sábado, setembro 11
Sintó
Quando nos aniquila o infortúnio
o que nos salva por um segundo
são as infímas aventuras
da atenção ou da memória:
o sabor de um fruto, o sabor da água,
esse rosto que um sonho nos devolve,
os primeiros jasmins de Novembro,
o anseio infinito da bússola,
um livro que julgávamos perdido,
o pulsar de um hexâmetro,
a breve chave que nos abre uma casa,
o cheiro de uma biblioteca ou do sândalo,
o nome antigo de uma rua,
as cores de um mapa,
uma etimologia imprevista,
a lisura da unha limada,
a data que prócuravamos,
contar as doze badaladas obscuras,
uma brusca dor física.
Oito milhões são as divindades do sintó
viajando pela terra, secretas.
Esses modestos númenos tocam-nos,
tocam-nos e deixam-nos.
Jorge Luís Borges in Obras Completas, Editorial Teorema, 1989
Etiquetas: Escritores, Jorge Luis Borges, Poesia
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4 Comments:
sublime Marta. juntar hokusai com borges e toda a espiritualidade inerente aos dois é inspiração pura... fez-me lembrar o filme do peter greenway "the pillow book"... lindo, lindo lindo... filipe
Como só a tua alma sabe sentir.
Oi Marta,
Gosto tanto de passar por aqui e ler seus textos. Por isso, tem presentinho para você lá em meu blog. Dá uma passada por lá.
Bjs
Concordo, concordamos.
Abrazo e obrigado por lembrar a um mestre que faz esquecer o infortúnio.
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