domingo, março 13

A ilusão do breve


CONVITE
«A Câmara Municipal de Fafe e a Editora Labirinto têm a honra de convidar V. Exa. para a sessão de lançamento do livro “A Ilusão do Breve ”,
poemas de António Almeida Mattos e desenhos de Júlio Resende, que terá lugar no próximo dia
17 de Março, pelas 21h30, na Biblioteca Municipal de Fafe, no âmbito das II Jornadas Literárias.
A obra será apresentada pela Professora Doutora Isabel Pires de Lima.»

domingo, novembro 28

Há palavras que nos beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill

terça-feira, novembro 23

Se eu te mandasse atirar de uma ponte

Se eu te mandasse atirar de uma ponte
atiravas-te?
claro
porque a água era límpida e tinha um tesouro no fundo
mas se fosse um viaduto?
é evidente que caía no colo de uma bruxa que me raptava
e tu ias
[buscar-me e tiravas-me do caldeirão e isso tudo
isso tudo?
pois
isso tudo
contigo é isso tudo
se me mandas morrer
vivo
se me fazes sofrer
é sem dor
se me traíres
vai ser contigo
se me amares
é com outro
dás-me um chuto
e vou de ioió
e se o cordel sair
volto num pião


não há maneira
não há forma
não há jeito


vou voltar para ti mesmo que não queiras
mesmo que não gostes
mesmo que não existas
mesmo que me finem as forças
mesmo que sejas a imagem de um filme a preto e branco em que eras o cinzento]


e não te conheço
e não te mereço


mas amo-te e isso basta
não basta?
basta
não basta?
o amor chega
não chega?
ou queres que leve flores?

João Negreiros, in O Cheiro da Sombra das Flores, pag.71 e 72, 2007


[parabéns querido João Negreiros. Tudo de bom hoje e sempre... e muitos, muitos mais poemas]

sábado, novembro 20

o amor, como tudo na vida, obedece a uma técnica

Introdução
Não é o amor o resultado do impulso, de uma força súbita que parece ter raízes no fundo das entranhas e emerge, cega e desvairada, como a fúria de um vendaval?
Não é o amor a incarnação mesma da espontaneidade?
Não é o amor fogo que consome alma e corpo, que tudo corrói, numa cegueira que se não sabe de onde vem ou para onde vai?
Não é o amor fulguração e fascínio, fogueira de corações e arrebatamento de sentidos?

Seria tudo isso, é certo; assim o haviam cantado, pelo menos, os poetas, muitos deles do seu tempo, como Propércio, Tibulo, até mesmo, Virgílio, e outros antes dele, como Catulo. Seria tudo isso, sim; e, também submissão e entrega, prazer e prisão, escravatura e júbilo.
Contraditório, portanto, paradoxal.
Mas, se assim era, será que podia o amor ser ensinado, será que podiam amestrar-se os amantes, como quem se assenhoreasse, pouco a pouco, de uma técnica que permitisse, no fundo, aprisionar a prisão?
Ovídio, poeta latino do séc. I a.c., acreditava que sim.
Se muitos outros, antes dele, lograram servir-se da poesia para ensinar a cultivar os campos, como o poeta grego Hesíodo, ou a tratar da terra e dos animais, como o seu comtemporâneo Virgílio, ou, mesmo, a dominar a técnica de fazer versos, como esse outro poeta do seu tempo, Horácio, se tantos outros foram capazes de deitar mão da poesia para ensinar múltiplas artes, entendia Ovídio que também podia, ele que conhecia de perto o amor, ousar ensiná-lo. Porque acreditava, por convicção e experiência, diversa, por certo, das experiências dos outros poetas, que o amor, como tudo na vida, obedece a uma técnica e que essa técnica, como todas as técnicas, pode ser ensinada (e aprendida). Com proveito.
in Arte de Amar, Ovídio, pag.9, Livros Cotovia, 2006
Tradução, introdução e notas de Carlos Ascenso André

imagem: Marc Chagall

segunda-feira, novembro 1

Dame


Dame algo más que silencio o dulzura
Algo que tengas y no sepas
No quiero regalos exquisitos
Dame una piedra

No te quedes quieto mirándome
como si quisieras decirme
que hay demasiadas cosas mudas
debajo de lo que se dice

Dame algo lento y delgado
como un cuchillo por la espalda
Y si no tienes nada que darme
¡dame todo lo que te falta!

Carlos Edmundo de Ory


[com vénia ao José João que mo deu a conhecer]

sexta-feira, outubro 29

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura

Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco

Mário Cesariny

terça-feira, outubro 26

it takes courage

quinta-feira, agosto 5

Quando eu não te tinha


Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
...Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.

Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.
Só me arrependo de outrora te não ter amado.

Alberto Caeiro in O Pastor Amoroso

sexta-feira, junho 4

Escuro


Pergunto-me desde quando

deixou de haver futuro

nas janelas


Janeiro dói nos olhos

como areia

e tu e eu estamos para sempre

sentados às escuras

no Verão.


Rui Pires Cabral