A noite trocou-me os sonhos e as mãos
domingo, novembro 22
O funcionário cansado
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal
em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado de um dia exemplar
Porque não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Porque não me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço?
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música.
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isso todas as noites do mundo uma noite só comprida
num quarto só
António Ramos Rosa, de O Grito Claro, 1958
Etiquetas: António Ramos Rosa, Escritores, poemas
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3 Comments:
MARTA
Este SENHOR, tio da GISELA, deita-me sempre por terra!
É demasiado ALTO para os meus 170 cm!
É de sonho este FUNCIONÁRIO CANSADO !
Queria dizer algo com significado.
Não consigo.
ESTOU ARRASADO!
20 valores (há mais?) para a tua postagem, MARTA.
Grande beijo.
receio termos voltado ao mesmo "cinzentismo"...
enorme esse grito mudo.
beijo
Marta, saí do blog Terráqueo com a seguinte frase na cabeça : "Uma vez que estamos destinados a viver a vida no cárcere de nossa mente, nosso dever primordial é mobiliá-lo bem". (Peter Ustinov). Ela parece perfeita para também estar aqui.
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