Há nos silvos que as manhãs me trazem
chaminés que se desmoronam:
são a infância e a praia os sonhos de partida
Abrir esse portão junto ao vento que a vida
aquém ou além desta me abre?
Em que outro mundo ouvi o rouxinol
tão leve que o voo lhe aumentava as asas?
Onde adiava ele a morte contra os dias
essa primeira morte?
Vinham núpcias sem conto na inconcebível voz
Que plenitude aquela: cantar
como quem não tivesse nenhum pensamento.
Quem me deixou de novo aqui sentado à sombra
deste mês de junho? Como te chamas tu
que me enfunas as velas da memória ventilando: «aquela vez...»?
Quando aonde foi em que país?
Que vento faz quebrar nas costas destes dias
as ondas de uma antiga música que ouvida
obriga a recuar a noite prometida
em círculos quebrados para além das dunas
fazendo regressar rebanhos de alegrias
abrindo em plena tarde um espaço ao amor?
Que morte vem matar a lábil curva da dor?
Que dor me faz doer de não ter mais que morrer?
E ouve-se o silêncio descer pelas vertentes da tarde
chegar à boca da noite e responder
Ruy Belo in Aquele Grande Rio Eufrates
[logo às 21.30 horas no labirintho]
quarta-feira, maio 26
As velas da memória
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3 Comments:
Como no livro do Márai intitulado As Velas Ardem até o Fim.
Quanta sensibilidade! Que delicadeza lírica ao falar do amor, das tardes e da vida em junho...
bjs,
Ps: A mulher da foto que quase toca os pés na água sempre me dá a sensação de ser a Virginia Woolf prestes a se jogar no rio...
Este moço, se não fosse a maluqueira comum das metáforas sem sentido, até podia ficar conhecido como poeta. Assim, é só um poeta datado.
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