quarta-feira, março 16
A Divina Pestilência
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Etiquetas: blogs que leio, João Rasteiro, Poesia
Às vezes tenho medo, muito medo.
imagem: Claudia Pinto
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Etiquetas: Escritores, Gonçalo M. Tavares, Livros que li
terça-feira, março 15
Música e Poder
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Etiquetas: António Pinho Vargas, livros
segunda-feira, março 14
Café do Molhe
(ou talvez não tenhas sido
tu, mas só a ti
naquele tempo eu ouvia)
porquê a poesia,
e não outra coisa qualquer:
a filosofia, o futebol, alguma mulher?
Eu não sabia
que a resposta estava
numa certa estrofe de
um certo poema de
Frei Luis de Léon que Poe
(acho que era Poe)
conhecia de cor,
em castelhano e tudo.
Porém se o soubesse
de pouco me teria
então servido, ou de nada.
Porque estavas inclinada
de um modo tão perfeito
sobre a mesa
e o meu coração batia
tão infundadamente no teu peito
sob a tua blusa acesa
que tudo o que soubesse não o saberia.
Hoje sei: escrevo
contra aquilo de que me lembro,
essa tarde parada, por exemplo
Manuel António Pina in Ao Porto, Colectânea de Poesia sobre o Porto, pag. 163, Publicações Dom Quixote, 2001
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Etiquetas: Manuel António Pina, Poesia
hoje seria dia do seu aniversário
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Etiquetas: Albert Einstein, livros
domingo, março 13
o não lugar de Lina Faria
[o olhar antropológico de Lina Faria. um não lugar que de vez em quando fico com saudades de visitar. e quando visito demoro-me e delicio-me e visito Curitiba, enquanto não a visito...]
imagem: ©linafaria
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Etiquetas: blogs que leio, fotografia, Lina Faria
A princesa de braços cruzados
— Não quero trabalhar, nem estudar, o que eu quero é namorar. — disse a princesa e cruzou os braços. Dormia de braços cruzados e tinham de lhe dar de comer porque a princesa só podia abrir os braços para abraçar o namorado e não havia nenhum namorado para ela. Quando se acabou o dinheiro, acabaram-se as criadas e acabou-se a comida. A princesa morreu de fome, muito suja, mas sempre de braços cruzados. E nem os cangalheiros nem os médicos legistas lhe conseguiram descruzar os braços porque nem os cangalheiros nem os médicos legistas eram o namorado da princesa de braços cruzados porque não havia nenhum namorado para ela. Foi conservada em formol dentro de um frasco de vidro transparente para ser mostrada aos visitantes do Museu de Historia Natural. Na placa que dá informações sobre o conteúdo do frasco está escrito em latim: “só descruzará os braços quando lhe aparecer um namorado”. Todos no Museu têm a esperança de que um dia um visitante saiba latim e seja o namorado da princesa de braços cruzados. Mas a empregada do balcão do bar do Museu, menos positivista do que o resto do pessoal, resolveu fazer o mesmo que a princesa dos braços cruzados. Por isso não há bicas para ninguém.
Adília Lopes in Caras Baratas, pag.117, Relógio D´Água, 2004
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Etiquetas: Adília Lopes, poemas
Rotação
Tudo gira
neste mundo
tudo gira
A lua em redor
da terra e a terra
em redor do sol
e o sol em redor
seja do que for
E enquanto a lua
gira em redor
da terra e aterra
em redor do sol
e o sol em redor
seja do que for
a lua a terra e o sol
giram também
em redor do eixo
que têm
Tudo gira
neste mundo
tudo gira
Que eu gire
em redor de ti
não admira
Jorge Sousa Braga in Pó de Estrelas, Assírio&Alvim, 2004
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Etiquetas: aniversários, os meus sobrinhos são genias, poemas
As Paredes Têm Ouvidos...de Manuela Pimentel
Paredes que contam histórias. Que abrigam amores. Dividem espaços. Unem e separam. Como se tudo isso fosse uma mesma coisa. Como se tudo isso não fosse, mais ou menos distraidamente, a nossa vida. Azulejos antiquíssimos que são a história de um país. De uma cultura. Tapados por cartazes que anunciam histórias que ainda estão por acontecer. Espectáculos, exposições, manifestações. Gente que escreve por cima das paredes. Dos azulejos. Que rasga os cartazes. Que cola por cima. Que conta pedaços da sua história, declara amores, revoltas, desejos. Que barafusta. Que deixa mensagens que nos habituámos a não reparar.
Mário Cesariny escreveu "Entre nós e as palavras, os emparedados. Entre nós e as palavras o nosso dever Falar".
Manuela Pimentel desemparedou as mensagens. Arrancou cartazes. Pintou azulejos. Reproduziu mensagens de amor, e outras, que insistiram em falar com ela. Rasgou pedaços e deixou-nos espreitar o coração do seu trabalho. Vem aprendendo a cidade e achou que your ex miss you, numa parede em Leça da Palmeira, tinha sido escrito para ela. E porque não? Se As Paredes Têm Ouvidos...
Pedro Lamares
As Paredes têm Ouvidos - Exposição de Manuela Pimentel,
até 7 de Maio, no Espaço João Pedro Rodrigues
Rua Nossa Senhora de Fátima, 268 - 4050-426 Porto
Telf: 22 017 35 96 - Tlm : 93 431 19 99
Horário de funcionamento
Terça a sexta feira 10h00/13h00 | 15h00/19h30
Sábado 15h00/19h30
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Etiquetas: Exposições
A ilusão do breve
«A Câmara Municipal de Fafe e a Editora Labirinto têm a honra de convidar V. Exa. para a sessão de lançamento do livro “A Ilusão do Breve ”,
poemas de António Almeida Mattos e desenhos de Júlio Resende, que terá lugar no próximo dia
17 de Março, pelas 21h30, na Biblioteca Municipal de Fafe, no âmbito das II Jornadas Literárias.
A obra será apresentada pela Professora Doutora Isabel Pires de Lima.»
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"Correntes" por Claudia Sousa Dias
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...Talvez tenha acabado de ler o Cândido...
Olhemos para a imagem de capa deste livro e perceberemos [...] Ali está sentada uma senhora com uma expressão deveras enérgica. Já não está a ler, desde há alguns instantes que acabou a leitura. Na sua cabeça, porém, ainda ressoam as palavras, as frases, as ideias que acabou de ler. Fê-lo naqueles três volumes das edições de capa amarela dos clássicos franceses. Terá sido Voltaire? Talvez tenha acabado de ler o Cândido [...]
Stefan Bolmann in Mulheres que lêem são perigosas, Quetzal, 2007
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sábado, março 12
Foz do Arelho ou Primeiro Poema do Pescador

Um pequeno lugar onde Camilo Pessanha voltava sempre
talvez pelo sol e as espadas frias
talvez pelas orquestras e os vendavais
ou apenas os restos sobre a praia
«pedrinhas conchas pedacinhos d'osso»
e nada mais.
Um pequeno lugar onde se pode ouvir a música
o vento o mar as conjunções astrais
um pequeno lugar do mundo
onde à noite se sabe
que tudo é como as luzes que cintilam
um breve instante
e nada mais.
Manuel Alegre
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sexta-feira, março 11
Reduto Quase Final
«Na releitura de Reduto Quase Final o que mais surpreende no autor de O Que Diz Molero, depois do seu discurso endereçado a García Marquez, é a intenção primordial de a 'escrita' ser quase personagem imediata da ambiência de todo o livro, cujos textos em rigor se não podem enquadrar literariamente como novelas ou contos, nem como narrativa autobiográfica no seu conjunto e Dinis Machado nos confessar que este livro 'começa por ser, de alguma maneira, a tentativa de fixar um certo número de memórias particularmente expressivas em mim'.
Mas se a escrita ganha essa autonomia que já se declarava nas páginas de Molero, não é menos exacto dizer-se que, por entre a profusão de referências literárias e outras, mesmo no desvendar da força e envolvência das palavras, nos signos e símbolos de que sempre se rodeiam ou por eles se impõem (as palavras têm as suas 'casas' na memória e intenção do narrador quando delas se serve e a elas sempre apela para povoar o vazio do seu 'reduto' ou 'trincheira'), é o tempo e a recordação dos lugares que se ergue como 'matéria' ficcional ou biográfica de querer recuperar outra imagem de um passado vivido, das pessoas que andaram pelos mesmos cafés, nos sonhos de filmes ou livros para preencher o vazio das horas, talvez nesse sentido paradigmático (como se evoca acerca de A Queda de Camus, e é certamente dos melhores textos deste livro) do gosto de falar e de escrever para se ouvir ou 'ter de se reconhecer naquilo mesmo que escreve. E assim se explica: 'Tenho que me reconhecer no que escrevo. Não vale a pena se não for assim. Nem se trata, ao de leve, de contrariar outros processos, ou teorias. Ou outras formas de relação com as palavras, a linguagem, o texto' (pág.87).
Poucas vezes, entre nós, o ficcionista costumava colocar a si mesmo, como é hoje norma muito seguida, esse problema de a 'escrita' se impor como razão estética do próprio acto de criar, como na linguagem pictórica é importante a cor ou o sentido de composição de que o pintor se serve nas diferentes gradações da sua arte. Mas é quase imperativo que, nas entrelinhas ou nas linhas cruzadas do que se escreve, se possa encontrar a justificação do 'modo de escrever', em jeito de explicação necessária para se não trocarem as voltas ao texto, se dizerem coisas que de perto se não relacionem com as intenções do autor. E, nesse exercício de escrita, como expressivamente se evidencia em Reduto Quase Final, o que sobra para a compreensão do leitor é ainda a atitude de se dizer que as palavras se encontram nas 'casas' certas, se utilizaram estas e não outras, enfim, se está disposto a 'ser melhor todos os dias', que as intenções foram estas e não outras, que o autor nunca teve nem poderia ter. Tudo certo, e assim muito bem explicado. Mas o que melhor se entende, na urgência da escrita de um livro como este de Dinis Machado que relemos a uma distância de dez anos, é sobretudo a intenção primeira da sua propositada incursão pelos meandros do tempo e da memória, mesmo que nos confesse não ter sido esse o pretexto. O livro impôs-se 'por dentro', rápido e urgente, sem tempo para ficar na gaveta a amadurecer, na imperiosa razão pessoal de lhe não dar outra oportunidade: chegar ao fim da escrita e fazê-lo entrar na máquina, enxuto de outras versões ou tentativas literárias, colocá-lo nas mãos do leitor, e ainda lhe poder dizer que 'escrever tinha, para mim, nas ocasiões mais urgentes, um carácter ritualista'». [...]
Continua aqui.
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Mãe!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão pela minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro, 1921
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quinta-feira, março 10
inspirações III
SRD – O que há de trágico, eloquente, palpitante, em Guilhermina Suggia ou Goya, ou até nas pessoas da rua, para que se transformem em figuras biografáveis?
MC – No caso da Guilhermina Suggia, foi a circunstância de ela ser, como eu, uma natureza extraordinariamente turbulenta em termos de afectos. Conheci a Guilhermina Suggia quando tinha seis anos, mas não me lembro de nada. Escrever sobre uma pessoa que conheci, mas esqueci, era desafiante.
[excerto de uma entrevista a Mário Cláudio aqui]
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inspirações I

Edifiquei (foi esse o grande mal)
Alto castelo, o que é a fantasia,
Todo de lápis-lazúli e coral!
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Etiquetas: António Nobre
A terra é azul...
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Etiquetas: coisas minhas
quarta-feira, março 9
A biblioteca do Senhor Juarroz
O senhor Juarroz gostava de organizar a sua biblioteca de maneira secreta. Ninguém gosta de revelar segredos íntimos.
O senhor Juarroz primeiro organizara a biblioteca por ordem alfabética do título de cada livro. Rapidamente, Porém, foi descoberto.
O senhor Juarroz organizou depois a sua biblioteca por ordem alfabética, mas tendo em conta a primeira palavra de cada livro.
Foi mais difícil, mas ao fim de algum tempo alguém disse: já sei!
A seguir o senhor Juarroz reordenou a biblioteca, mas agora por ordem alfabética da milésima palavra de cada livro.
Há no mundo pessoas muito perseverantes, e uma delas, depois de muito investigar, disse: já sei!
No dia seguinte, assumindo este jogo como decisivo, o senhor Juarroz decidiu arrumar a biblioteca a partir de uma progressão matemática complexa que envolvia a ordem alfabética de uma determinada palavra e o teorema de Godel.
Assim, para estranheza de muitos, a biblioteca do senhor Juarroz começou a ser visitada, não por entusiastas da leitura, mas por matemáticos. Alguns passaram tardes a abrir os livros e a ler certas palavras, utilizando o computador para longos cálculos, tentando assim encontrar a todo o custo a equação matemática capaz de desvendar a organização da biblioteca do senhor Juarroz. Era, no fundo, um trabalho de descoberta da lógica de uma série, semelhante a 2 1 9 1 30 1 93
Pois bem, passaram dois, três, quatro meses, mas chegou o dia. Um reputado matemático, completamente vermelho e eufórico, segurando, na mão direita, um bloco gigante coberto de números, disse: Já sei! E apresentou depois a fórmula da série que baseava a organização da biblioteca.
O senhor Juarroz ficou desanimado e decidiu desistir do jogo. Basta!
No dia seguinte pediu à sua esposa para organizar a biblioteca como bem entendesse. Por ele estava farto.
Assim foi. Nunca mais ninguém descobriu a lógica da organização da biblioteca do senhor Juarroz.
Gonçalo M. Tavares in O Senhor Juarroz
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A beleza perece perante a vida...
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Estar contigo ao acordar
Estar contigo ao acordar, ver como
se abrem as tuas pálpebras, cortinas
corridas sobre o sonho, sacudir dos
teus lábios o silêncio da noite para
que um primeiro riso me traga o dia:
assim, amor, reconheço a vida que
entra contigo pela casa, escancara
janelas e portas, deixa ouvir os pássaros
e o vento fresco da manhã, até que voltas
para junto de mim, e tudo recomeça.
Nuno Júdice
poema desviado daqui
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Lugar 1 -
«Lugar 1 –
nesse lugar havia uma mulher que não queria ter filhos de seu ventre. Pedia aos homens que lhe trouxessem os filhos de suas mulheres para educá-los numa grande casa de um só quarto e de uma só janela; usava um xaile preto junto de seu rosto; tinha uma maneira distante de fazer amor: pelos olhos e pela palavra. Também pelo tempo, pois desde os tempos de sua bisavó, voltar a qualquer época era sempre possível. A mover-se, olhava por vezes com fixidez um sítio o mais belo de sua casa a casa toda porque toda a casa era bela e começava nesse olhar ora o tempo das crianças, ora o tempo dos homens. Mulheres, não havia outra, além dela, nunca ultrapassavam a entrada, que dava para a terra, terra de jardim onde se podiam dar passeios. Os homens ficavam contentes porque ela dizia todas as vezes não és tu que importas, é o seguinte. Certificavam-se, portanto, de que, no momento antes, haviam sido o próximo.»
(…)
O Livro das Comunidades, Maria Gabriela Llansol (Ed. Relógio d’Água)
Desviado daqui.
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porque sim
Guias Sonoras e outras abrasivas, de João Pedro Mésseder.
Já nas livrarias.
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...não há nenhum rio Arelho...essa é que é essa!
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Jornadas da Biologia da Conservação
«Diversos fenómenos ambientais como o aquecimento global, a emissão de poluentes, o abandono agrícola ou a desertificação, têm vindo a ser apontados como os principais responsáveis pela perda de biodiversidade e diminuição das populações de algumas espécies.
Neste contexto, a Biologia da Conservação é um ramo da Biologia que tem como principal objectivo manter os níveis de biodiversidade. Estudando a ecologia das populações das espécies ameaçadas e apontando as principais ameaças, propõe medidas de gestão de forma a inverter as actuais tendências de decréscimo.
Através das Jornadas de Biologia da Conservação, a ALDEIA pretende reunir especialistas portugueses e estrangeiros e todos os interessados nesta temática, para fomentar a partilha de informação e conhecimentos, lançando novas metas e propostas de trabalho futuro.
As Jornadas da Biologia da Conservação iniciaram-se em 2005 em Bragança como uma introdução à temática, em 2008 em Macedo de Cavaleiros com o tema da recuperação de aves Rupícolas, em 2009 em Seia com o tema Biótopos de montanha e em 2010 em Campo Maior enquadrada no Ano Internacional da Biodiversidade, tendo sempre uma boa receptividade e participação por parte do público.
Nesta 5ª edição, fazendo o enquadramento no Ano Internacional das Florestas, serão abordados diversos temas relacionados com a conservação, a sustentabilidade e a importância das Florestas na Conservação da Natureza sob diferentes pontos de vista, conceitos e relevâncias».
Mais informações é só espreitar pelo buraco da fechadura.
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...a mala, outra vez...
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terça-feira, março 8
...longo indelével rasto que o não vivido deixa...
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
[...]
Sophia de Mello Breyner Andresen
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Etiquetas: Sophia de Mello Breyner Andresen
Foi em Merano...
Foi em Merano, em 1920, que Kafka e Milena começaram a amar-se. As cartas de Kafka que foram conservadas são testemunho da violência deste amor, da sua dimensão trágica. Quando as li, fiquei com o coração a bater, submersa pelas recordações de Milena. Tudo o que possa ser lido, escrito pela caneta deste poeta abençoado pelos deuses, é único, excepcional. Milena era tal como Kafka a via, ela era a amante. O amor era para ela a única coisa verdadeiramente grande da vida. Sentia, sofria tão intensamente, que conseguia abandonar-se totalmente, tanto nos planos moral e físico como no espiritual. Ignorava qualquer pudor vão, e considerava que não era vergonha sentir com intensidade. O amor era para ela qualquer coisa de claro, de evidente. Nunca recorreu a qualquer artifício feminino, fosse ele qual fosse; ignorava o jogo e a sedução. Amante, possuía esse dom raro que consiste em adivinhar os sentimentos do outro; conseguia mesmo, vários dias depois,descrever ao seu companheiro a cadeia de sensações que a haviam atravessado e levado a um determinado instante. «Nada sabemos sobre um ser antes de o termos amado», disse-me um dia. [...]
Mas Milena, tão forte, tão jovem, Milena com a sua «força que dá vida», não estava ligada e unida a Kafka apenas pelo amor físico.

«Perguntaste-me uma vez como podia eu chamar "bom" a esse sábado que passei com o coração angustiado; é muito fácil de explicar. Amando-te ( e eu amo-te, tontinha, como o mar ama o mais pequeno dos grãos de areia das suas profundezas; o meu amor não te submerge menos; e pudesse eu ser também para ti, com a permissão dos céus, o que esse grão de areia é para o mar!); amando-te, amo o mundo inteiro; o teu ombro esquerdo incluído; não, foi o direito que foi o primeiro, e esta é a razão porque tu beijo, se me apetece (e se tu tiveres a amabilidade de o libertar um pouco da tua blusa); o teu outro ombro está também incluído, e o teu rosto, sobre o meu na floresta, e o teu rosto sob o meu na floresta, e a minha cabeça que repousa sobre o teu seio quase nu. E é por isso que tens razão ao dizer que só o fizemos uma vez; não é isso que me mete medo, pelo contrário, é a minha única felicidade, o meu único orgulho, e eu não me limito à floresta. [...].
in Milena, pag. 60 e 61, tradução de Maria da Graça Lachaud, Difel, 1988
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A poesia não se inventou para cantar o amor
[...] A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra [...].
Eça de Queirós in A Correspondência de Fradique Mendes
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bom dia!

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A felicidade é chegar a casa.
A felicidade é chegar a casa. Do ponto minúsculo do céu, debruçada sobre a janela, vejo as paisagens estranhas e geométricas do meu país. Tento adivinhar se ainda é Ribatejo, de que lado aterraremos, que luz terá Lisboa. Sou alfacinha, nasci na Avenida da República, uma das artérias principais da cidade. Fui educada de acordo com a ideia de que a nossa galinha é boa e gorda, apetitosa e surpreendente, contrariando a ideia de que a da nossa vizinha é que nos enche de possibilidades e alegrias. Portugal é um país de sonhos, de poetas e escritores, de aventureiros e viajantes. Aprendi estas coisas muito cedo, mão dada com o meu tio-avô, que me obrigava a ver de outra forma, exercitar a imaginação, pensar mais além. Uma vez, na raia, ali a espreitar a vizinha Espanha aprendi que temos as fronteiras mais antigas da Europa, datam do século XIII. Não somos um povo que se possa confundir com qualquer outro. Não o escrevo por arrogância ou falta de modéstia, antes por ser exactamente assim. Se fossemos passíveis de ser engolidos por outra cultura teríamos um percurso distinto, seríamos espanhóis, por exemplo. Nós, portugueses, somos do mundo e o mundo inteiro cabe na nossa geografia. Conheço o país de lés a lés e sei distinguir algumas tradições, sotaques, devoções. Sim, porque somos devotos de algo que existirá um dia, temos esperança nessa ideia feliz de futuro. Quando saímos de casa vamos pelo mundo levando a nossa portugalidade. Aconteceu-me chegar, noite alta, a uma terrinha no nordeste do Brasil e ouvir um poema de Fernando Pessoa. Na Índia, em Goa, uma velhinha cantou-me um fado de Amália Rodrigues e ensinou-me que a fadista também escrevia. Em Moçambique, no clube de aviação, recolhi todas as histórias que consegui e, no fim, escrevi no cabeçalho do meu bloco de notas: amizade. De regresso a casa, aí onde reside a felicidade, percebo sempre, de todas as vezes, que ser português não é um acaso e que a terra que nos une, daqui até à Mãe Rússia, vai-se transformando e transfigurando, sendo que nós nos mantemos iguais: a ponta da Europa, um beiral sobre o Atlântico. Podemos partir, mas o que importa verdadeiramente é o regresso. Portugal abraça-nos com mansidão e sem exigências quando voltamos. Há cidades que nos perdem, vilas que nos surpreendem, estados de espírito diferentes e, no entanto, todos juntos formam esta ideia de casa que acarinho. A nossa pequenez geográfica não se reflecte na alma, somos grandes. Sim, porque países pequenos têm grandes ideias e podem ser tesouros por descobrir. Seja, por isso, bem vindo à nossa casa.
Patrícia Reis
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segunda-feira, março 7
Para que os pormenores se tornem concretos...
Para que os pormenores se tornem concretos e ganhem sentido, a linguagem usada deve ser o mais exacta e rigorosa possível.
As palavras podem, mesmo, ser tão precisas que pareçam insípidas; porém, se forem bem utilizadas, farão soar todas as notas, em todos registos.
Raymond Carver in De que falamos quando falamos de amor, Editorial Teorema
[citação desviada daqui, por onde gosto tanto de passear...helena]
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à descoberta de uma cidade que não vem nos guias
[...] Era no Hôtel de Lauzun que Le Club des Hachichins realizava as suas reuniões. Aí, um grupo de homens ligados às letras e às artes — incluindo os escritores Balzac, Gautier e Baudelaire e os pintores Édouard Manet, Honoré Daumier e Constantin Guys — reunia-se com umas quantas mulheres para passar longas noites em que ouviam música e... comiam haxixe (porque, pelos vistos, o haxixe era servido sob a forma de uma geleia esverdeada), O anfitrião, Fernand Boissard, um pintor menor, era rico (sem depender de heranças) e vivia no principal e principesco andar do Hôtel, onde tinha um clavicórdio, ao que parece decorado com pinturas de Watteau, e elegantes peças de mobiliário que casavam na perfeição com as paredes e as portas pintadas, esculpidas e douradas. Boissard costumava tocar violino quando estava pedrado; ou então contratava músicos para o acompanharem num trio de Beethoven ou Mozart.
Uma das visitas da casa, Paul Guilly, lembra que Boissard
...era um homem que vivia para o refinamento e a volúpia e que tinha verdadeiro horror aos convidados importunos ou maçadores. O seu maior prazer era receber e, por isso mesmo, seleccionava as visitas com todo o cuidado; não se podia aparecer sem convite, mas, a partir do momento em que éramos admitidos no círculo íntimo, podíamos fazer ou dizer aquilo que nos apetecesse. Rodeava-se de artistas que partilhavam os seus gostos e de belas raparigas que não eram obtusas, nem, em abono da verdade, completamente ignorantes das questões espirituais ou artísticas. Acima de tudo, Boissard adorava os jantares com amigos sinceros, incondicionais, essas noites íntimas em que passávamos horas debatendo os significados de um paradoxo entre um pouco de música de cravo e as estrofes de um poema.
Théophile Gautier deixou-nos um relato extremamente colorido da sua primeira participação numa das reuniões mensais do Club des Hachichins. Nesse texto, Gautier recorda que estava uma noite de breu e um nevoeiro muito cerrado — uma verdadeira tela de algodão que esbatia todos os objectos e que só a luz das lanternas ou das janelas conseguia penetrar. Além disso, caía uma chuva fria, de tal forma que o cocheiro de Gautier mal conseguia enxergar a placa de mármore que indicava o nome do Hôtel. Uma velha criada abriu-lhe a pesada porta e, com um dedo magro, indicou-lhe o caminho.
De súbito, o escritor viu-se diante de uma daquelas escadarias gigantescas construídas na época de Luís XIV (tão gigantesca, de facto, que uma casa moderna caberia toda lá dentro com a maior facilidade, diz Gautier). A estátua de uma quimera egípcia erguia uma única vela. Pensando nos cortesãos do século XVII com as suas rendas e perucas, Gautier concluiu que estava pessimamente vestido para a ocasião. No andar de cima, Gautier tocou a uma sineta e logo penetrou numa ampla sala, iluminada apenas numa das extremidades; nesse instante, teve a clara sensação de que acabara de recuar dois séculos.
Um médico encarregava-se do haxixe. Aparecia com uma bandeja carregada de geleia verde e os convidados, depois de terem comido a dose a que tinham direito, passavam uns aos outros as chávenas de café turco. Tendo começado com a última coisa que se serviria num jantar francês normal, sentavam-se depois a uma mesa a fim de degustarem uma refeição mais convencional. Os pratos e os copos, contudo, eram estranhos, exóticos — pratos de serviços diferentes (da China, do Japão, da Saxónia), copos de cristal de Veneza. Sob a influência da droga, a água sabia a vinho e a carne a framboesas. Com a refeição já perto do fim, Gautier sentiu que estava a enlouquecer. As alucinações que, durante o jantar, se tinham apossado dele em vagas intermitentes, converter-se-iam, durante o resto da noite, numa parte permanente, embora sujeita a flutuações constantes, da sua percepção.
Todos os sinais de quem está totalmente, delirantemente, ou mesmo perigosamente pedrado, e que o meu caro leitor tão bem conhece, eram já algo de familiar para os frequentadores e residentes do Hôtel de Lauzun mais dados às artes e às letras. Rompiam num riso incontrolável e, escassos segundos depois, um medo inexprimível apossava-se deles, logo seguido de um plangente amor a toda a humanidade ou da total imersão num livro de gravuras. Os movimentos tornavam-se lentos e viscosos, o tamanho dos quartos expandia-se de uma forma brutal, um sentido do épico e do magnificente distorcia a atmosfera da reunião, para logo ser substituído por um olhar que descobria com repulsa os grotescos rostos dos outros hachichins. Tudo era tão distorcido — e tão apelativo para a imaginação — que não admira que Gautier tivesse usado a palavra «fantasia» para descrever uma tal noite. Saberia Gautier (por certo sabia) que uma fantasia era também uma composição musical de forma livre aberta ao improviso? Ou que, em Marrocos, uma fantasia era uma gala equestre e militar que envolvia espectaculares investidas de sucessivos esquadrões de cavalaria dotados de inexcedíveis talentos na arte da equitação, os homens vestidos com figurinos de veludo debruados a ouro e mantos esvoaçantes, montando magníficos garanhões, acompanhados por uma banda e por tambores e até por danças, e com toda a cena envolta no nevoeiro causado pelo fumo das fogueiras onde se preparava o banquete que se seguiria ao espectáculo?
Como seria de esperar, Balzac inspeccionou com toda a atenção a geleia verde e chegou mesmo a pegar nos diversos apetrechos, provenientes do Próximo Oriente, que se destinavam ao consumo da droga, e, como era seu timbre, fez todas as perguntas do género «recolha de informações» — mas não provou nem um miligrama do haxixe, receando perder o controlo da sua vontade de aço ou da sua influenciável mente. Provavelmente, o Clube dos Consumidores de Haxixe não se reuniu mais de oito ou nove vezes. Também não há nenhuma prova de que o próprio Baudelaire tenha experimentado a droga mais do que uma ou duas vezes; de qualquer modo, o poeta considerava o vinho preferível ao haxixe, já que o vinho, dizia ele, era mais «democrático» porque mais barato e mais facilmente disponível (tal e qual como Oscar Wilde, Baudelaire era simultaneamente um «socialista» e um snob estético). Para ser mais exacto, Baudelaire louvava tanto o vinho como o haxixe por promoverem «o excessivo desenvolvimento poético da humanidade», mas não deixava de acentuar que o vinho exalta a vontade, o haxixe aniquila-a. O vinho é um sustento para o corpo, o haxixe uma arma para o suicídio. O vinho torna as pessoas boas e amistosas. O haxixe isola, O vinho significa trabalho duro, ao passo que o haxixe é um sinónimo de preguiça. Por que estranha razão há-de alguém suportar a maçada que é trabalhar, lavrar a terra, escrever, enfim, fazer o que quer que seja, se, com uma fumaça, pode alcançar o paraíso? O vinho é para as pessoas que trabalham e que merecem bebê-lo. O haxixe pertence à categoria dos prazeres solitários; foi feito para o ocioso infeliz, O vinho é útil, produz resultados frutíferos. O haxixe é inútil e perigoso.
É possível que a imaginação de Baudelaire fosse tão espicaçada pela atmosfera do Hôtel de Lauzun como pelo próprio haxixe. Ele e Gautier celebravam a história segundo a qual a palavra haxixe estaria ligada à palavra assassino; no seu conto Le Club des Hachichins, Gautier conta mesmo a história do déspota «oriental» que transformou os seus homens em saqueadores (ou assassinos) desvairadamente intrépidos e sem o menor medo da morte, mantendo-os constantemente pedrados com haxixe. [...]
Edmund White in Paris, os passeios de um flâneur, tradução José Vieira de Lima, ASA, 2004
[agradeço ao JDA a memória repentina deste livro e, ainda, a interrupção de uma certa intenção que, hoje, cruzou o meu pensamento. é tão curioso!
gosto da palavra flâneur. gosto bastante. mais do que em inglês ou português]
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domingo, março 6
Talvez eu tenha um sentido falatalista da vida.
Talvez eu tenha um sentido fatalista da vida. Mesmo quando era novo, eu dizia a mim próprio que aquilo que fosse para mim viria a parar-me às mãos. Não tenho de ir à procura, é só estar atento. Se há alguma sabedoria na minha vida, é saber esperar.
José Saramago in The Independent, Londres, 31 de Julho de 1993
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a noite pede música
[inspirada pela versão postada pelo Luís :)]
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Os meu blocos estão atafulhados de apontamentos
[...] Os meu blocos estão atafulhados de apontamentos desordenados: lugares, nomes,cheiros, horários, citações, títulos de livros ou autores que não encontrei, direcções, números de telefone para onde não liguei ou liguei e não atenderam, tarefas que me propunha fazer e afinal consistiam no prazer de estrear a quadrícula das folhas em branco.
Raramente começo uma viagem sem um bloco novo. Procuro-os nas pequenas papelarias, preferencialmente de província, onde me anima acreditar que sou esperado por um bloco de folhas imaculadamente pardas, dimensão consentânea com o bolso da camisa, do blusão, sem que a espiral metálica entre em conflito com a lapiseira e o cachimbo.
Essa ronda é apenas um dos muitos subterfúgios a que recorro para ritualizar a viagem da escrita em viagem, pois nada me impede de recorrer aos guardanapos de papel - durante as vagabundagens estáticas - entretendo-me a formar cadernos onde deposito uma escrita deliciosamente indecifrável e aleatória, sem me preocupar que o seu futuro não exceda a utilidade do suporte: o guardanapo, recorde-se.
Por vezes, raras vezes, entretenho-me a arrumar ou consultar esses blocos incompletos e descubro citações de livros, também eles abandonados a meio, que provavelmente anotei na ilusória expectativa de um futuro melhor do que o prazer concedido pelo esquecimento.
O mesmo se passa com a facilidade com que cedo à tentação de comprar livros ou cachimbos, não consentindo que esse impulso mágico seja perturbado pelo pressentimento de que já os possuo. É um facto que fico sempre com menos dinheiro, mas quando compro esse livro ou esse cachimbo - mais frequentemente um livro - não admito que pudores consumistas me algemem o prazer da repetição.
Além do mais, sei que existe sempre alguém a quem o oferecer, ou trocar pelo livro que comprou também animado pelo mesmo incontrolável prazer de o voltar a comprar.
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...ir à Pó dos Livros...

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...a pensar em ti...
[...mas sem a tua técnica, querida Zaclis... :)
...na Rua da Rosa, ainda, mas no número 224 uma açorda de gambas deliciosa...faltavas tu e o teu ...pois!... com sotaque português...]
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
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Vai Ricardo Reis a descer a Rua dos Sapateiros...
Vai Ricardo Reis a descer a Rua dos Sapateiros quando vê Fernando Pessoa. Está parado à esquina da Rua de Santa Justa, a olhá-lo como quem espera, mas não impaciente. Traz o mesmo fato preto, tem a cabeça descoberta. [...] Fernando Pessoa sorri e dá as boas-tardes, respondeu Ricardo Reis da mesma maneira, e ambos seguem na direcção do Terreiro do Paço, um pouco adiante começa a chover, o guarda-chuva cobre os dois, embora a Fernando Pessoa o não possa molhar esta água, foi o movimento de alguém que ainda não se esqueceu por completo da vida, ou teria sido apenas o apelo reconfortador de um mesmo e próximo tecto, Chegue-se para cá que cabemos os dois, a isto não se vai responder, Não preciso, vou bem aqui. Ricardo Reis tem uma curiosidade para satisfazer, Quem estiver a olhar para nós, a quem é que vê, a si ou a mim, Vê-o a si, ou melhor, vê um vulto que não é você nem eu, Uma soma de nós ambos dividida por dois, Não, diria antes que o produto da multiplicação de um pelo outro, Existe essa aritmética, Dois, sejam eles quem forem, não se somam, multiplicam-se, Crescei e multiplicai-vos, diz o preceito, Não é nesse sentido, meu caro, esse é o sentido curto, biológico, aliás com muitas excepções, de mim, por exemplo, não ficaram filhos, De mim também não vão ficar, creio, E no entanto somos múltiplos, Tenho uma ode em que digo que vivem em nós inúmeros, Que eu me lembre, essa não é do nosso tempo, Escrevi-a vai para dois meses, Como vê, cada um de nós, por seu lado, vai dizendo o mesmo, Então não valeu a pena estarmos multiplicados, Doutra maneira não teríamos sido capazes de o dizer. Preciosa conversação esta, paúlica, interseccionista, pela Rua dos Sapateiros abaixo até à da Conceição, daí virando à esquerda para a Augusta, outra vez em frente, disse Ricardo Reis parando, Entramos no Martinho, e Fernando Pessoa, com um gesto sacudido, Seria imprudente, as paredes têm olhos e boa memória, outro dia poderemos lá ir sem que haja perigo de me reconhecerem, é uma questão de tempo. Pararam ali, debaixo da arcada, Ricardo Reis fechou o guarda-chuva, e disse, não a propósito, Estou a pensar em instalar-me, em abrir consultório, Então já não regressa ao Brasil, porquê, É difícil responder, não sei mesmo se saberia encontrar uma resposta, digamos que estou como o insone que achou o lugar certo da almofada e vai poder, enfim, adormecer, Se veio para dormir, a terra é boa para isso, Entenda a comparação ao contrário, ou então, que se aceito o sono é para poder sonhar, Sonhar é ausência, é estar do lado de lá, Mas a vida tem dois lados, Pessoa, pelo menos dois, ao outro só pelo sonho conseguimos chegar, Dizer isso a um morto, que lhe pode responder, com o saber feito da experiência, que o outro lado da vida é só a morte, Não sei o que é a morte, mas não creio que seja esse o outro lado da vida de que se fala, a morte, penso eu, limita-se a ser, a morte é, não existe, é, Ser e existir, então, não são idênticos, Não, Meu caro Reis, ser e existir só não são idênticos porque temos as duas palavras ao nosso dispor, Pelo contrário, é porque não são idênticos que temos as duas palavras e as usamos. Ali debaixo daquela arcada, disputando, enquanto a chuva criava minúsculos lagos no terreiro, depois reunia-os em lagos maiores que eram poças, charcos, ainda não seria desta vez que Ricardo Reis iria até ao cais ver baterem as ondas, começava a dizer isto mesmo, a lembrar que aqui estivera, e ao olhar para o lado viu que Fernando Pessoa se afastava, só agora notava que as calças lhe estavam curtas, parecia que se deslocava em andas, enfim ouviu-lhe a voz próxima, embora estivesse ali adiante, Continuaremos esta conversa noutra altura, agora tenho de ir, lá longe, já debaixo da chuva, acenou com a mão, mas não se despedia, eu volto.
José Saramago in O Ano da Morte de Ricardo Reis
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sábado de manhã, no Chiado
[um café no Chiado, se houver tempo, é "certo como o destino". por acaso, ao som de um saxofone. senti-me "turista acidental". mais ainda quando, sábado de manhã, se encontra, por duas vezes, gente do Porto...a aproveitar as mini férias de Carnaval :)]
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Etiquetas: Lisboa
Nas ruas mais pequeninas
Nas ruas mais pequeninas
Que o sol quando vem beijar
Cantam à vida os ardinas
E, nos pregões das varinas
Ouve a gente a voz do mar
José Castelo
imagem: Marta
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Não. Eu não sou um escritor de Lisboa.
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terça-feira, março 1
Escrevo-te com o fogo e a água.
Escrevo-te com o fogo e a água. Escrevo-te
no sossego feliz das folhas e das sombras.
Escrevo-te quando o saber é sabor, quando tudo é surpresa.
Vejo o rosto escuro da terra em confins indolentes.
Estou perto e estou longe num planeta imenso e verde.
O que procuro é um coração pequeno, um animal
perfeito e suave. Um fruto repousado,
uma forma que não nasceu, um torso ensanguentado,
uma pergunta que não ouvi no inanimado,
um arabesco talvez de mágica leveza.
Quem ignora o sulco entre a sombra e a espuma?
Apaga-se um planeta, acende-se uma árvore.
As colinas inclinam-se na embriaguez dos barcos.
O vento abriu-me os olhos, vi a folhagem do céu,
o grande sopro imóvel da primavera efémera.
imagem: António Ramos Rosa
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António Ramos Rosa "Prosas seguidas de diálogo"
de 4 a 31 Março
Apresentação a cargo de Gisela Ramos Rosa e José Bívar (Comissário)
Dia 4 de Março_18h00
«Prosas seguidas de diálogo»
Visionamento de um filme sobre António Ramos Rosa de Adão Contreiras
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: Antonio Ramos Rosa