativamente à Patrícia Reis estou curiosa. Íssima. É que já me aconteceu de ver um filme e ler o livro, depois. E já me aconteceu - muitas mais vezes, até - de ler o livro e, depois ver o filme. E também, raras vezes, me aconteceu de ler os livros e ir a correr ouvir os escritores. Mas nunca me tinha acontecido de ouvir o escritor, sem lhe ler nenhum livro! E foi desta. Assim, porque sim. E gostei tanto de a ouvir, que lhe ando a comprar os livros todos. [Para me redimir! É que eu acredito na salvação. De certa ignorância...] Até os infantis. [que eu não tenho filhos, mas tenho seis sobrinhos 3 - 7 anos. lindos!]
Mas encantou-me, ouvi-la! Tem uma forma de dizer que o seu olhar e os seus gestos, aqui e ali, sublinham. Como que a confirmar. Eu acredito mesmo nisto que digo. Podem apostar!
Como eu faço, quando acredito mesmo no que leio. Nesta e naquela página.
Só que com um lápis.
[E, desse lado, quem já leu, não me conte nada. Por favor. Quem não o fez, vamos ver quem acaba primeiro! Quem não comprou...hummm... Na livraria mais próxima s.f.f]
imagem: Marisa Cardoso [devidamente roubada ao Devida Comédia]

Coisas que combinam comigo

chá de poejo para o teu desejo
chá de alfavaca já que a carne é fraca
chá de poaia e rabo de saia
chá de erva-cidreira se ela for solteira
chá de beldroega se ela foge e nega
chá de panela para as coisas dela
chá de alecrim se ela for ruim
chá de losna se ela late ou rosna
chá de abacate se ela rosna e late
chá de sabugueiro para ser ligeiro
chá de funcho quando houver caruncho
chá de trepadeira para a noite inteira
chá de boldo se ela pedir soldo
chá de confrei se ela for de lei
chá de macela se não for donzela
chá de alho para um ato falho
chá de bico quando houver fuxico
chá de sumiço quando houver enguiço
chá de estrada se ela for casada
chá de marmelo quando houver duelo
chá de douradinha se ela for gordinha
chá de fedegoso pra mijar gostoso
chá de cadeira para a vez primeira
chá de jalapa quando for no tapa
chá de catuaba quando não se acaba
chá de jurema se exigir poema
chá de hortelã e até manhã
chá de erva-doce e acabou-se
pelo sim pelo não
chá de barbatimão

Gilberto Mendonça Teles

imagem: autor não identificado

Pede-me, antes, números. Algarismos.

Pegam na caixa com aparente cuidado. É uma caixa de cartão. Diz frágil. Em letras garrafais, vermelhas. Para que todos vejam. E eu vi. Incrivelmente. Mesmo não tendo de pegar nela. É uma caixa de cartão. Sem alma dentro. E é assim que eu me sinto. Sim, sim. Estas coisas que me dão e tu bem sabes como depois tenho de me retirar. Devagar. Fazer um retiro, lá no sítio onde Edgar Morin reflecte sobre o mundo. Mas eu não quero reflectir sobre nada. Até porque, eu hoje, não quero ver. «Ver é estar doente dos olhos». Nem sei como vi a caixa. E a mim dói-me o mundo e os olhos e as pernas. Vim de pé, no metro. A fingir que via tudo à minha volta. Mesmo que numa cidade estrangeira me canse menos andar, estou cansada. E frágil. Imagina que já comprei dois cabos USB! Perdi-os. E precisava deles. E não tenho falado ao telemóvel. Para que a bateria não se gaste. Porque se tiro o carregador da mala, fica esquecido. Esqueço-me de tudo o que preciso. Ainda bem que não tenho as chaves do hotel. Ainda bem que não tenho chaves nenhumas. Ainda bem que não preciso de mim. Assim, frágil.



Vês como estou frágil! E agora queres que decida se continuo ou não continuo no conservatório. Se o piano é o eixo do meu desassombro. Que decida se é cedo ou tarde para recitar os poemas da Hilda Hilst. Se vamos ou não vamos a um restaurante. Se vou ou não vou para Angola. Como voluntária. Desculpa. Ainda não te falei de Angola? Mas também não falei a ninguém. Só a mim. E à ONG para onde enviei o e-mail com a ficha de candidatura. Chamaram-me. E, agora, não posso ir, sem tomar todas as decisões que me esperam. Coisas sensatas. Nada a ver com isto. Se fosses o Jorge Palma, compreenderias melhor. Talvez. E pedes-me para [re] começar a curta-metragem. E que decida quando. E eu, frágil, insuportavelmente frágil, quase no dead line da loucura. Como o pêndulo de Foucault. Eu, a precisar de ficar quieta como como a pedra da Roseta no British Museum. Protegida, intocável, muda. Mas legível. Como a caixa de cartão sem alma dentro. A dizer FRÁGIL, em letras garrafais. Para que possam, se necessário, pegar em mim com cuidado.


E agora queres que decida a vida toda num quarto de hora. Que decida, aqui, entre reuniões inconclusivas, se vamos ou não vamos viver numa casa junto à praia. Se o jardim, terá dálias e begónias nos canteiros. Se as bicicletas podem ficar encostadas ao limoeiro. Atrás. Junto à porta da cozinha. E queres que decida, assim frágil, irracionalmente frágil, se o mar terá barcos, ao longe, nas manhãs claras e húmidas. E pedes-me que decida qual o vestido que vou trazer, na viagem de regresso, quando voltarmos de Buenos Aires. E que decida a cor dos teus olhos, amanhã. Quando os teus olhos são da cor do tempo que faz. E eu, sem chave nenhuma, a dizer-te que, frágil, me esqueço de tudo o que preciso. Só não me esqueço de estar aqui.


Por isso, não me peças algoritmos. Pede-me, antes, palavras. Letras. Letras não! Que o alfabeto também se esgota. Pede-me números. Algarismos. Ou estrelas. Que deve ser a mesma coisa. Eu não percebo nada de matemática nem de astronomia. Mas sei o infinito. Sei o inesgotável. Sei que, mesmo frágil, em letras garrafais, vermelhas, te posso dar, sempre, números. Um número por dia. [Como se fossem comprimidos contra a fragilidade] Ou estrelas. E se as do mar forem poucas, vamos ao céu buscar mais. Pode ser?


[Ainda hoje. Porque amanhã, posso estar irremediavelmente frágil.


E os teus olhos estão de outra cor.]

segunda-feira, março 23

O rapaz que [quase] nunca usa gravata


A well tied tie is the first serious step in life.

Oscar Wilde





Será? No lo creo...



Há quem a adore, quem a odeie e quem lhe fique indiferente. Há quem goste de a usar de vez em quando, quem não saia à rua sem ela e quem não a suporte! Há quem...

Ele, ao que se sabe, atravessou casamentos, funerais, baptizados, licenciaturas, defesas de mestrado, teses de doutoramento, certos aniversários, festas diversas, recepções lúdicas e laborais, enfim, as mais distintas reuniões sociais, sem nunca a usar. Porém, um destes dias, para espanto de familiares, amigos, namorada, colegas de trabalho, ele surge de gravata! Tinha-se vergado às ficções sociais. Sim ficções sociais, dizia ele!

Depois soubemos a verdade. Porque a verdade é como o azeite, diz o povo. Foi chamado por um superior

[um superior, creio, é assim uma espécie de deus, e como deus que se prese, omnipresente, que há nas organizações/empresas, com plenos poderes, realmente muito poderosos - perdoem-me o pleonasmo -tais como interferirem em assuntos como o mencionado... ]

- Veja lá. Este projecto é muito importante para nós. Tem de ser aprovado. Como coordenador científico e dada a importância do acto, far-nos-á o favor de colocar uma gravata! E não se escude no facto de os arqueólogos serem alérgicos a tal adereço. Por favor…Isto não é nenhuma escavação! Está muita coisa em jogo. Sabe disso. É muito importante e, por muito que lhe custe a aceitar, uma simples gravata ou, no seu caso, a ausência dela, pode deitar tudo a perder. Ou quase, vá… Mas fala-se, aponta-se, comenta-se. E depois, há a inauguração, não se esqueça. O senhor presidente, ministros, assessores, assessores de assessores, secretárias, secretárias de secretárias. Muita gente. Vai estar lá toda a gente! Concorda que há uma imagem a defender...há um dress code. Enfim... Custa-me, acredite, ter de lhe dizer, assim, mas terá de levar uma gravata. É uma inauguração, não uma escavação...

O pasmo geral. A namorada a cochichar para o lado

- Eu só o tinha visto vestido ou despido. E quando digo vestido quero, objectivamente, dizer de calças de ganga e t-shirt ou calças de ganga e camisa ou calças de ganga… Será que algum dia o voltarei a ver de gravata? Não, não me custa nada que não a use. Palavra que não!

Estavam lá todos. Toda a comunidade local. Cidadãos e políticos. Amigos e familiares. Cortaram a fita. Inauguraram a coisa. Aplaudiram. Sorriram. Comeram o croquete!

No fim, o rapaz que quase nunca usou gravata, pegou na tesoura e cortou-a. A meio. Como à fita!

Para "inaugurar" a primeira vez que a usou! E inviabilizar a próxima vez que a pudesse usar!

[e desculpem qualquer outro delírio :)... é que isto aqui entrou em piloto automático...]

A história de um letreiro

Eu, hoje, quando dei de caras com este letreiro, nem vos digo nem vos conto :) aliás, conto. Eu já conhecia a história, recebi-a, por e-mail, há muitos anos! Na história que guardo, algures, numa pasta electrónica, o cenário é Paris! Agora, dou com ela na versão "curta", no Devida Comédia! E emocionei-me. A culpa é da mensagem! Para quê existirem infinitas formas de dizer a mesma coisa...uma não chega?!!! Leio que ganhou um prémio! Ouço uma das músicas de um dos meus filmes de eleição. Enfim, há dias em que é muito bom bater de caras num letreiro! Destes!

União perfeita

Estava por um fio! Já não está mais! Porque, hoje, não resisti a trazer-vos uma das muitas imagens que Sonja, nos traz através do seu olhar! Lindo. De uma beleza singular. Aliás, não resisto, ainda, a dizer-vos como, tantas vezes, as palavras do Passos e as imagens da Sonja, são, ao meu sentir, a união perfeita entre dois mundos. Espreitem. Não se vão arrepender! E prestem atenção, na alquimia de sentidos que ambos conseguem. Um com imagens. Outro com palavras. Ambos por um fio. Condutor de emoções.

domingo, março 22

Fazer a mala

Estava ali a pensar que é diferente. É muito diferente. Uma coisa é fazer a mala para viajar em lazer. Outra, é fazer a mala para viajar em trabalho. No entanto -há profissões - [não é, alguns queridos?] em que esta diferença não se acentua. Aliás, esbate-se. Dissipa-se. Enfim. Também já me aconteceu. Mas há uma mala que eu faria em três tempos! Aliás há várias! Tantas malas, quantos os destinos. Venham eles! E as malas também...pronto!

Telegrama


... foi roubado...disse a mulher do coração azul... esverdeado...

Eu às vezes embarco...

Faz-me um sinal qualquer/Se me vires falar demais/Eu às vezes embarco/Em conversas banais

Fazes-me falta

Ontem, encafuada no carro, recordei, num ápice, os livros dela. Os que li. E foi a voz dela, de outra escritora, que me levou a procurá-los por entre os livros todos lá de casa. Já estiveram ordenados. E era-me fácil acha-los. Agora estão mais ou menos como eu! Não estão por ordem nenhuma. Estão.
[Logo se verá, ou não. Se será fácil. Achar-me. Também...]
[...]
«O que somos para além do que vamos sendo? O meu além eras tu - íman da minha íntima, impessoal temporalidade. Redenção dos males que me amputaram. Tu. Agora puro vapor do universo. Serves-me de Deus - quem diria? Serves-me no que não sei ser, e é a verdade. Olho para o mar do Guincho, para essas ondas frias e violentas em que tanto gostavas de mergulhar, e sinto-me também eu meio morto, meio frio. Feliz por estar ao teu lado outra vez. Ao lado dessa que já estava morta um bom par de anos antes de tu morreres. Fazes-me falta. Mas a vida não é mais do que essa sucessão de faltas que nos animam».
[...]
«Queria roubar-te a obsessão, ter outra vez os teus vinte anos. Mas eu era já demasiado velho, voltava a ser novo, como as crianças, trocando um brinquedo pelo outro, respondendo ao brilho da próxima mão, existindo à superfície das coisas, táctil. A sabedoria do gozo, avessa à ciência do prazer. A felicidade esgotava-te, o sofrimento exaltava-te, nada era fácil para ti. -Como podes ter vivido tanto e ser tão leve?, perguntavas-me. Eu respondia apenas com sorrisos. Ai de ti, se descobrisses que viver demasiado é desistir da vida».
[...]
«E eis-me preso à memória escura dos teus olhos, dos teus passos saltitantes, da tua alegria convicta que a partir de certa altura começou a açucarar demasiado a minha vida. Não consigo concentrar-me. Passo os dias com os olhos sobre as letras dos livros que tenho de ler e não consigo entrar neles. E ouço muitas vezes a canção de Pascoal:
«A sombra das nuvens no mar / O vento na chuva a dançar / Uma chávena a fumegar / Tudo me falava de ti / A sombra das nuvens desceu / O céu alto arrefeceu / E o mar bravio perdeu / A luz que lhe vinha de ti.» Há quanto tempo não me arde o coração?»
[...]

Inês Pedrosa in Fazes-me Falta, Publicações Dom Quixote, 2002

sexta-feira, março 20

É segredo?




Faltavam dez dias para o meu exame de condução. O meu primeiro instrutor – Senhor Silva - era uma homem baixinho, miudinho, de bigodinho, a contar os dias para chegar à reforma. Estava quase. E usava sapatos Ecco, algumas vezes utilizados para travar os meus ímpetos rodoviários.


Na nossa primeira aula fez questão de me explicar teórica e minuciosamente como funcionavam as mudanças e o motor do carro. Depois as aulas foram iguais. Mais rua, menos rua, bem nos arrabaldes da cidade, longe da confusão. Depois, ao fim-de-semana, auto-estrada, via de cintura interna, marginal da Foz do Douro. Um dia comentei: o meu instrutor, ao sábado, faz-me conduzir até à Foz, manda-me parar o carro e sai. Regressa vinte minutos depois e a aula está no fim. Deve andar indisposto, com algum problema, pensava. Eu enfiada no carro. Ele a caminhar, lentamente, mãos atrás das costas. Entrava, cabisbaixo e dizia: siga.


- Ou conduz muito mal e o instrutor enjoa e tem de ir apanhar ar ou algo está errado nessas paragens na Foz, disseram-me, os funcionários, entre-olhando-se. Parecia um episódio familiar na secretaria da Escola de Condução. Acreditei, piamente, na primeira hipótese. Desanimei.


- Vamos trocar de instrutor. Peça isso, por escrito, que é melhor. Como se fosse iniciativa sua. Está a compreender? Vá por mim. É melhor, dizia-me a Senhora Dona Odete, levantando as sobrancelhas, acima do aro dos óculos. Acatei o conselho e, na aula seguinte, aparece-me um Senhor Fernando, alto, moreno, todo perfumado. Vivaço nas palavras e nos gestos. Por momentos, achei que íamos entrar numa corrida de automóveis, dada a sua determinação e genica. Gostava do que fazia. Notava-se ao longe. Mesmo ao longe.


-Ora vamos lá. A ver o que vale. Cinto. À direita. As indicações telegráficas continuaram. Até ao momento de estacionar, numa descida, entre dois carros. Transpirei por tudo quanto é poro. Não imaginava como fazer aquilo. O carro iria para todo o lado, menos para trás. Menos para aquele lugar balizado por dois automóveis!


- Então! Vamos lá. Quando é o exame?


- Daqui a dez dias, respondi, voz sumida, nervosa.


- Nem daqui a dez semanas, menina! Então não consegue estacionar o carro?


No fim da aula, o Senhor Fernando fez o diagnóstico: eu só sabia andar para a frente. Logo, ou eu estava disposta a um esforço suplementar ou era melhor desistir do exame. Nos dias seguintes fiz a recruta rodoviária. Aulas extra. Sobe, desce, estaciona. Estaciona, sobe, desce. Trava, arranca. Arranca. Trava. Subidas, descidas, rotundas, cruzamentos, pleno engarrafamento. Realmente, eu tinha andado afastada do trânsito. Preparavam-me, talvez, para conduzir no deserto. Um dia, foi a vez dos seus sapatos clássicos, gastos mas reluzentes, nos travarem o meu arranque ainda no sinal vermelho!


- Então, onde está com a cabeça?! A seguir, vire à esquerda.


Virei. E o Senhor Fernando, inclinou a cabeça na direcção do meu ombro, baixou a voz e perguntou, quase sussurrando: é segredo?


- Como? Perguntei, esforçando-me para não tirar os olhos da estrada.


- Se é segredo? Perguntou, agora, em tom normal.


- Se é segredo o quê, Senhor Fernando?!


- Que viramos à esquerda. Que vamos aqui, em missão secreta...


- Não... Sr. Fernando.


E, levantando a voz:


- Então porque não fez pisca?


E sempre que eu me esquecia de dar o sinal indicador de mudança de direcção, o Senhor Fernando perguntava: é segredo?


E quando ele não perguntava e eu me esquecia, afirmava: não, não é segredo, Senhor Fernando. E sorríamos cúmplices, ao ritmo intensivo de um treino exigente. Já nos últimos dias, o Senhor Fernando começou a falar da sua Laurinda, com ternura. E ao sábado de manhã, deixei de ir para a Foz. Íamos ao seu bairro. Da janela do carro, acenava para a janela do sexto andar.


-É a minha Laurinda. Dizia-me, sem segredos, como se fosse incapaz de se exaltar.


No dia anterior ao exame, berrou comigo como nunca. E eu, como nunca, nem conseguia por o carro a trabalhar! Na manhã do exame, disse-me: vá lá a fazer isto, caramba! Não esqueça: aqui não há segredos. E não houve. Fiquei tão bem treinada que, ainda hoje, faço pisca dentro da minha garagem! No parque de estacionamento! Fá-lo-ei no deserto.


Pois, então, se não é segredo!




imagem: jac.opo

Ler abraços, outros mapas e sinais


Há pessoas que em três dias, compreendem o mundo.

Pessoas que num sorriso, abrem todos os caminhos. Mesmo os que não se fizeram.

Pessoas que num olhar, escutam palavras. Mesmo as indizíveis.

Pessoas que num gesto, compreendem a raiz. A copa e o caule.

Há pessoas que em três dias, compreendem uma vida inteira.

Pessoas que num abraço lêem o coração. E a alma. E as mãos.

Pessoas que nos ensinam quase tudo em que acreditam. Em três dias.


Mas também, há pessoas, como eu, que não sabem nada disto.

E querem aprender. Pessoas, como eu, que te estão eternamente gratas.


[sabes a história que o Teo nos contou? Claro que sabes! Eu não sabia. Nem sabia sequer que naquele dia, tão perto deste, me irias deixar uma caixa com abraços...]


Tinha ainda tanto silêncio para te dizer, Manolo.

E não tenho nem mais um dia. Para te contar o silêncio.

Para me ensinares a ler abraços. Outros mapas e sinais.
imagem: Oymen hs

quarta-feira, março 18

One dove

Obrigada pela sugestão! Gosto tanto tudo. Acertaste em cheio. Por falar em pássaros...

terça-feira, março 17

Sonhos sinalizados e outras desventuras



Tirar a carta de condução foi, sem ironia, das coisas mais difíceis que já fiz na vida. Não a tirei aos 18 mas sim muitos - vá, alguns - anos depois e em circunstâncias quase secretas que não interessa agora explicar. Recorrendo às siglas da História, a minha vida pode dividir-se num a.c e num d.c – antes da carta e depois da carta.
Antes da carta, por exemplo, fui chamada, após me ter candidatado a novo trabalho.

- Parabéns. Foi a seleccionada. Vamos agora acertar o seu vencimento. Contas feitas, não fica a perder, pois, optamos por lhe atribuir uma viatura da empresa, diz-me, o director geral.Tentei, por diversas vezes interromper, enquanto ele divagava sobre a marca do carro, a rodagem do carro, o motor do carro…

- Desculpe, disse, levantando o dedo, como se estivesse na sala de aula! Eu não tenho carta por isso não preciso do carro.

Dez minutos após ter sido demitida fui despedida! Verdade.

- Inimaginável. Está a brincar comigo! Como é que não tem carta, perguntava o director, braços no ar, colérico, quase aos berros!

- Como é que não tem carta? Explique-se!

Em nenhuma linha do meu CV diz que tenho a carta de condução, disse-lhe, advertindo-o para o facto de me estar quase a gritar. Tinha o direito de se indignar, mas de me gritar, não. Levantei-me para me ir embora, deixando-o a falar sózinho.

- Espere aí. Por favor. Desculpe.Vamos lá negociar isto, novamente. Mas tem de tirar a carta. Mas como é que não tem carta?

Anos, muitos anos mais tarde, após este episódio, em circunstância quase secretas fui tirar a carta. Converteu-se numa questão de vida ou morte. Também numa questão de honra. E a honra, como sabemos, é uma questão antiga e muito séria na vida das comunidades e das pessoas. Não foi a condução que me custou. Foi o código. O código da estrada conseguiu deixar a minha auto-estima de rastos. Um dia, no fim da aula, o técnico perguntou: alguém tem dúvidas? Levantei o dedo, mais uma vez como na aula! Muito senhora da minha pergunta.

- Porque é que este sinal se chama Cruz de Santo André?

A gargalhada geral, estridente, reduziu-me a alcatrão. Senti-me uma nódoa. Uma nódoa com dúvidas. Mas uma nódoa. Fui aconselhada a não fazer perguntas. Que decorasse. Aquilo era uma questão de decorar. Mais nada.

- Ninguém quer saber porque se chama assim. Ensino o código há mais de vinte...vinte anos e nunca me fizeram essa pergunta! Decore. Intressa lá o porquê do nome da cruz!

E, caso não acreditasse em milagres, tinha motivo para me converter. Lá consegui induzir a cartilha. O vulgar pisca é «um sinal indicador de mudança de direcção». O eixo da faixa de rodagem, «é uma linha longitudinal, materializada ou não, que divide uma faixa de rodagem em duas partes, cada uma afecta a um sentido de trânsito». A auto-estrada é «uma via pública destinada a trânsito rápido, com separação física de faixas de rodagem, sem cruzamentos de nível nem acesso a propriedades marginais, com acessos condicionados e sinalizados como tal». E a todas estas definições juntou-se uma panóplia de significados que, naquele período, abalaram, obviamente, o meu mundo! Até os meus sonhos. Neles passaram a mover-se automóveis, motociclos, moto cultivadores, quadriciclos, ciclomotores, tractores agrícolas, velocípedes, tractocarros e reboques. Até o triciclo da minha infância deixou de ser encantador! A matéria onírica expandira-se. E, literalmente, os meus sonhos eram sinalizados por cruzes de Santo André e afins. Eu. Eu que nunca tivera sonhos sinalizados! Ele era contra-ordenações graves e muito graves. Toda a espécie de coimas! Cilindradas superiores e inferiores a 50 cm3! Ele era taras e pesos brutos, pontes, túneis e velocidades. Um conhecimento inútil e sofrido. Muito duro.
Até ao dia em que me sentei, pela primeira vez, ao volante de um carro – sim, poderia voltar a chamar-lhe simplesmente carro – e, feliz, passei a ponte da Arrábida, comigo ao volante. Quando, a dez dias, do exame de condução descubro - quer dizer - descobriram... que só sabia conduzir… para a frente... e mudei de instrutor...
- Quem é o seu instrutor?
[a saga continua... escrito em 2005, a propósito do novo código da estrada]

Diálogos in [certos]

«UMA GAIOLA FOI PROCURAR UM PÁSSARO»
Franz Kafka

- Foi há quatro anos, creio. Ficou gravado na prata, no pulso.
Entre Felice e Milena, onde me situo melhor?
- Talvez a tua melhor qualidade seja a forma como recordas. Entre o sorriso e o esquecimento.
E a serenidade que te fica tão bem.
- Referia-me...
- Ou talvez o sal nos lábios. Do mergulho abissal.
- Um pássaro. Qual de nós o foi procurar?

Coisas que combinam comigo

[campos inteiros de tulipas... tulipas a perder de vista...]
imagem: autor não identificado

Se os portáteis são portáteis...

OU
OU

OU


...OU outras sugestões! mas se os portáteis são portáteis porque não vamos todos trabalhar para aqui, aqui, ou aqui ou ainda aqui? Com um dia assim não apetece nada estar fechado dentro de quatro paredes... e se os portáteis são portáteis...


Imagens: Luzinha; François 26; Francisco Bernardo

Já tenho... não 1, mas 2 :)



[quando a caixa de correio se transforma em garagem, somos levados a acreditar que em vez de um blog, temos uma lâmpada de aladino :) amei as sugestões; o sentido de humor... ]

Um Gran Torino só pra mim...

E como acabei de chegar do cinema, partilho esta música. Talvez amanhã ou depois já consiga articular as palavras: shop soy, guerra, Coreia, racismo, carvões, padre virgem de 27 anos, rosnar, xamã, hmongs, amor, gangs, cultura, família, dor, felicidade, amizade, vida, morte, coragem, sofrimento, confissão, fantasmas, denúncia, América, conflito, confiança, conquista,beleza, humor, ternura, carros...e, confessar que, apesar de não perceber patavina de carros, gostaria de ter um Gran Torino, verde garrafa - creio - de 1972, só para mim! De resto, como sempre, fui a última a sair da sala. Minto. A antepenúltima! Há uma Marta que ainda lá ficou. Na fila M. Lugar 9. A ouvir esta música... ou a rever o filme. Não estou certa.

segunda-feira, março 16

A carta de amor


«Os Cus de Judas». Chama-se assim o primeiro livro que li do escritor. Depois outros e outros e outros e ainda outros. «Arquipélago da Insónia» espera-me, desde o Natal, na pilha de livros a ler. Na secretária do escritório, em casa. «D´este viver aqui neste papel descripto», foi devorado, quase ininterruptamente. Li-o com aquele sentimento de culpa de quem, presumo eu, espreita pelo buraco da fechadura ou encosta o ouvido à parede. Mas que, no entanto, não se arrepende de o fazer. Pior. Fá-lo repetidamente! Sim. Gosto de biografias e de livros - correspondência! Quem me ofereceu este, sabe o que me ofereceu: uma ostra com duas pérolas: o autógrafo do autor e a carta que deixo aqui. Todas as cartas de amor são ridículas, disse o poeta. Mas esta é a carta. A carta de amor. A mais rídicula e [im] perfeita carta de amor que alguma vez li. Pela mão de um dos meus autores de eleição.


Meu amor querido
Adoro-te minha gata de Janeiro meu amor minha gazela meu miosótis minha estrela aldebaran minha amante minha Via Láctea minha filha minha mãe minha esposa minha margarida meu gerâneo minha princesa aristocrática minha preta minha branca minha chinesinha minha Pauline Bonaparte minha história de fadas minha Ariana minha heroína de Racine minha ternura meu gosto de luar meu Paris minha fita de cor vício secreto minha torre de andorinhas três horas da manhã minha melancolia minha polpa de fruto meu diamante meu sol meu copo de água minhas escadinhas da Saudade minha morfina ópio cocaína minha ferida aberta minha extensão polar minha floresta meu fogo minha única alegria minha América e meu Brasil minha vela acesa minha candeia minha casa meu lugar habitável minha mesa posta minha toalha de linho minha cobra minha figura de andor meu anjo de Boticelli meu mar meu feriado meu domingo de Ramos meu Setembro de vindimas meu moinho no monte meu vento norte meu sábado à noite meu diário minha história de quadradinhos meu recife de Manuel Bandeira minha Pasargada meu templo grego minha colina meu verso de Höderlin meu gerânio meus olhos grandes de noite minha linda boca macia dupla como uma concha fechada meus seios suaves e carnudos meu enxuto ventre liso minhas pernas nervosas minhas unhas polidas meu longo pescoço vivo e ágil minhas palavras segredadas meu vaso etrusco minha sala de castelo espelhada meu jardim minha excitação de risos minha doce forquilha de coxas minha eterna adolescente minha pedra brunida meu pássaro no mais alto ramo da tarde meu voo de asas minha ânfora meu pão de ló minha estrada minha praia de Agosto minha luz caiada meu muro meu soluço de fonte meu lago minha Penélope meu jovem rio selvagem meu crepúsculo minha aurora entre ruínas minha Grécia minha maré cheia minha muralha contra as ondas meu véu de noiva minha cintura meu pequenino queixo zangado minha transparência de tules minha taça de oiro minha Ofélia meu lírio meu perfume de terra meu corpo gémeo meu navio de partir minha cidade meus dentes ferozmente brancos minhas mãos sombrias minha torre de Belém meu Nilo meu Ganges meu templo hindu minha areia entre os dedos minha aurora minha harpa meu arbusto de sons meu país minha ilha minha porta para o mar meu manjerico meu cravo de papel minha Madragoa minha morte de amor minha Karénine minha lâmpada de Aladino minha mulher.
António Lobo Antunes in D`este viver aqui neste papel descripto

Bom-dia segunda-feira...






Em Londres tudo acontece! Numa estação de comboios a surpresa e a animação foi total! Setenta bailarinos misturados com passageiros! Alguns não resistiram à interacção! O espectáculo foi planeado e ensaiado durante 8 semanas! E o resultado foi magnífico!

[obrigada Cata...e sim, é melhor do que publicidade! ideias simples que funcionam! um beijo e saudades]

Pode um desejo imenso...

Pode um desejo imenso
Arder no peito tanto,
Que à branda e à viva alma o fogo intenso
Lhe gaste as nódoas do terreno manto,
E purifique em tanta alteza o espírito
Com olhos imortais,
Que faz que leia mais do que vê escrito.


Luís Vaz de Camões, Ode VI



[...e depois a pergunta certa no teste de Português: e o que é que o autor quer dizer com isto?
Paula, querida, esta é para ti... vá...e não fiques nervosa... ]

domingo, março 15

Emoções à prova

«Há alguns anos atrás, a brilhante pianista Maria João Pires contou‑nos a seguinte história: quando toca, através do controlo total da sua vontade, consegue reduzir ou permitir a passagem do fluxo de emoção para o seu corpo. A minha mulher, Hannah, e eu pensámos que se tratava penas de uma maravilhosa ideia romântica, mas apesar de a Maria João insistir que conseguia fazê-lo, nós permanecíamos incrédulos. Finalmente, resolvemos pôr a ideia à prova científica. Numa das suas visitas ao nosso laboratório, Maria João foi ligada por fios ao complicado equipamento psicofisiológico, enquanto escutava curtas peças musicais seleccionadas por nós em duas situações: uma de emoção natural «autorizada», outra de «emoção» voluntariamente «inibida». Os seus Nocturnos de Chopin tinham acabado de ser publicados e usámos alguns deles e outros tocados por Daniel Barenboim como estímulo. Na situação de «emoção autorizada», o registo de contundência da pele mostrou montes e vales, intimamente ligados ao perfil emocional destas peças. Seguidamente, na situação de «emoção reduzida» aconteceu, de facto, o impensável. A Maria João conseguia literalmente aplanar o seu gráfico de condutância da pele, de acordo com a sua vontade e conseguia até modificar o seu ritmo cardíaco. Sob o ponto de vista comportamental também se transformou. As emoções de fundo estavam reorganizadas e alguns dos comportamentos especificamente emotivos eliminados, registando‑se uma diminuição do movimento da cabeça e da face. Quando o nosso colega Antoine Bechara, totalmente incrédulo, quis repetir toda a experiência, pensando que os resultados poderiam ser devidos a um artefacto de habituação, a Maria João repetiu tudo. Afinal, podemos encontrar certas excepções, sobretudo entre aqueles cuja vida consiste em criar magia através da emoção».


António Damásio in o Sentimento de Si

Calma ou insónia

...isto é calma, isto é insónia...talvez a noite seja engano dos sentidos...

sexta-feira, março 13

O tempo é um brinquedo


Há certos dias, Guilherme, em que não é fácil levarem-me. Nem pela mão, nem pela alma. Mas naquele dia em que te fui buscar à escola, para almoçarmos juntos e, depois, irmos ao cinema, num ápice, como Alice, eu estava dentro dos teus olhos.
Consegues pôr-me o mundo no lugar.
Consegues o espanto. Concedes-me a claridade.
Eu queria ir ao Mc Donalds. Para te fazer feliz.
Tu quiseste ir a minha casa. Para me fazeres feliz.
- Brincamos um bocadinho, tia!
- E o cinema? É já daqui a pouco. Temos que ser rápidos.
- Sim, tia, brincamos a correr.
Concedes-me um tempo novo.
Concedes-me o tempo como um brinquedo.
- E o hipopótamo tia, pode ir connosco ao cinema?
- É um pouco grande, Guilherme. É mesmo grande.
- Não faz mal. Pomos-lhe o cinto de segurança, no carro.
E depois é só levá-lo. Mesmo sem cadeira atrás.
- Tens toda a emoção, Guilherme! Vamos a isso.
Chegados ao shopping, hipopótamo grande, ao colo, a provocar sorrisos em volta.
- São três bilhetes, por favor.
- Três, confirmou a menina, percebendo a tua mão na minha.
- Sim. Três. Um para mim, outro para o Guilherme e outro para o hipopótamo, disse, convicta, piscando o olho. E os teus olhos enormes, abriram-se ainda mais.
Para eu me sentar dentro deles.
- Sim, pois, o hipópotamo, disse a menina da bilheteira. Não o estava a ver.
- Ele hoje vai ao cinema. É que o filme é de animais...explicas.
Há certos dias Guilherme, em que só tu me levas
pela mão,
pela alma,
pelos dias inteiros.

Dias em que me recordas que, afinal, eu sei que o tempo é um brinquedo.


[É tão bom crescer contigo, meu amor!Feliz aniversário, Guilherme!]


[parabéns pais!]


[está aberta a rubrica...tia insuportavelmente babada ou os meus sobrinhos são geniais]

Do chapéu e da forma de o usar II


(...) Mas não nos desviemos do significado da palavra chapéu. Ao longo desta pesquisa, encontramos muitos e diferentes vocábulos para o designar. Uns defendem que «ocapuz ou capucho, do latim, capitium, deu origem à palavra». Outros dizem que chapéu provém do latim antigo, cappa, que significa peça usada para cobrir a cabeça. Mas Ricardo Stokler remete-nos também para o uso de grinaldas ou capelas de flores frescas, em voga na corte francesa e que tinham o nome de chapel. Desta palavra, explica aquele autor,«procede o nosso chapéu». O dicionário-enciclopédico, de 1992, também refere que a palavra chapéu tem origem no francês antigo chapel.
As antigas civilizações já usavam coberturas de cabeça. Os egípcios, por exemplo, usavam a calantica, «espécie de coifa com pregas, presa à cabeça por meio de fitas ou de cintas que ficavam pendentes dos dois lados a descair sobre os ombros», diz Ricado Stockler. Adoptada pelos romanos, a calantica chegou a adornar a cabeça da deusa Ísis.
As civilizações do Médio Oriente usavam «uma espécie de boné pontiagudo ou baixo» parecido com o cofió, mas eram os turbantes que tinham a primazia de cobrir a cabeça. Chapéu, capuz ou carapuço também agradavam tanto a homens como a mulheres daquelas civilizações.
Mas são os gregos e os romanos que nos oferecem informações mais concretas sobre as coberturas de cabeça. Usavam o galenus; kyne para os gregos, que usavam também o causia, «um chapéu de feltro de copa alta, abas largas, levemente quebradas». Original da Grécia, Tessália, o petasus era maleável, prático, tomava muitas formas e tinha a copa baixa e abas largas e salientes». Tornou-se comum entre os viajantes e foi colocado em cabeças divinas: Hermes e Mercúrio foram assim representados em esculturas que, de acordo com Ricardo Stockler, chegaram aos nossos dias. Outros autores, crêem que o petasus perdurou durante toda a Idade Média.
O pileus era também uma cobertura de cabeça muito usada na antiguidade clássica: «era pequeno, semi-circular, frequentemente sem aba, feito de feltro ou de couro (...) confundia-se com o barrete frígio. A sua forma de cone, com a ponta caída para um lado, foi “reabilitado” pela Revolução Francesa, tornando-se um símbolo do partido republicano». Ainda hoje, os franceses, na sua mudança frequente do busto feminino que representa a República, o colocam na cabeça da mulher escolhida para simbolizar a liberdade. É também conhecido por “bonnett rouge”. [cont.]

Não fui hoje, mas vou amanhã...

Sou suspeita! Não sei se concordarei, como alguns afirmam, que este é o seu projecto "egocêntrico". Sei apenas que Clint Eastwood tem contado histórias que me ficam sempre a dizer muito. E conta-as de uma forma - mesmo quando dói - muito bela! Million Dollar Baby, Sonhos Vencidos, como lhe chamaram por cá, foi um murro no estômago! Levei-o três vezes. Voluntariamente. Gran Torino chegou hoje. Não fui. Mas vou amanhã.

quarta-feira, março 11

Eu tanto tudo Rodrigo Leão...

Eu tanto tudo Rodrigo Leão...

A caminho de Águeda...


Apetecia-me começar por dizer - odeio Águeda - só para dizer ao Prof. Funes que vou postar sobre coisas de que não gosto! Mas ainda não é desta! Porque até nem é verdade. Nem Águeda merece! Mas cá vai mais uma para aumentar a distância galopante, que me separa do estimado professor! Já é tão pouco o que nos une! Mas pronto!
Eu adoro...Não! Eu amo... Também não... Eu venero... Melhor: eu tanto tudo...Rodrigo Leão! Que é como quem diz, eu tanto tudo, a sua música! De fio a pavio. É já no próximo dia 13, sexta-feira! Sorte. De quem poder lá estar...



«Rodrigo Leão é música em estado de graça. Águeda vai ouvir ao vivo, pela primeira vez, o compositor excepcional e arquitecto de alguns dos projectos artísticos mais importantes da musica contemporânea de Portugal. A carreira de Rodrigo Leão em nome próprio, depois dos Sétima Legião e dos Madredeus, é alvo de um generalizado aplauso e de um sólido sucesso nacional e internacional. Com discos de referência e compositor de aclamadas bandas sonoras, Rodrigo Leão sobe ao palco com o Cinema Ensemble para um concerto seguramente memorável.»

terça-feira, março 10

Claro que se discutem...




Dizem por aí que os gostos não se discutem! Eu acredito que se podem discutir! Claro que sim!
Juliette Binoche, esta bela e talentosa senhora, é uma das minhas actrizes de eleição! Recordo que a vi, pela primeira vez, há já uns anos, em a Insustentável Leveza do Ser. Ainda hoje, aquela cena do chapéu de coco, me passa nítida à frente dos olhos! Depois, adorei vê-la na Trilogia das Cores...e por aí fora. A questão é que ouço ao meu querido amigo M, quando o assunto vem à baila, algo que não consigo digerir :) «...sim...mas tem ar de dona de casa». E fico desesperada...Como é possível? Diz-me, querido M... Como é possível? Não quererás refazer a tua opinião? Olha bem! Admira bem! Ou, ao menos, arranja outra comparação!
Assim, apenas ficaríamos a discordar, profundamente, numa outra matéria... :) E sim, estimados visitantes, façam o favor de se pronunciarem!


Livros que se descobrem...

Ela enviou-me um bom dia, por e-mail! Que ele, lho tinha enviado a ela. E foi a partilha em cadeia. Eu desconhecia que Agustina Bessa-Luís tinha escrito este livro que começa assim...
«A infância vive a realidade da única maneira honesta, que é tomando-a como uma fantasia. Nao tentem explicar o mundo a uma criança que ela saberá despistar as provas oferecidas. Não lhe interessam as provas, mas sim os mistérios (...) Dentes de Rato prefere a solidão das suas descobertas à explicação que lhe oferecem.
Ela é poesia livre, como só os anjos rebeldes sabem fazer»
Lourença, a personagem principal, capta a atenção de miúdos e graúdos. Eu já estou cativada...
[Como direi? obrigaduardos? seguramente, obrigada querida E.]

Os dias sem ti...

Eu fui, como tantas adolescentes, apaixonada pelo João. Pelos seus cabelos cumpridos, pelos seus olhos, pela sua energia em palco, pelas sua músicas, pelas suas palavras! Era no tempo em que tudo que ele cantava, cantava só para mim! Claro que acreditava nisso! Todas acreditavamos!Era num tempo em que não distinguia quase nada. Achava que tudo, era tudo! Não queria saber de subtilezas, nuances, significados. Sensações, sentimentos, imaginação, realidade, palavras, actos... só me perdia nestas coisas, nas aulas de filosofia! Tão diferente, esse tempo! No entanto, há coisas que perduram. Ainda bem! Porque é sempre difícil dizer adeus, João! Resta-me [nos] a tua música. E a tua poesia. E esta, então, não me faz dançar como «vida de marinheiro». Faz-me saudade... «porque os dias sem ti, são todos iguais, são dias sem fim, são dias a mais...» Lindo!

segunda-feira, março 9

Comboios: uma viagem a fazer; outra que fiz


Gosto de viajar de comboio. Muito. Tanto.

Sempre que posso, quero ir de comboio. Há, aliás, uma viagem que sonho fazer. A "mítica". Não influenciada pelo livro de Agatha Christie, que nunca li. Não pelo From Russia With Love, de Ian Fleming. Não. Apenas movida pela paixão dos comboios. É um sonho a cumprir. Desta ou daquela forma. Quero ir. Um dia.

Hoje, a intenção é dizer a um amigo, ao qual perdi o rasto [culpa de um desencontro] que, nesta data, o recordo. Especialmente. Sempre. Foi para ele que, em 2005, escrevi este poste. Uma, entre muitas viagens de comboio...

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De manhã, cedo. Muito cedo. Saltei da cama e já o meu coração não estava no peito.

Sequer tinha adormecido comigo. Ficara vigilante. Talvez da minha alegria. Talvez redentor das minhas asas. Nesse tempo eu era capaz de voar. Mas fui de comboio.
Ainda hoje uma linha de ferro me faz sonhar. E procuro uma estação de comboios, como quem procura um santuário. Sempre que visito uma nova cidade.

Gosto do pulsar das estações. Das pessoas a entre-cruzarem-se.

Cada uma pensando numa coisa diferente. Tomando um rumo diferente.

A partir dali. A chegar ali.

Gosto dos relógios das estações. Dos segredos que as habitam.



Parti cedo, do Porto, linha do Tua acima.
Partíamos. Ainda não sabíamos mas partíamos juntos.

Em direcção ao mesmo lugar e com a mesma paixão. Com as mesmas palavras de homenagem.

E da janela do comboio, horas antes de nos conhecermos, pousávamos o olhar na paisagem emocional. Na geografia de afectos da nossa infância. O rio, não era apenas o Douro. Era uma linha sinuosa. Movimento, compasso, embalo. Galgando distância. Lentamente.

Era o nosso comboio por entre fragas giestas e rosmaninhos.

Um sol morno de Março. Carruagens cheias de partidas e regressos. E, sem sabermos, dávamos conta da quase primavera pelos mesmos sinais. A casca das árvores, a cor da terra, o sorriso altivo dos montes. Ainda não tínhamos trocado uma palavra e já Trindade Coelho nos tinha adormecido. À mesma hora. À lareira. Em contos de encantar.


Conhecemos tão bem o mesmo calor seco e apertado que se renova com as searas.

As lamurias dos ribeiros. A linguagem dos xistos vermelhos que ardem pousados no Verão.
Ambos sabemos como é sagrada a sombra da figueira. O corso do rio. A vindima.

É inevitável. À porta dos dias dez de Março da minha vida, tu sais do museu vivo que tenho cá dentro. E nem os milhares de letras que nos escrevemos, em cartas de papel,
te tornam tão presente.
Exactamente como naquele dia em que comemoramos o centenário da linha-férrea do Vale do Tua. Com palavras, sonhos, a mesma paixão. A mesma linha a ligar-nos os dias.

O coração sibila e dele sai um cavalo de ferro.
Sem freio, sem destino, lotado de afectos.


[para o meu querido amigo Jorge; até e para além do nosso reencontro... que acabará por acontecer]
Imagem: Helena Costa

domingo, março 8

Pequenos-almoços


O pequeno-almoço é a refeição que mais aprecio, ao fim-de-semana. Com tempo.
Ou de manhã, ou à hora do almoço, como hoje!
Acordei tarde.
[Terá sido por isso que inventaram o brunch?]
Também não importa. Agora.

O importante é que a sala, virada a sul, permite ao sol entrar pelas quatro grandes janelas de vidro. A varanda ampla, silenciosa. A árvore, em frente. Quieta. A minha árvore. Ninguém sabe que é minha. Mas eu sei. E ela também. E isso basta-nos. Ofereci-ma no dia em que habitei esta casa. E, desde então, tem-me revelado os segredos das estações do ano. Mas não são apenas segredos. São segredos explicados por sinais. E a primavera, por exemplo, não me chega só pelo calendário. E isso diz-me muito. É exactamente como as pessoas que conhecemos e nos dizem. Não nos chegam só pela data do aniversário.

[Esta minha capacidade inata de ir por onde não quero! irrita-me genuinamente. mesmo.]

Falava de pequenos -almoços. Com café com leite e pão com manteiga. Básico. Em qualquer parte do mundo. Ou com compota de mirtilos – a minha preferida, talvez, sem certeza, só porque existe a de abóbora - e requeijão ou queijo fresco. E fruta. E sumos naturais. Naturalmente. E jornais. Os jornais ao pequeno almoço, em silêncio. Tão bom!

Hoje, recordei-me daquele episódio que contas sorrindo, do café da manhã. Não te entendiam. [Por falar nisso, chegaste bem?]
E lembrei-me dos pequenos-almoços em Macau! Coloridos, como lápis de pintar. Majestosos. Como se eu fosse princesa. E voltou-me o espanto. E a saudade. E da minha saudade fui para os pequenos almoços na casa do Gerês, no Verão, com o pão fresco que o Irineu [será assim que se escreve?] ia buscar. Para depois ir jogar ténis.
E agradeci-te-[vos] numa prece improvisada. Muito breve. De dentro.

Hoje, lembrei-me, ainda, da torrada com o meu nome gravado no pão! E sorri-te. Apesar de não estares aqui. [Sabes que ainda hoje acredito que sou a única pessoa no mundo que comeu torradas personalizadas?] Sabes que são torradas que guardo na minha caixa de música? Onde guardo todas as boas recordações. Como as torradas que esculpiste para mim. Como se o pão ou o amor, tanto faz, fosse uma rocha ígnea.

Hoje, vieram-me à memória todos os pequenos-almoços que fizeram do meu dia, um dia inteiro feliz. E enquanto pensava em tudo isto, faltavam-me os jornais e, só por isso, fui ao escritório buscar um livro. Para que o silêncio de domingo, fosse também de palavras impressas. Como tanto gosto.

E nas páginas 112 e 113, encontrei o seguinte:

(...) Regresso a esse serão sul-americano já antigo e vejo o meu pai. Estou a vê-lo nesse momento; e ouço a sua voz a dizer palavras que eu não entendi, mas senti. Essa palavras eram de Yeats, da sua «Ode a uma Cotovia». Reli-as muitas e muitas vezes, como vós, mas gostaria de voltar a ela uma vez mais. Creio que isto agradará ao fantasma do meu pai, se ele andar por aí (...) Pensei que sabia tudo das palavras, tudo da linguagem (quando somos crianças sentimos que sabemos muitas coisas), mas estas palavras chegaram-me com uma revelação. Claro que não as compreendi. Como podia eu compreender este versos sobre pássaros – sobre animais – que são de certo modo eternos, intemporais, porque vivem no presente? Somos mortais porque vivemos no passado e no futuro – porque recordamos um tempo em que não existíamos e antevemos um tempo em que já teremos morrido.
[e eu compreendi isto tão claramente que me comovi]

Esses versos chegaram até mim através da sua música. Eu pensava que a linguagem era um meio de dizer que se está alegre ou triste e essas coisas. E no entanto, quando ouvi esses versos (e em certo sentido nunca os deixei de os ouvir desde então) soube que essa linguagem podia ser também uma música e uma paixão. E assim me foi revelada a poesia.

Acreditem. Este pequeno-almoço com Este Ofício de Poeta, de Jorge Luís Borges, fez do meu dia, um dia inteiro feliz. Está fazendo.

Gosto tanto de estar aqui, com sol. Neste domingo de silêncio e palavras impressas.

Como se não doesse absolutamente nada. Em mim. E no mundo.


imagem: introspective/flickr


Lembro-me bem do seu olhar.

Ele atravessa ainda a minha alma.

Como um risco de fogo na noite.

Lembro-me bem do seu olhar. O resto...

Sim o resto parece-se apenas com a vida.




(....................................................................)



Abrigo no peito, (...)

Um coração exageradamente espontâneo

Que sente tudo como eu sonho como se fosse real,

(...)


Álvaro de Campos

sexta-feira, março 6

Coisas que combinam comigo...

...e com quase com toda a gente...digo eu! Quer dizer, assim, de repente, acho - talvez injustamente - que o Prof. Funes irá desenvolver uma teoria contra! Ou será a favor! Tudo pode acontecer! Mas [a resposta do Prof. Funes não conta, agora] haverá quem não goste, ame, adore, uma boa massagem?

Não me analise

Por favor, não me analise
Não fique procurando cada ponto fraco meu.
Se ninguém resiste a uma análise profunda,
Quanto mais eu...
Ciumento, exigente, inseguro, carente
Todo cheio de marcas que a vida deixou
Vejo em cada grito de exigência
Um pedido de carência, um pedido de amor.
Amor é síntese
É uma integração de dados
Não há que tirar nem pôr
Não me corte em fatias
Ninguém consegue abraçar um pedaço
Me envolva todo em seus braços
E eu serei o perfeito amor.

Mário Quintana

Como se filma?


«Façam luto à literatura!» [lembras-te?] E o nosso olhar voltou a sintonizar-se num espanto.
Foi no tempo em que fomos aprender a escrever guiões, como se não os tivéssemos todos cá
dentro. O problema é que estão cheios de literatura ou lá o que é.
Tu, com «aquele chão conhecia-lhe os passos», deste a deixa ao professor.
E como se filma? Como é que se filma um chão assim? [lembras-te?]
Ele a perguntar e a dizer que não se escrevem essas coisas. [para os filmes]
É de madeira? É de pedra, de terra?
Toda a gente sabe como é um chão que conhece os passos de alguém. Mas, pronto!
[ainda não tenho o fim. ainda não sei como vai acabar, não é bom, pois, não? desde que me
ensinaste o que aprendeste, tenho desvalorizado os princípios. estou concentrada no fim, mas ainda não o vejo. tem de ser o mais importante. o fim.]
Aprendemos tanta coisa, enquanto nos prendemos. Enquanto nos ligamos.
Ou estaríamos só a restabelecer filamentos ancestrais. Arquétipos de sonhos comuns?
«Frágil, viva, sempre em mudança, o guião é a crisálida». Ou serias tu?
Não me demorei a ver-te as asas. Mas, a tua aparência era assim: frágil, viva, em mudança. [como os guiões. como a vida.]
Queres vir? «Eu vou. Não sei se vá…Não sei se fique...»
Como se filma a hesitação de uma borboleta decidida?
[longe da literatura. foi o que anotei. porque luto, luto não fui capaz].
O signo, o fonema, o grafema. É cinema. [lembras-te?]
Técnica. Line-up. Out-line. Aprendemos muitas coisas. Planificações. Story-board.
Escrever cenas. Ordenar cenas. Inventar elipses. Alternar o dia e a noite.
[como se na vida real não fosse assim!]

Desejo + obstáculos = emoção.

Matemáticas de aparente equação fácil.
[talvez tenha começado a fazer estas contas muito cedo!]
Agora, vão para casa, leiam o jornal e inventem uma personagem. [queria dizer vida, mas disse jornal; lembras-te?]
A partir da notícia, inventem uma personagem e tragam-na já construída. [ele queria dizer vida. mas enganou-se, novamente e disse notícia. lembras-te?]
Única, com coerência, profundidade, acção. Narrativa. Transformação. Tensão.
Não se esqueçam que a personagem é mais do que aquilo que está ali, na história.
[se é! Se és. Muito mais do que nas nossas histórias. Agora ele acertou, o professor.]
E nós a aprender como se faz, como se filma.
E eu cada vez mais convicta de que os filmes são exactamente como na vida.
[menos quando precisas de um táxi com urgência, e esticas a mão...]
Nunca nada me parece de filme. Parece-me sempre tudo de vida!
E tenho motivos. Tantos motivos. A vida tem milagres. Milagres e assaltos.

Como se filma a minha vida sem o dia 27 de Janeiro do ano
em que fomos aprender a escrever guiões?
Como se filma o nosso olhar a sintonizar-se num espanto?
Como se filmam as tuas asas a percorrer as nossas vidas?
Como se filma toda a ternura que pousas sobre nós?
Como se filma a minha vida sem os teus passos?
Diz-me.
Como se filma?
Ps: este texto, escrito em Dezembro de 2008, foi alvo de pequenas alterações mas o destinatário mantêm-se. Obviamente :)

quinta-feira, março 5

Marilyn leu Ulisses?


Um querido amigo - um querido amigo? - não, um queridíssimo amigo, oferereceu-me, pelo aniversário, o livro «Mulheres que lêem são perigosas». Na página 147 encontra-se esta fotografia de Marilyn a ler Ulisses. O texto que acompanha a fotografia de Eve Arnold, reza assim:
«A pergunta é quase inevitável: "Ela leu ou não leu?" Marilyn Monroe, a sex symbol loura do século XX leu o Ulisses, de James Joyce, um ícone novecentista da cultura intelectual e o livro que é para muitos o maior romance moderno, ou estava apenas a fingir?
Porque, como atestam outras imagens da mesma sessão fotográfica, é o Ulisses que Marilyn a ler aqui. Richard Brown, um professor de literatura, quis tirar o caso a limpo. Trinta anos depois da sessão fotográfica, escreveu à fotógrafa, que devia saber a resposta. Eve Arnold respondeu que Marilyn já estava a ler o Ulisses quando se encontraram. Marilyn tinha afirmado que lhe agradava o estilo do livro; que o leria em voz alta para o compreender melhor, mas que era difícil. Antes da sessão, Marilyn estava a ler o Ulisses enquanto Arnold preparava a película. E foi assim que ela foi fotografada. Não precisamos alimentar a fantasia do professor e imaginar que Marilyn continuou a ler Ulisses, se matriculou numa faculdade e abandonou a sua vida de estrela de cinema para aprofundar os seus conhecimentos acerca de Joyce e que, já como professora reformada, recordou os dias fascinantes da sua juventude. Mas podemos seguir os conselhos do professor e ler o Ulisses como Marilyn fez: não de seguida, do princípio ao fim, mas episodicamente, abrindo o livro em páginas diferentes e lendo pequenos trechos. Talvez chamássemos a este modo desorganizado de ler o "método Marilyn". Seja como for, o professor Brown recomenda-o aos seus alunos.»

[...eu nunca o li, confesso... mas também o professor Brown, nunca foi meu professor.]
Imagem: do meu livro

Postal de aniversário ilustrado


Palavras para quê?

Ficava a ouvi-la ...a vida inteira



Apátrida, sem dia e sem data. Como o amor.

___________________________MTW

Condescendência

Lisboa, não tem apenas taxistas sui generis! Claro que não! Lisboa é a cidade que tem a luz mais bela do mundo...o Tejo...
e palavras partidas
...que nos tocam.
Imagem daqui

quarta-feira, março 4

Apanhar um taxi...ou a arte de... hailing a taxi...


Quando se trata de apanhar um táxi no meio da rua, geralmente, nunca me acontece como nos filmes! Bem que estico a mão, o pé e nada! Nunca aparece um disponível, logo ali! A primeira vez que me aconteceu, pasmei. E ainda não sabia que estava para pasmar muito mais. Foi em Lisboa. Olhei para o lado esquerdo, estiquei a mão e o táxi parou logo ali. Esse dia foi de filme. Tão de filme que o motorista desse mesmo táxi foi detido 15 minutos depois! Assim, tipo sair da viatura à força e mãos atrás das costas! Dois carros de polícia um taxista e eu... e eu incrédula a pensar que era para os Apanhados. Eu à procura de uma câmara, para dizer, com um adeus envergonhado, "isto é só a brincar, mamã! Não te aflijas!!!" Mas era a sério. O polícia a mandar-me sair do carro. Saia, saia. Desculpe o incómodo. Mas saia. Que corria perigo... e eu a sair, atónita a pensar porquê a mim e a responder-me, como sempre, porque sim. Se não fosse a ti era a outro qualquer! Entretanto o Alfa já teria partido e eu rua Augusta fora, ou rua do Ouro ou outra qualquer, por ali fora. A pensar, a beliscar-me. À beira de um ataque de nervos. Nesse dia, lembro-me claramente, contra todas as previsões, cheguei ao Porto de avião! Foi, talvez, há cinco anos.
Isto para registar, imaginem só, que ontem, em Lisboa, pela segunda vez na vida, estiquei a mão, como nos filmes, e o taxista parou de imediato.Passados 15 minutos, nenhum carro da polícia nos perseguia e, o motorista, não foi detido. Nem eu ia para Santa Apolónia. Ontem, entrei no táxi para fazer uma viagem um pouco maior. E o taxista ouvia Antena 2. E perguntou se aquela música me incomodava? E eu, que não, que não, que até lhe agradecia. Que gostava. E ele a falar de música clássica. A mostrar-me, com delicadeza e certa timidez os seus discos de música clássica e a falar de Mozart. Com sabedoria. E a perguntar-me se podia pôr um disco, já que eu gostava...e se podia pôr mais alto. E eu que sim. Que podia. E a música toda dentro do carro, os vidros fechados e cristalinos. E Lisboa lá fora, aberta, carregada de gente em trânsito...como eu. Como nos filmes...
Imagem: Liv Tyler; Candid photos

Telegrama




E depois dizem que não há coincidências! Então, meus queridos, expliquem-me o que é isto, por favor.
Um de cada vez. Que eu estou longe. Estou lenta...

segunda-feira, março 2

Não creio em santos nem poetas


...e para quê o trilho, se não passa o trem?

Deve ter 237 anos [I]

Não muito longe daqui, vive um adivinhador de passados. Deve ter 237 anos. O problema é que lê livros como quem lê estrelas. E ele já lê estrelas há mais de dois séculos! E isso é trágico porque conhece gerações inteiras de palavras. E, ainda por cima, escreve-as! E isso, tira-me o sono. Podia esquecer-se. Mas não. Está sempre a recordar-se [-me]. E junta as palavras de forma a falarem comigo. E dizem-me tanto! Por vezes, fico toda silêncio. E vou embora. Da última vez que o encontrei, não muito longe daqui, disse-me:
o coração não é um lugar seguro.
Não foi bem assim. Foi com gerações inteiras de palavras. Que o habitam... [cont.]
Imagens: Sanithna Phansavanh

domingo, março 1

Coisas que combinam comigo

Gosto de romãs. Ensinam-me a calma. O prazer de comer de vagar. Slowfood. Por natureza.

Eterno Verão a pedir arde

Creio que foi nos meus lábios que aprendeu a gostar de cerveja. Foi no seu corpo que aprendi a inocência ou regressei a ela como a um búzio. Nenhum homem pode suportar, em voz alta, recordações tão intensas como a ternura em carne viva. Ou o amor por acontecer.
O que escrevo é para ela. Não para a Maria Helena desta noite. Mas para a Maria Helena de todas as noites desde aquele dia. Ia ter com ela à escola de granito e janelas vermelhas. Sexo feminino, de um lado. Masculino, do outro. Já há muito tempo que eu lá tinha andado. E, agora, voltava sem nada do que aprendi nos livros.
-Vem cá. Empurra. Com muita força para que eu possa tocar no ramo da árvore. Com muita força…estás a ouvir?
E sentava-se. Acomodava-se no baloiço, entalava o vestido de baixo das pernas; ainda em terra, colocava os pés em pontas, como se fosse bailarina.
- Já. Empurra! Com muita força. Se à noite viesse andar de baloiço, aposto que conseguia tocar com a ponta do pé numa estrela.
- E se não houvessem estrelas, nessa noite?
Já não me ouvia. Em pontas, ganhava altitude até tocar o galho da árvore.
Haveria de partir. Sempre o soube, mas sempre me vi a partir com ela. Quase mulher pedia-me a mão como se fosse a criança do baloiço; escuto o chiar do metal ao vento. Parque de plátanos a contar os dias. Analepse de Verão.
-Vamos passear.
Naquele dia pediu-me um abraço. Pude sentir-lhe os seios, de leve, no meu peito.
Como água a pedir sede.
-Estava a ver que não! Foi muito mal?
Ela entalava-me, assim, como ao vestido, debaixo das suas pernas. O melhor daquele beijo foi saber que o desejava. Como aos meus braços à sua volta. Como ao mundo, por ver.
Regressamos à vila. À esplanada onde o Outono chega mais cedo.
- Pede uma cerveja, que a quero provar nos teus lábios.
Sorri-lhe.
- Leninha, que disseste à tua mãe, naquele dia?
- Maria Helena. Já sou uma mulher e…
- E…
- E, esta noite, mesmo sem estrelas quero tocar numa. Com os pés em pontas, como se fosse bailarina. Entalar o vestido nas tuas pernas, sentar-me, como se fosse andar de baloiço. O que disse à mãe não é importante. E o baloiço já nem sequer existe. Só a memória.
Só o teu sorriso quente no meu rosto. Eterno verão a pedir arde.