terça-feira, maio 24

As palavras [são por vezes um clarão no dia calcinado]


Adiro a uma nova terra adiro a um novo corpo

As palavras identificam-se com o asfalto negro

o tropel das nuvens

a espessura azul das árvores acesas pelos faróis

o rumor verde

As palavras saem de um ferida exangue

de teclas de metal fresco

de caminhos e sombras

da vertigem de ser só um deserto

de armas de gume branco

Há palavras carregadas de noite e de ombros surdos

e há palavras como giestas vivas

Matrizes primordiais matéria habitada

forma indizível num rectângulo de argila

quem alimenta este silêncio senão o gosto de

colocar pedra sobre pedra até á oblíqua exactidão?

As palavras vêm de lugares fragmentários

de uma disseminação de iniciais

de magmas respirados

de odor de gérmen de olhos

As palavras podem formar uma escrita nativa

de corpos claros

Que são as palavras? Imprecisas armas

em praias concêntricas

torres de sílex e de cal

aves insólitas

As palavras são travessias brancas faces

giratórias

elas permitem a ascensão das formas

elevam-se estrato após estrato

ou voam em diagonal

até à cúpula diáfana

As palavras são por vezes um clarão no dia calcinado


Que enfrentam as palavras? O espelho

da noite a sua impossível

elipse

Saem da noite despedaçadas feridas

e são signos do acaso pedras de sol e sal

e da sua língua nascem estrelas trituradas


António Ramos Rosa [de Gravitações,1984]

segunda-feira, maio 23

Palma [s] ...


[gosto dele. que é como quem diz, dos filmes dele]

a noite pede música

Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou


Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego

seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies

e utensílios.


A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,

parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil

(falo de fóssil, mesmo

que ele demore muito a aparecer no que digo),

um som do tamanho de um azulejo: agora que me lembro que era uma palavra


que brilhava nos meus olhos ao vê-la

(ver uma palavra era uma planta muito diferente,

um oxigénio muito difícil de se respirar).


Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.

Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.


Daniel Faria, Poesia, Quasi Edições, 2003

domingo, maio 22

Por este mundo acima


[é já amanhã, às 18.30, em Lisboa.
valter hugo mãe apresenta POR ESTE MUNDO ACIMA de Patrícia Reis.. Ora marque aí na agenda sff.]

a noite pede música

Fado Azul


[...é já dia 31 de Maio, no Casino da Figueira...FADO AZUL...de Helena Sarmento... a não perder!]

Cada homem...


Cada homem deve inventar o seu caminho.

Creativity...

Santa Rita de Cássia


Eu gosto tanto de biografias como de hagiografias. Foi ao ler estas últimas que aprendi que o dia dos santos se comemora no dia da sua morte. Hoje, em diversos pontos do país e do mundo, os crentes católicos comemoram o dia de Santa Rita de Cássia.

Uma santa recente na minha vida - comparada com Santa Teresa ou São Francisco ou Santo Agostinho - e cuja vida me fascina. Tanto que há três anos, fui lá, a Cássia. Uma terrinha "no coração verde" de Itália...imensamente serena, apesar de Assis ser feita de uma paz que nunca tinha experimentado.

Na imagem, vemos o interior da basílica de Santa Rita de Cássia. Projecto original de Monsenhor Chiapetta, modificado por G. Calori e G. Martinenghi. A colocação da primeira pedra data de 20 de junho de 1937. O interior da igreja - belíssimo - «em cruz grega, é constituído por uma cúpula central e quatro absides. Vê-se, pelas paredes, em painéis de mármore branco, a Via-Sacra de Pellini. O grande púlpito em Noz, bem visível, é do escultor Emilio Monti, enquanto ao centro da basílica, sobre o pavimento, está o brasão de Pio XII em mármore de diversas cores. O conjunto dá uma impressão de grande vivacidade. É uma igreja cheia de luz e cores, mas com um tom místico. [...] A cúpula e a restante composição é contínua, cobrindo uma superfície de 300 m2 pintada como um verdadeiro afresco, assinado por Luigi Montanarini».

[...de resto - querida Sónia - claro que há rosas no inverno...e o que mais me encanta é que, até tu, acreditas nisso :)]

porque sim



[...porque está quase a chegar e eu quero ver...]

sexta-feira, maio 20

Experimento então esta liberdade nova:


Experimento então esta liberdade nova: Que desejas tu saber se é verdadeiro e que modo de verdade interessa à tua interior coisa verdadeira? — O amor, respondi eu, o amor. Desejo saber a verdade do amor, respondi eu, segundo a verdade do amor.


Não está mal, pensei bem dentro de mim, enquanto andava de um lado para o outro dos dias, não está mal para começar.

Era então o amor. O amor queima as mãos, disse a minha pequena sabedoria, e as vísceras. A ciência também queima as mãos. E o medo também. Tudo queima as mãos. Precisas escolher o teu fogo.

Escolho o fogo do amor, respondi eu. E experimentei esta nova liberdade.

Estou no centro dos meus poderes — disse. — Estou no meu crime.

Que coisa era o amor para que eu o amasse assim? O amor é escrever-me, transcrever-me, traduzir-me, colocar-me. É pegar em mim, e pôr-me ao mesmo tempo dentro e fora de mim; e reconhecer outra pessoa, trazê-la, rescrevendo-a, e pô-la dentro e fora de si, e tudo se encontrar. E o tempo? O tempo no tempo. E o lugar? O lugar no lugar.

Mas isso mata — pensei eu.

Sim, isso mata — respondi. — Isso queima as mãos, e mata verdadeiramente.

Experimentei esta nova liberdade, e vi que era a loucura que eu esperara como quando se está sem casa e se faz a gente arquitecto, para construir uma casa e dizer: Eis a minha casa. Edificar a casa era queimar as mãos, coisa realmente mortal. E, depois de haver casa, podia-se entrar nela com a nossa morte.

Herberto Helder

Exercício Corporal III in Poesia Toda , 1953–1980, Assírio e Alvim, 1981

imagem: Lucia Messeguer

Never Simple.

a noite pede música

Filipa Leal na Comunidade de Leitores da Almedina

“A Cidade Líquida e Outras Texturas”, “O Problema de Ser Norte” e a “Inexistência de Eva” (todos da Deriva Editores) são os livros de FILIPA LEAL que vão pairar na tertúlia da Comunidade de Leitores da Almedina do Arrábida Shopping, no próximo sábado, dia 21 de Maio, pelas 17 horas. Nesta sessão do ciclo “Porto de Partida”, vai ser possível assistir, também, à leitura de poemas feita pela própria autora. A entrada é livre.

Filipa Leal encara o Porto como “mais do que um porto de partida” e sim “um porto de chegada.” A escritora explica que nunca partiu “verdadeiramente: escrevi um dia que somos uma espécie de aves com raízes, isto porque nunca partimos verdadeiramente de nós próprios. É aqui que regresso sempre, e também é aqui que regresso quando ando à procura de mim. Como escrevi n’«A Cidade Líquida e Outras Texturas», “Demoro-me/ No ventre desta cidade/ que nenhum navio abandonou/ porque lhe faltou a água para a partida“.
Apesar de nenhum dos livros apresentados na sessão pretender ser um “retrato do Porto”, Filipa Leal confessa que “nele encontramos certamente as ruas de que sou feita quando ele me fez”.
A também jornalista deixa um desafio a todos aqueles que queiram participar na sessão: ela servirá para mostrar “a poesia como lugar onde nos podemos reunir”.
NOTA BIOGRÁFICA
Filipa Leal (Porto, 1979) formou-se em Jornalismo na Universidade de Westminster, Londres, e concluiu o Mestrado em Literatura (Estudos Portugueses e Brasileiros) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Fez uma passagem pela Rádio Nova, e foi editora do suplemento «Das Artes, Das Letras» no jornal O Primeiro de Janeiro. Actualmente, é jornalista no Diário Câmara Clara (RTP2) e colaboradora da Casa Fernando Pessoa. Depois de um ano de formação no Balleteatro do Porto, começou a participar, em 2003, em espectáculos de poesia no Teatro do Campo Alegre (Porto), ciclo Quintas de Leitura, e desde então tem feito leituras em diversos locais do país (Centro Cultural de Belém, Casa das Artes de Famalicão, Palácio de Belém, Fundação Eugénio de Andrade, entre outros). Publicou vários livros de poesia, de que se destaca «A Cidade Líquida e Outras Texturas» (publicado também em Espanha, pela editora Sequitur) e «A Inexistência de Eva» (Deriva editores). Está representada em antologias em Itália, Croácia, Colômbia e Galiza, e um dos seus poemas foi musicado pelo Bando dos Gambozinos para o álbum «Com Quatro Pedras na Mão». Foi finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa (Correntes d’Escritas) em 2011, com o livro «A Inexistência de Eva».

Desviado, na íntegra, DAQUI

a noite pede música



[obrigada JD]

quarta-feira, maio 18

A cinza da batalha...

A cinza da batalha
dissolvida em fragor,
depois levada
na garupa do tempo,
no vento das suas crinas

não será mais
                       eu sei

do que a minha alma,
morta para a tua glória,
dispersa no seu próprio esquecimento.

Carlos de Oliveira

a noite pede música



[...saudades...do mar...]

A Sociedade é a imagem do Homem



O aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são ainda maus e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males. Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram a sociedade.


Quando os homens se tornarem bons, a sociedade tornar-se-á boa, sejam quais forem as bases políticas e económicas em que ela assente. Dizia um bispo francês que preferia um bom muçulmano a um mau cristão. Assim deve ser. As instituições aparecem com as virtudes ou com os defeitos dos homens que as representam.


Teixeira de Pascoaes, in A Saudade e o Saudosismo


imagem: Teixeira de Pascoaes por António Carneiro

Coisas que só eu sei


[...] O cetim arrependeu-se da aspereza com que recebera os atenciosos olhares daquela incógnita, que principiava a fazer-se valer como tudo aquilo que apenas se conhece por uma face boa. O cetim juraria, pelo menos, que aquela mulher não era estúpida. E, seja dito sem tenção ofensiva, já não era insignificante a descoberta, porque é mais fácil descobrir um mundo novo que uma mulher ilustrada. É mais fácil ser Cristóvão Colombo que Emílio Girardin. O cetim, ouvida a resposta do veludo, ofereceu-lhe o braço, e gostou da boa vontade com que lhe foi recebido.
- «Conheço » diz ele « que o teu contacto me espiritualiza, belo dominó… »
- « Belo, me chamas tu !… É realmente uma leviandade que te não faz honra !… Se eu levantasse esta sanefa de seda, que me faz bonita, ficavas como aquele poeta espanhol que soltou uma exclamação de terror na presença de um nariz… que nariz não seria, santo Deus !… Não sabes essa história ? »
- «Não, meu anjo ! »
- « Meu anjo !… Que graça ! Pois eu ta conto. Como o poeta se chama não sei, nem importa. Imagina tu que és um poeta, fantástico como Lamartine, vulcânico como Byron, sonhador como MacPherson e voluptuoso comoVoltaire aos 60 anos. Imagina que o tédio desta vida chilra que se vive no Porto te obrigou a deixar no teu quarto a pitonissa descabelada das tuas inspirações, e vieste por aqui dentro a procurar um passatempo nestes passatempos alvares de um baile de Carnaval. Imagina que encontravas uma mulher extraordinária de espírito, um anjo de eloquência, um demónio de epigrama, enfim, uma destas criações miraculosas que fazem rebentar uma chama improvisa no coração mais de gelo, e de lama, e de toucinho sem nervo. Ris ? Achas nova a expressão, não é assim ? Um coração de toucinho parece-te uma ofensa ao bom senso anatómico, não é verdade ? Pois, meu caro dominó, há corações de toucinho estreme. São os corações, que resumam óleo em certas caras estúpidas… Por exemplo… Olha este homem redondo, que aqui está, com as pálpebras em quatro refegos, com os olhos vermelhos como os de um coelho morto, com o queixo inferior pendente, e o lábio escarlate e vidrado como o bordo de uma pingadeira, orvalhada de banha de porco… Esta cara não te parece um grande rijão ? Não crês que este baboso tenha um coração de toucinho ? »
- « Creio, creio ; mas fala mais baixo que o desgraçado está gemer debaixo do teu escalpelo… »
- « És tolo, meu cavalheiro ! Ele entende me lá !… É verdade, aí vai a história do espanhol, que tenho que fazer… »
- « Então queres deixar-me ? »
- « E tu ?… Queres que eu te deixe ? »
- « Palavra de honra que não ! Se me deixas, retiro-me… »
- « És muito amável, meu querido Carlos… »
- « Conheces-me ? ! »
- « Essa pergunta é ociosa. Não és tu Carlos ! »
- « Já falaste comigo na tua voz natural ? »
- « Não ; mas começo a falar agora. »

E com efeito falou. Carlos ouviu um som de voz sonora, metálica e insinuante. Cada palavra daqueles lábios misteriosos saía vibrante e afinada como a nota de uma tecla. Tinha aquele não-sei-quê que só escuta nas salas onde falam mulheres distintas, mulheres que obrigam a gente a prestar fé aos privilégios, às prerogativas, aos dons muito peculiares da aristocracia do sangue. Todavia, Carlos não se recordava de ter
ouvido semelhante voz, nem semelhante linguagem.
« Uma aventura de romance ! » dizia ele lá consigo, enquanto o dominó-veludo, conjecturando o enleio em que pusera o seu entusiasta companheiro, continuava a fazer gala do mistério, que é de todas as alfaias aquela que mais alinda a mulher ! Se elas pudessem andar sempre de dominó ! Quantas mediocridades em inteligência rivalizariam com Jorge Sand ! Quantas fisionomias infelizes viveriam com a fama da mulher de Abal el-Kader !
- « Então quem sou eu ? » prosseguiu ela. « Não me dirás ?… Não dizes… Pois então, tu és Carlos, e eu sou Carlota… Fiquemos nisto, sim ? »
- « Enquanto eu não souber o teu nome, deixa-me chamar-te de « anjo » . »
- « Como quiseres ; mas sinto dizer-te que não és nada original ! Anjo !… É um apelido tão safado como Ferreira, Silva, Souza, Costa… et cetera. Não vale a pena questionarmos : baptiza-me à tua vontade. Ficarei sendo o teu « anjo de Entrudo ». E a história ?…
Imagina que te possuías de um amor impetuoso por essa mulher, que fantasiaste linda, e insensivelmente lhe
curvaste o joelho, pedindo-lhe uma esperança, um sorriso afectuoso através da máscara, um aperto convulsivo de mão, uma promessa, ao menos, de se mostrar um, dois, três anos depois. E essa mulher, cada vez mais sublime, cada vez mais literata, cada vez mais radiosa, protesta eloquentemente contra as tuas instâncias, declarando-se muito feia, indecentíssima de nariz, horrível até, e, como tal, pesa-lhe na consciência matar as tuas cândidas ilusões, levantando a máscara. Tu que a não crês, instas, suplicas, abrasaste num ideal que toca as extremas do ridículo, e estás capaz de lhe dizer que te abolas o crânio com um tiro de pistola, se ela não levanta a cortina daquele mistério que te dilacera uma por uma as fibras do coração.Chamas-lhe Beatriz, Laura, Fornarina, Natércia, e ela diz-te que se chama Custódia, ou Genoveva para te aguar a poesia desses nomes, que, na minha humilde opinião, são completamente fabulosos. O dominó quer fugir-te ardilosamente, e tu não lhe deixas um passo livre, nem um dito espirituoso a outro, nem um lançar de olhos para as máscaras, que a fixam como quem sabe que está ali uma rainha, envolta naquele manto negro. Por fim, a tua perseguição é tal que a desconhecida Desdémona finge assustar-se, e sai
contigo ao salão do teatro para levantar a máscara. Arfa-te o coração na ansiedade de uma esperança : sentes o júbilo do cego de nascimento, que vai ver o sol ; estremeces como a criança a quem vão dar um bonito, que ela não viu ainda, mas imagina ser quanto o seu coração infantil ambiciona neste mundo… Ergue-se a máscara !… Horror !… Vês um nariz… Um narizpleonasmo, um nariz homérico, um nariz maio que o do duque de Choiseul, onde cabiam três jesuítas a cavalo !… Recuas !… Sentes despregar-se-te o
coração das entranhas, coras de vergonha e foges desabridamente… »
- « Tudo isso é muito natural. »
- « Pois não há nada mais artificial, meu caro senhor. Eu lhe conto o resto,que é o mais interessante para o mancebo que faz do nariz de uma mulher o termómetro de avaliar-lhe a temperatura do coração. Imagina, meu jovem Carlos, que saíste do teatro depois, e entraste na Águia de Ouro a comer ostras, segundo o costume dos elegantes do Porto. E quando pensavas, ainda aterrado, na aventura do nariz, te aparecia o fatídico dominó, e se assentava ao teu lado, silencioso e imóvel, como a larva das tuas asneiras, cuja memória procuravas delir na imaginação com os vapores do vinho… Perturba-se-te a digestão, e sentes contracções no estômago, que te ameaçam com o vómito. A massa enorme daquele nariz figura-se-te no prato em que tens a ostra, e já não podes levar à boca um bocado do teu apetitoso manjar sem um fragmento daquele fatal nariz à mistura. Queres transigir com o silêncio do dominó ; mas não podes. A inexorável mulher aproxima-se de ti, e tu, com um sorriso cruelmente sarcástico, pedes-lhe que te não entorne com o nariz o copo de vinho. Achas isto natural, Carlos ?”
- “Há aí crueldade de mais… O poeta devia ser mais generoso com a desgraça, porque a missão do poeta é a indulgência não só para as grandes afrontas, mas até para os grandes narizes.”

Camilo Castelo Branco, in Coisas que só eu sei, Biblioteca Editores Independentes, 12.19 - Sociedade Editora de Livros de Bolso

[Coisas que só eu sei foi originalmente publicado em 1853, no jornal O Portuense, em que Camilo colaborou regularmente até 1853]

[este delicioso livro de bolso tem dois contos. O primeiro é este. 73 páginas que se lêem num ápice...]



imagem: James Ensor

segunda-feira, maio 16

Não nos deixeis cair na curiosidade dos outros



Não nos deixeis cair na curiosidade dos outros,

Na piedade dos outros ou, pior, de nós mesmos.

Livrai-nos de sermos eternamente jovens,

Mas também nados-velhos, mortos-vivos.

Livrai-nos sobretudo de nos jactarmos.

Não nos deixeis cair nas ciladas

Daqueles que só se desculpam ou nunca se desculpam.

Não nos deixeis cair na tentação de corrigir a vida

Quando tantas coisas nos morrem

E morrem às nossas mãos ou pela nossa memória.

Livrai-nos de falarmos em nome dos outros,

Dai-nos cada dia a lembrança de também sermos outros

E não nos perdoeis nunca se o esquecermos.


Nuno Rocha Martins, Últimos Poemas, Quasi, 2009

imagem: Jeremy Reed

[obrigada Sofia M]

a noite pede música



[... por aí não sei...mas por aqui está uma lua magnífica...]

Todas as palavras


As que procurei em vão,

principalmente as que estiveram muito perto,

como uma respiração,

e não reconheci,

ou desistiram e

partiram para sempre,

deixando no poema uma espécie de mágoa

como uma marca de água impresente;

as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te

nem foram capazes de dizer-me;

as que calei por serem muito cedo,

as que calei por serem muito tarde,

e agora, sem tempo, me ardem;

as que troquei por outras (como poderei

esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?

as que perdi, verbos e

substantivos de que

por um momento foi feito o mundo.

E também aquelas que ficaram,

por cansaço, por inércia, por acaso,

e com quem agora, como velhos amantes sem

desejo, desfio memórias,

as minhas últimas palavras.

Manuel António Pina

Dia Internacional dos Museus


[ Dia Internacional dos Museus. no Porto. mas há iniciativas por todo o país. Rede Potuguesa de Museus]

porque sim



[...dia 22 de Maio, no canal 2 da RTP, pode ver-se este documentário, de Helena Solberg:
palavra [en] cantada]

domingo, maio 15

Maureen Bisilliat


[...não era só  Paula Pinheiro que não queria que a conversa acabasse. eu ficaria noite adentro a ouvi-las. Maureen Bisilliat foi a convidada de hoje do Câmara Clara.
já lhe conhecia as fotografias - algumas -  acabei de lhe conhecer a voz, os gestos e alguns milímetros da sua imensa vida. soube a muito pouco. mas eu fiquei, ainda, mais encantada.
magnífica, como as imagens que colhe...]

a noite pede música



[...]

Amor Poesia Sabedoria


A ideia que se possa definir homo, dando-lhe a qualidade de sapiens, isto é, de um ser razoável e sábio, é uma ideia pouco razoável e sábia. Ser Homo é também demens: manifesta uma afectividade extrema, convulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor; traz em si uma fonte permanente de delírio; crê na virtude de sacrifícios sangrentos; dá corpo, existência,  poder a mitos e deuses da sua imaginação. Há no ser humano um salão permanente de Ubris, a desmesura dos gregos.

A loucura humana é fonte de ódio, crueldade, barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afectividade e as irrupções do imaginário, sem a loucura do impossível, não existiria entusiasmo, criação, invenção, amor, poesia.  Deste modo, o ser humano é um animal não só insuficiente em razão mas também dotado de sem-razão.

Todavia, temos necessidade de controlar  homo demens para exercer um pensamento racional, argumentado, crítico, complexo. Temos necessidade de inibir, em nós, o que demens tem de mortífero, mesquinho, imbecil. Temos necessidade de sabedoria, que nos pede prudência, temperança, cortesia, desprendimento.

Prudência, sim, mas não será esterilizar as nossas vidas ao evitar  o riscos a todo o preço? Temperança, sim, mas será necessário evitar a experiência da "consumação" e do êxtase? Desprendimento, sim, mas será mesmo necessário renunciar aos laços de amizade e amor?

O mundo em que vivemos é, talvez,  um mundo de aparências, a espuma de uma realidade mais profunda que escapa ao tempo, ao espaço, a nossos sentidos e a nosso entendimento. Mas o nosso mundo da separação, da dispersão, da finitude, é também o da atração, do encontro, da exaltação. Estamos completamente imersos neste mundo que é o de nossos sofrimentos,  das nossas felicidades e dos nossos amores. Não sentir é evitar o sofrimento mas também o regozijo. Quanto mais aptos estamos para a   felicidade, mais aptos estamos para a infelicidade. O Tao-to-kung diz precisamente: "A infelicidade caminha de braço dado com a felicidade, a felicidade deita-se aos pés da infelicidade."

Estamos condenados ao paradoxo de conservar em nós, simultaneamente, a consciência da vacuidade do nosso mundo e da plenitude que nos pode trazer a vida quando quiser ou puder. Se a sabedoria nos pede para nos desprendermos do mundo da vida, será ela verdadeiramente sábia? Se aspiramos à plenitude do amor, seremos nós verdadeiramente loucos?

[...] reconhecemos o amor como o cúmulo da união da loucura e da sabedoria, isto é, que no amor, sabedoria e loucura não só são inseparáveis como se entregeram uma à outra. Reconhecemos a poesia não só como modo de expressão literária, mas como o estado, dito segundo, que nos surge da participação, do fervor, da admiração, da comunhão, da embriaguez, da exaltação e, claro, do amor, que em si contém todas as expressões do estado segundo. A poesia está liberta do mito e da razão trazendo em si a sua união. O estado poético transporta-nos através da loucura e da sabedoria, para além da loucura e da sabedoria.

O amor é parte da poesia da vida. A poesia é parte do amor da vida. Amor e poesia geram-se um ao outro e podem-se identificar um ao outro.
Se o amor é a união suprema da sabedoria e da loucura, temos que assumir o amor.
Se a poesia transcende sabedoria e loucura, temos que aspirar a viver o estado poético e evitar que a prosa absorva as nossas vidas que são, necessáriamente, tecidas de prosa e poesia.

A sabedoria pode problematizar o amor e a poesia, mas o amor e a poesia podem, reciprocamente, problematizar a sabedoria. A via aqui encarada que nela conteria amor, poesia, sabedoria, comportaria nela própria esta mútua problematização.
Devemos fazer tudo para desenvolver a nossa racionalidade, mas é no seu próprio desenvolvimento que a racionalidade reconhece os limites da razão e efectua o diálogo com o irracional.
O excesso de sabedoria torna-se louco,a sabedoria só evita a loucura misturando-se com a loucura da poesia e do amor.

O nosso presente está em busca de sentido. Mas o sentido não é originário, não vem do exterior dos nossos seres. Emerge da participação, da fraternização, do amor. O sentido do amor e o sentido da poesia é o sentido da qualidade suprema da vida. Amor e poesia, quando concebidos como fins e meios do viver, dão plenitude de sentido ao "viver para viver".

Portanto,  podemos assumir, mas com plena consciência, o destino antropológico do homo sapiens-demens, isto é, jamais cessar em nós o diálogo entre sabedoria e loucura, ousadia e prudência, economia e despesa, temperança e "consumação", desapego e apego.
É aceitar a tensão dialógica, que mantém em permanência a complementaridade e o antagonismo entre amor-poesia e sabedoria-racionalidade.

Edgar Morin, in Amor, Poesia, Sabedoria, pag. 9/13, Instituto Piaget,
Tradução: Ana Paula de Viveiros

imagem:Gilbert Garcin

Muito obrigada!


[ não são cartas de papel, como estas. são e-mails. com palavras e não só.  isto é um agradecimento especial ao JDA, ao JQS, ao JD, ao JM, ao JF, ao JC, à PB, à SCP e à RVN - a mais recente visitante deste blog que se manifestou num e-mail delicioso, pleno de ternura. obrigada a todos pela partilha. muito. muito]

As Ilhas Desconhecidas


[ontem, enquanto conduzia, ouvi, por acaso, uma entrevista de J. Rentes de Carvalho. fiquei ainda com mais vontade de ler este. espero pela feira do livro do Porto... eu, e a minha lista de livros, cada vez mais longa...]

sábado, maio 14

Torre de Babel em Buenos Aires

a noite pede música

Esplanada


Naquele tempo falavas muito de perfeição,

da prosa dos versos irregulares

onde cantam os sentimentos irregulares.

Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,


agora lês saramagos & coisas assim

e eu já não fico a ouvir-te como antigamente

olhando as tuas pernas que subiam lentamente

até um sítio escuro dentro de mim.


O café agora é um banco, tu professora de liceu;

Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.

Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,

e não caminhos por andar como dantes.

Manuel António Pina

[é repetido por aqui, eu sei, mas é ... fabuloso...bem como a imagem de quem, infelizmente, desconheço a autoria]

[...e sim, muito, muito feliz com a atribuição do Prémio Camões a este enorme poeta]

[...e, ainda, uma entrevista (2006) feita por Carlos Vaz Marques AQUI]

porque sim



[...as mãos...]

Uma oração


Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.


Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

Jorge Luis Borges


...tempestade no canal...


[...será que os posts e comentários que desapareceram no "éter" voltam a aparecer? será que as ligações voltam a estabelecer-se com normalidade? ...e por aí, também se perdeu informação?]

...uma estrada...


[...quando nos apetece uma estrada... rumo à origem...do silêncio...]

quinta-feira, maio 12

a noite pede música

Nakba

quarta-feira, maio 11

porque sim



[obrigada José Luís]

...uma vida dançando...


[ ... google faz uma bela vénia a Martha Graham. Ler mais aqui]

...e o Porto aqui tão perto...

Daqui consigo ver o monte de Santa Luzia. Está um dia magnífico em Viana do Castelo. Aliás, os dias que aqui me trazem são magníficos.  Não consigo ver a pousada, é certo, mas consigo imaginá-la
e à paisagem transbordante que oferece. E ao canto interior onde algumas vezes fechei o dia,
sempre com a mesma emoção de uma grata história antiga.
Foi lá que vi, uma única vez na minha vida, Sophia.
[devia escrever Senhora Dona Sophia e sorrir...]
E vi-a tão extraordinariamente bela. Tão extraordinariamente sábia. Tão extraordinariamente serena. Que não consegui fazer nada. Nem tão pouco aproximar-me. Admirei-a de longe. Como tinha de ser. Numa afasia total. Numa epifania absoluta.
Daqui vejo quase sempre aquele pequeno Sacré Coeur . Rodeado de verde mar, a lembrar-me o quanto são sagradas algumas memórias. Às vezes, dentro de nós, fazem-se templos de silêncio e não há forma de não nos ajoelharmos diante de uma imensa recordação.
[alguém deixou algumas rosas intensamente perfumadas na minha mesa de trabalho]
Penso no jardim da pousada. Penso que também não gosto de jardins no Verão...
Gostava de sair daqui, agora. Mas será de noite quando o fizer.

segunda-feira, maio 9

porque sim



[...íssimo...]

Flores do início... :)


[...para a Aldina, uma amiga muito querida que, este fim-de-semana, revi por acaso e ...foi tão bom...
flores do início. sim...do início...agora - não sei se já te disse - fazem-me sempre lembrar de ti...]

Festival Internacional de Marionetas

Teatro versus Argentina


[...pretextos não faltam...desta vez, em Dezembro...]

sábado, maio 7

Ah, os primeiros minutos...



Ah, os primeiros minutos nos cafés de novas cidades!
A chegada pela manhã a cais ou a gares
Cheios de um silêncio repousado e claro!
Os primeiros passantes nas ruas das cidades a que se chega
E o som especial que o correr das horas tem nas viagens...

Álvaro de Campos

imagem: Júlio Pomar


sexta-feira, maio 6

a noite pede música

quinta-feira, maio 5

As amoras


O meu país sabe às amoras bravas

no verão.

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez

nem goste dele, mas quando um amigo

me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul.

Eugénio de Andrade


[com um imenso obrigada ao meu querido amigo A.Mendes]

Gramática Secreta

Hoje,


[...5 de Maio - Dia Internacional da Língua Portuguesa]

a noite pede musica



[...para a Xana e para a Zaclis...porque sim...]

World Press Photo

«O Museu da Eletricidade volta a acolher a World Press Photo, a maior exposição internacional de fotojornalismo, promovida em Portugal.

A exposição, que estará patente até dia 22 de maio, apresenta o trabalho de 55 fotógrafos de 23 nacionalidades.
Entre estes, a repórter sul-africana Jodi Bieber, que conquistou o grande prémio da edição de 2011, com a fotografia de uma rapariga afegã com o nariz mutilado.
O primeiro prémio na categoria de Retratos, conta-nos a história de Bibi Aisha, uma jovem de 18 anos, casada há quatro anos, que fugiu de casa do marido por motivos de violência doméstica. A “justiça” talibã autorizou o marido a mutilar-lhe as orelhas e o nariz. Abandonada pela família, Bibi Aisha foi encontrada por funcionários de auxílio humanitário e por elementos do exército norte-americano, que a ajudaram a chegar a um refúgio para mulheres em Cabul. Vive atualmente nos Estados Unidos da América, onde foi já submetida a uma cirurgia reconstrutiva. Tornou-se um símbolo de luta pela não violência contra as mulheres afegãs.
A edição de 2011 do World Press Photo contou com um número recorde de 108.059 fotografias, submetidas a concurso por 5.691 de 125 países.»

de quem são os versos?

quarta-feira, maio 4

"Socializar por aí" com Pedro Neves


Dia 6 de Maio, próxima sexta-feira, às 22 horas, no Clube de Chá, Alameda Eça de Queirós, 82, no Porto


“Socializar por aí – tertúlias com verde tília”
Um tema. Um chá. Com ou sem açúcar. Conforme.
Questões sociais. Situações reais.
Uma vez por mês, no Clube de Chá, junte-se a nós.
Vamos conversar.
Traga perguntas e vontade de não ficar indiferente.


«O primeiro convidado “Socializar por aí – tertúlias com verde tília” é Pedro Neves. Gosta de filmar e já tem alguns documentários no curriculum. Enquanto jornalista, deu conta de que, só no distrito do Porto, cerca de meio milhão de pessoas vive em situação de pobreza. E o jornalismo não dá nem espaço nem tempo para mostrar da forma que Pedro Neves quer mostrar. Para isso, há os documentários. Depois de uma licenciatura em Ciências da Comunicação, uma pós-graduação em documentário e um mestrado no mesmo género cinematográfico, foi para Cuba aperfeiçoar-se na arte de narrar a vida desta forma.

Move-se bem em territórios de risco e interessa-se pelo outro lado da vida, o mais duro. Está quase doutorado nestas andanças de olhar e filmar situações difíceis. Também por isso as respeita tanto e, sobretudo, acha que «todos nós, de um momento para o outro, podemos cair num buraco assim. A linha é muito ténue, principalmente nos tempos que correm».

“Os esquecidos”, documentário sobre a pobreza no Porto, que filmou na freguesia de Campanha, já passou pelo DOC Lisboa».
Miguel Carvalho, jornalista/grande repórter da Visão conduz a conversa...

O Cérebro, a Face e a Emoção

"O Código de Ekman: O Cérebro, a Face e a Emoção", o novo livro do Director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, da Faculdade de Ciências da Saúde, da Universidade Fernando Pessoa, Prof. Freitas-Magalhães, propõe uma viagem aos métodos e técnicas de análise científica da expressão facial da emoção e estará nas livrarias durante este mês.


«O livro, a ser lançado no mercado no próximo dia 20 de Maio, na FNAC MarShopping, revela pormenores sobre os métodos e técnicas científicas de análise da expressão facial da emoção, a neuropsicofisiologia da expressão facial, a expressão facial verdadeira e a falsa, as macro expressões e as micro expressões e as diversas implicações e aplicações psicossociais.

"O Código de Ekman: O Cérebro, a Face e a Emoção" é, segundo o autor, "uma viagem, única e fascinante, pelos territórios do cérebro, da face e da emoção, com a bússola da curiosidade procurando dar respostas ao conjunto de perguntas: Como é que o cérebro constrói a expressão facial? Como é que a expressão facial influencia o cérebro? Como se medem cientificamente os movimentos faciais? e Quais as implicações e as aplicações da expressão facial? [...]»

a noite pede música

Francisco a caminho...


[...eu tenho uma Francisca, um Miguel, um António, um Guilherme, um José, uma Maria, uma Leonor e, agora, vou ter um Francisco. Para já, para já, por muitos motivos - e mais um - é muito difícil descrever a minha felicidade...]

Onde foste ao bater das quatro horas...


Onde foste ao bater das quatro horas

e, antes, quem eras tu, se eras?

Amigo ou inimigo, posso falar-te agora

sentado à minha frente e com os ombros

vergados ao peso da caneta?

Falo-te sobre a cabeça baixa

e vejo para além de ti, no horizonte,

teus riscos e passadas;

mas não sei onde foste, nem se eras.

Olho-te ao fundo, sob o sol e a chuva,

fazendo gestos largos ou só um leve aceno;

dizes palavras antigas,

de antes das quatro horas,

e nada sei de ti que tu me digas

dessa cabeça surda.

Não te pergunto pela verdade,

que pensas de amanhã ou se já leste Goethe;

sequer se amaste ou amas

misteriosamente

uma mulher, um peixe, uma papoila.

Não quero essa mudez de condolências

a mim, a ti, ou só à terra

que tu e eu pisamos — e comemos.

Pergunto simplesmente se tu eras,

quem eras, e onde foste

depois que se fizeram quatro horas.



Será que não tens olhos? Não tos vejo.

De longe em longe

agitas a cabeça, mas talvez seja engano.

Palavra, não te entendo.

Amigo, a que vieste?



Pedro Tamen, in Horácio e Coriáceo
 
[com um imenso obrigada ao JD]

...sob o fogo do "porquê"...


Escrevia na Invocação ao Meu Corpo, Vergílio Ferreira que : “As coisas familiares, tão redutíveis e manuseáveis, imediatamente regressam ao indizível e insondável, se as mantivermos sob o fogo do «porquê». É um porquê inocente e por isso as crianças o conhecem. É uma interrogação elementar e por isso ela é a primeira. E o que responde a esse questionar não é a resposta - que a não há - mas as múltiplas formas da tranquilidade que identificamos com a sensatez.” [...]

[...e gostei tanto de saber de ti, assim, querido A...]

Desviado daqui

Feiras do Livro


[... ainda não fui, mas ainda tenho quase 15 dias. a ver vamos. se não, à do Porto, vou de certeza...]

"Por este mundo acima"


[...o novo livro da Patrícia Reis está quase, quase a chegar...]

segunda-feira, maio 2

...e por falar em fado...


[...e por falar em fado, há dias lá fomos nós, à Casa de Santo António, na Rua de São Bento da Vitória, pela mão do meu mano...sempre tão bem informado sobre estas coisas...e foi uma noite e pêras! Minto! foi uma noite e petiscos... à luz da vela, com fado ao fundo...recomenda-se, esta tasca com toque "gourmet", onde escolhem, por nós, o que vem para a mesa... e era tudo tão bom...]

domingo, maio 1

a noite pede música



[...para a minha mãe...]

No sorriso louco das mães


No sorriso louco das mães batem as leves

gotas de chuva. Nas amadas

caras loucas batem e batem

os dedos amarelos das candeias.

Que balouçam. Que são puras.

Gotas e candeias puras. E as mães

aproximam-se soprando os dedos frios.

Seu corpo move-se

pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões

e orgãos mergulhados,

e as calmas mães intrínsecas sentam-se

nas cabeças filiais.

Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,

vendo tudo,

e queimando as imagens, alimentando as imagens,

enquanto o amor é cada vez mais forte.

E bate-lhes nas caras, o amor leve.

O amor feroz.

E as mães são cada vez mais belas.

Pensam os filhos que elas levitam.

Flores violentas batem nas suas pálpebras.

Elas respiram ao alto e em baixo.

São silenciosas.

E a sua cara está no meio das gotas particulares

da chuva,

em volta das candeias. No contínuo

escorrer dos filhos.

As mães são as mais altas coisas

que os filhos criam, porque se colocam

na combustão dos filhos. Porque

os filhos são como invasores dentes-de-leão

no terreno das mães.

E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,

e atiram-se, através deles, como jactos

para fora da terra.

E os filhos mergulham em escafandros no interior

de muitas águas,

e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos

e na agudez de toda a sua vida.

E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,

e através dele a mãe mexe aqui e ali,

nas chávenas e nos garfos.

E através da mãe o filho pensa

que nenhuma morte é possível e as águas

estão ligadas entre si

por meio da mão dele que toca a cara louca

da mãe que toca a mão pressentida do filho.

E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo,

e ser possível tudo ser reencontrado

por dentro do amor.

Herberto Helder

...a minha mãe não usa...


[...pois não...nem todos os super-heróis usam capa...]

...para todas as mães...


[...feliz Dia da Mãe...]