quarta-feira, agosto 15

Presente II


"É estranho como não conhecemos uma pessoa e ao mesmo tempo sabemos que ela é completamente diferente das outras."
 Ali Smith

"Escócia. Uma mulher à deriva, de vida itinerante acaba de arranjar trabalho como vigilante de um recinto de caravanas. Amy Shone tem consigo uma filha de oito anos – Kate - e atrás de si um passado, agora distante, de uma carreira académica em Cambridge.

Um súbito telefonema traz para primeiro plano uma amiga antiga, Aisling McCarthy, agora atriz de sucesso. Daqui em diante será esta a narradora, através dos seus diários, encontrados acidentalmente por Kate. E os mistérios do passado de Amy começarão a ser desvendados pela história das duas amigas, seus conflitos e desenlace.

Qualquer Coisa Como é uma narrativa de opostos, de vidas paralelas que num momento se cruzam e logo divergem. É também uma invocação intemporal da adolescência, suas angustiantes antecipações, o desejo contraditório de liberdade e segurança e a demanda obstinada pelo conhecimento profundo do prazer e da dor."


aqui



Presente I


"Quando Ora se prepara para festejar a desmobilização do filho Ofer, ele volta a juntar-se voluntariamente ao exército. Num ímpeto supersticioso, temendo a pior notícia que um pai ou uma mãe podem ouvir, Ora parte numa caminhada para a Galileia, sem deixar qualquer rasto para os "notificadores". Recentemente separada do marido, arrasta consigo um companheiro inesperado: Avram, outrora o melhor amigo de ambos, o antigo amante, que tinha estado prisioneiro durante a Guerra do Yom Kipur e fora torturado, e que, destruído, recusara sempre conhecer o rapaz ou ter contacto com eles.


Durante a caminhada, Ora vai desenrolando a história da sua maternidade e inicia Avram no drama da família humana - uma narrativa que mantém Ofer vivo, tanto para a mãe como para o leitor. A sua história coloca lado a lado os maiores sofrimentos da guerra e as alegrias e angústias quotidianas da educação dos filhos: nunca se viu tão claramente o real e o surreal da vida quotidiana em Israel, as correntes de ambivalência sobre a guerra numa família, os fardos que caem sobre cada nova geração. Numa situação de conflito coletivo e duradouro, como conciliar as preocupações individuais de uma mãe que, afinal, prefere a companhia de um filho à missão patriótica? Como manter a causa pacifista se aqueles que podem atirar contra um filho são justamente aqueles com quem se quer fazer a paz".

aqui

Pausa!

...preciso mesmo muito...

terça-feira, agosto 14

pois não :)

Saberei o que não sei?

- Há poemas

que não são poemas de amor?
Pergunta a mão
espreguiçando-se até à ponda dos dedos.


Saberei o que é um poema de amor?
Ou então, saberei o que não é um poema de amor?
Tudo o que preciso saber
não me parece importante
quando me esqueço
e mais tarde espanto-me de como pude esquecer
uma coisa tão essencial.
Esta é a ciência do arco e da flecha
em que nunca sabemos se acertamos no alvo
ou se o alvo anda por aí
mesmo debaixo dos nossos olhos.



Como dispor as pedras
apagando o caminho que leva à pergunta
e poder enfim sentar-me
com o alvo baloiçando na respiração?


Rosa Alice Branco



.

domingo, agosto 12

é simples...dizem.

Braga


"E teimo na minha terra: as ruas de Braga, cada esquina, cada pedra, quase um a um, vou transpondo os passeios estreitos das ruas velhas, tortas, a brancura das avenidas, as lojas, as igrejas, os largos. Ando por lá peregrinando. É noitinha, e os sinos a Trindades- tantos sinos, meu Deus! Os pardais esvoaçam, murmurantes, nas tílias do jardim. Ando por lá e ninguém dá conta. Que coisa boa"

Maria Ondina Braga

a noite pede música



... saudades...verdade!

Quando...


"Quando eu içar as minhas velas de nuvens e cruzar os mares
Para lá das casas, para lá das terras
Pela eternidade adentro...


Maria Ondina Braga in Nocturno em Macau, p. 175

E se depois de tantas palavras...

E se depois de tantas palavras,


não sobrevive a palavra!

Se depois das asas dos pássaros,

não sobrevive o pássaro parado!

Mais valeria, na verdade,

que coma tudo e acabemos!



Ter nascido para viver na nossa morte!

Levantar-se do céu rumo à terra

por seus próprios desastres

e espiar o momento de apagar com a sua sombra as suas trevas!

Mas valeria, francamente,

que comam tudo e tanto faz!…



E se depois de tanta história, sucumbirmos,

não já na eternidade,

mas dessas coisas simples, como estar

em casa ou pôr-se a matutar!

E se em seguida descobrirmos,

subitamente, que vivemos,

a avaliar pela altura dos astros,

pelo pente e as nódoas do lenço!

Mais valeria, na verdade,

que comam tudo, sem dúvida!



Dir-se-á que temos

num dos olhos muita pena

e também no outro muita pena

e nos dois, quando olham, muita pena…

Então… Claro!… Então… nem uma só palavra!


César Vallejo


[....escrevias tu, a desejar-me um excelente ano 1993]

sábado, julho 28

porque sim

A verdade é que fomos

A verdade é que fomos


feitos do mesmo sangue

violento e humilde



A verdade é que temos

ambos a graça de compreender

todos os homens e todas as estrelas



A verdade é que Deus

nos ensinou

que este é o tempo da razão ardente.



Deus hoje deu-me um pouco

do que toda a vida lhe pedi

foi esta calma e simples aceitação

de que é preciso que estejas

longe de mim

para que amando eu possa conservar

o meu coração puro.



As ruas hoje pareciam mais largas

e mais claras



As casas e as pessoas

pareciam diferentes



Foi só o tempo de pedir a Deus

que prolongasse o generoso engano.



Tu ensinaste-me as palavras simples

as palavras belas

as palavras justas



E fizeste com que eu já não saiba

falar de outra maneira.



O amor substitui

o Sol — que tudo ilumina.



Sonhar contigo é quase como

saber que existo para além de mim.



Se basta que de mim te lembres

para que o sono facilmente venha

porque não hás-de dar-me amor a paz

com que o meu coração de há tanto tempo sonha



Vês como é tão simples

ter o coração

tão perto da terra

e os olhos nos olhos

e a alma tão perto

da tua alma



Por que será

que quanto mais repartimos

o coração

maior e mais nosso ele fica?



Raúl de Carvalho


imagem: Alberto Viana de Almeida

quarta-feira, julho 25

a noite pede música

terça-feira, julho 24

Mais específico...

porque sim

segunda-feira, julho 23

A Felicidade


Sobre o livro e o autor, aqui

domingo, julho 22

porque sim

segunda-feira, julho 9

Quiosque

imagem: Sara Simões

Amores

a noite pede música

Pois...






Tá difícil!






Filhas

sábado, julho 7

a noite pede música

"Quem se importa"


“Mais do que um filme, um movimento que inspira a transformação social. É assim que se apresenta no site dedicado ao documentário “Quem se importa”, da realizadora brasileira Mara Mourão. O filme está, desde abril, em digressão pelo Brasil e, em setembro, estreia em Lisboa, no âmbito do festival Greenfest, avançaram à FOCUSSOCIAL Mara Mourão e Francisco Collares Pereira, da Fundação EDP, responsável pela passagem do filme no nosso país.


“Ele é mesmo um homem muito especial. Nota-se, de imediato, pelo seu olhar”. Mara Mourão fala de Muhammad Yunus (Gremeen Bank, Bangladesh), “pai” do microcrédito, um dos 18 empreendedores sociais que deram o seu testemunho neste documentário que demorou um ano a editar. A seleção foi muito difícil, deixou de fora “milhares de pessoas, trabalhos brilhantes e inovadores” e, por isso, “estou pensando fazer uma série de televisão”, disse-nos a realizadora.

Nesta entrevista, fala, ainda, das características que, do seu ponto de vista, deve ter um empreendedor social e da sua capacidade distintiva de “saber o que a sociedade precisa num determinado momento”. E explica a diferença: “Se a pessoa faz um trabalho em grande escala e afeta milhões de vidas, ela é chamada de empreendedor social. Se faz em escala menor, é chamada de transformador ou agente de mudança. Tem vários nomes, mas acredito que todos são nomes diferentes para um espírito comum, o espírito de arregaçar as mangas e não se conformar”.

Mara Mourão não pára. Já está em “fase de captação de recursos” para o seu novo filme de ficção Duas Mulheres e Alguns Crimes e tem, no mesmo ritmo, um novo documentário. A cineasta continua apostada em mudar o mundo com filmes que agitem consciências e motivem a ação. De resto – garante – só não a veremos a fazer filmes de “tiros”. O seu território visual anda entre o fazer rir e o dar que pensar. Sempre com uma história que tenha impacto social, independentemente do sucesso da bilheteira. Porque o importante é a “qualidade” de quem vê e o que fará com a mensagem que recebeu. Se o resultado produzir mudanças positivas, a missão está cumprida.

Entrevista  aqui


[nota importante "esquecida" por que escreveu: a voz do documentário "Quem se importa" é do Rodrigo Santoro... ;)]

Silêncio e solidão


“(...) Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa estabelecer uma separação entre esses dois tempos de vida, unidos como os fios de um pano.”


Cecília Meireles

quarta-feira, julho 4

porque sim

terça-feira, julho 3

Anote aí na agenda, por favor.



voz: helena sarmento


guitarra portuguesa: samuel cabral

viola: paulo faria de carvalho

violoncelo: susana castro santos


A não perder, sexta-feira, às 22 horas, em Amarante. Helena Sarmento.


segunda-feira, julho 2

porque sim

a little

domingo, julho 1

a noite pede música

O astro de dentro







Podia haver


[no lugar do coração]

um oceano, seis continentes, um avião

um astro azul ou um cometa envidraçado

uma pedra vinda do espaço

um quadrado ou mesmo um rectângulo arredondado,

podia ter

e nem teria terminado.





Até podia ter

[no lugar do coração]

um livro em branco, já escrito ou por escrever

um projecto de mundo, um traço

por nascente de rio ou mesmo um monte inacabado

um lápis, um bocado de giz ou um poema

que se escreve só por escrever,

que ainda assim,

ali, além, pelos jeitos dum fogo lento

no grande mar, peito adentro

ele, o astro refeito que comigo trago

continuaria sempre a bater.



Leonardo B

[Setembro 28, 2011]

[meu querido A. neste dia tão especial, muitos parabéns, com um dos teus poemas de que mais gosto. apesar da escolha ser mesmo muito muito difícil...obrigada pela tua imensa sensibilidade. sempre. abraço, marta]

Uma hora não é apenas uma hora


"Uma hora não é apenas uma hora, é um vaso repleto de perfumes, de sons, de projectos e de climas. O que chamamos realidade é uma determinada relação entre sensações e lembranças a envolverem-nos simultaneamente...”




Marcel Proust in Em Busca do Tempo Perdido

valores


[sempre]

sábado, junho 30

Uma hora não é apenas uma hora


" Uma hora não é apenas uma hora, é um vaso repleto de perfumes, de sons, de projectos e de climas. O que chamamos realidade é uma determina relação entre sensações e lembranças a envolverem-nos simultaneamente...”

Marcel Proust, in Em busca do Tempo Perdido

a noite pedirá música...



[...acabadinha de chegar do Brasil...para mim! Não conhecia e estou a gostar de descobrir... ]

Aracne [fragmento]





Ir ao cinema, na caverna escura,

sentar-me na poltrona do teu ombro

numa t-shirt antiga de bom pêlo,

é o prazer mais certo que me resta.

Que bom deixar-me estar na oscilação discreta

que nasce do teu corpo e me transporta

a essa embriaguez chamada rima;

sentir o cheiro limpo do cabelo,

adivinhar-te o gosto da saliva.

Pois, embora eu veja a multidão compacta

(que a imagem tornou inofensiva)

estremecer e rir e comover-se

à imprecisa luz da narrativa,

eu sei que é tudo só um mero acto

de magia vulgar vinda do tecto

onde o olhar obsceno do arquitecto

ao longo da sessão vigia e julga;

e mesmo a clara forma da paisagem

é tosco véu de uma ilusão sensível,

metáfora ou reflexo de outro mundo

perfeito e puro, onde não entra gente

(mas entra, vê tu bem, a miserável pulga).

Tu porém és real, sentes lá dentro

um coração pulsar, e até parece

que tens em ti a inclinação secreta

a seres dono de ti, e partilhar

a vida verdadeira de um insecto.

Assim eu sonho e penso, já suspenso

por fino fio, à altura do teu peito;

mas já, impaciente, tu murmuras

que perdes o réu tempo em desgraçada fita;

melhor seria, em quente discoteca,

toda a noite dançar (uma invenção maldita,

alheia à condição de quem medita),

ou regressar a casa, onde de graça

te aguarda mais concreta companhia.

Ficar por aqui só, sem o mistério

da tua carne branca bem cheirosa,

é uma perspectiva que me assusta;

como dizer-te que também eu quero

afinal conhecer o nó do enredo?

De poucas horas feita a longa vida,

são estas as melhores e as mais justas;

está o filme a acabar, fica comigo até ao fim;

não sabes que te perdes, quando te perdes de mim?


António Franco Alexandre
in Poemas com Cinema, pag.25, Assírio e Alvim

porque sim II

O Deus da Ausência

[clicar na imagem para ler. HOJE, às 18.30 horas]

porque sim


Sábado, 30 de Junho, às 17 horas
Sousa Dias e Rui Manuel Amaral lêem textos de Manuel António Pina.
Gato Vadio (rua do Rosário, 281), no Porto.

quinta-feira, junho 21

5 linhas ou menos


E apesar de tudo [do tempo, do contratempo, da tarde de lima e da tarte, do livro, da falta de flores, da agenda, da pressa, dos dias a menos, da dor, da cor do bilhete de avião, do sorriso, das mãos, do turbilhão de tantas coisas e, até, do telefone esquecido...] proponho seguirmos viagem.

...e se...

a noite pede música

domingo, junho 17

Oh as casas as casas as casas




Oh as casas as casas as casas

as casas nascem vivem e morrem

Enquanto vivas distinguem-se umas das outras

distinguem-se designadamente pelo cheiro

variam até de sala pra sala

As casas que eu fazia em pequeno

onde estarei eu hoje em pequeno?

Onde estarei aliás eu dos versos daqui a pouco?

Terei eu casa onde reter tudo isto

ou serei sempre somente esta instabilidade?

As casas essas parecem estáveis

mas são tão frágeis as pobres casas

Oh as casas as casas as casas

mudas testemunhas da vida

elas morrem não só ao ser demolidas

ela morrem com a morte das pessoas

As casas de fora olham-nos pelas janelas

Não sabem nada de casas os construtores

os senhorios os procuradores

Os ricos vivem nos seus palácios

mas a casa dos pobres é todo o mundo

os pobres sim têm o conhecimento das casas

os pobres esses conhecem tudo

Eu amei as casas os recantos das casas

Visitei casas apalpei casas

Só as casas explicam que exista

uma palavra como intimidade

Sem casas não haveria ruas

as ruas onde passamos pelos outros

mas passamos principalmente por nós

Na casa nasci e hei-de morrer

na casa sofri convivi amei

na casa atravessei as estações

respirei – ó vida simples problema de respiração

Oh as casas as casas as casas


Ruy Belo





imagem: Sergio Larraín





a noite pede música

Ode ao Gato




Os animais foram


imperfeitos,

compridos de rabo, tristes

de cabeça.

Pouco a pouco se foram

compondo,

fazendo-se paisagem,

adquirindo pintas, graça, voo.

O gato,

só o gato

apareceu completo

e orgulhoso:

nasceu completamente terminado,

anda sozinho e sabe o que quer.



O homem quer ser peixe e pássaro,

a serpente quisera ter asas,

o cachorro é um leão desorientado,

o engenheiro quer ser poeta,

a mosca estuda para andorinha,

o poeta trata de imitar a mosca,

mas o gato

quer ser só gato

e todo gato é gato

do bigode ao rabo,

do pressentimento ao rato vivo,

da noite até seus olhos de ouro.



Não há unidade

como ele,

não tem

a lua nem a flor

tal contextura:

é uma só coisa

como o sol ou o topázio,

e a elástica linha em seu contorno

firme e sutil é como

a linha da proa de um navio.

Seus olhos amarelos

deixaram uma só

ranhura

para jogar as moedas da noite.



Oh pequeno

imperador sem orbe,

conquistador sem pátria,

mínimo tigre de salão, nupcial

sultão do céu

das telhas eróticas,

o vento do amor

na intempérie

reclamas

quando passas

e pousas

quatro pés delicados

no solo,

cheirando,

desconfiando

de todo o terrestre,

porque tudo

é imundo

para o imaculado pé do gato.



Oh fera independente

da casa, arrogante

vestígio da noite,

preguiçoso, ginástico

e alheio,

profundíssimo gato,

polícia secreta

dos quartos,

insígnia

de um

desaparecido veludo,

seguramente não há

enigma

na tua maneira,

talvez não sejas mistério,

todo o mundo sabe de ti e pertences

ao habitante menos misterioso,

talvez todos o acreditem,

todos se acreditem donos,

proprietários, tios

de gatos, companheiros,

colegas,

discípulos ou amigos

do seu gato.



Eu não.

Eu não subscrevo.

Eu não conheço ao gato.

Tudo sei, a vida e seu arquipélago,

o mar e a cidade incalculável,

a botânica,

o gineceu com seus extravios,

o por e o menos da matemática,

os funis vulcânicos do mundo,

a casaca irreal do crocodilo,

a bondade ignorada do bombeiro,

o atavismo azul do sacerdote,

mas não posso decifrar um gato.

Minha razão resvalou na sua indiferença,

o seu olho tem números de puro.



Pablo Neruda
(Tradução de Maria Teresa Almeida Pina)



sábado, junho 16

... parece que gostam os 2 de cerveja...



"Além de escritor, Afonso Cruz, é também ilustrador, cineasta e músico da banda The Soaked Lamb. Em Julho de 1971, na Figueira da Foz, era completamente recém-nascido.


Haveria, anos mais tarde, de frequentar lugares como a António Arroio, Belas Artes de Lisboa, Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira e mais de meia centena de países. Recebeu vários prémios e distinções nas várias áreas em que trabalha, vive no campo e gosta de cerveja.

Fique com um trecho do seu mais recente romance." AQUI



porque sim

Sei agora quando será a manhã derradeira

Sei agora quando será a manhã derradeira - quando a luz não afugentar mais a noite e o Amor – quando o sono for eterno e um sonho só inesgotável. Sinto em mim uma fadiga celeste – Longa e penosa foi a minha peregrinação ao Sepulcro Santo, opressiva a minha Cruz. A onda de Cristal, imperceptível aos vulgares sentidos, que jorra no seio obscuro do montículo de cujo sopé o terrestre caudal irrompe, quem dela alguma vez provou, quem esteve no cume das montanhas que delimitam o mundo e olhou para Além, para a nova terra, a morada da Noite – em verdade, esse não regressará jamais aos trabalhos deste mundo, à terra onde a Luz habita em eterna agitação.


Esse é o que levantará no alto as tendas da Paz, o que sente a ânsia e o amor e que olha para Além até que a hora entre todas bendita o faça descer ao imo da nascente – por cima, flutua o que é eterno, reflui ao sabor de tormentas; mas tudo aquilo que o contacto do amor santificou escorre dissolvido, por ocultas vias, para a região do Além e aí se mistura, como os aromas, com os seres amados para sempre adormecidos.

(…)

Novalis in Os Hinos à Noite



...gosto...

a noite pede música

sexta-feira, junho 15

5 linhas ou menos


Ele deu-lhe um beijo na palma da mão esquerda. Porque na outra ela tinha flores. A palma da mão, da direita ou da esquerda, é um lugar tão invisível como o coração. Mas igualmente seguro, disse ele.
Ela concordava. Pela primeira vez concordaram.

pois!

a noite pede música

Anote aí na agenda, por favor.

quinta-feira, junho 14

Um dia ANTES em ponto


Como chamar a  uma pessoa que chega um dia antes, em ponto, ao encontro marcado?

quarta-feira, junho 13

a noite pede música

segunda-feira, junho 11

"A pessoa não é a cara que tem. É a vida."


"A pessoa não é a cara que tem. É a vida."


Morreu Maria Keil. Para mim é a  ilustradora do meu livro da escola primária. Tenho um carinho imenso pelos seus desenhos. O Palhaço Verde, por exemplo, a ilustrar o texto da Matilde Rosa Araújo, é um desenho para sempre na minha vida. Obrigada Maria Keil. Muito muito muito.

Ler aqui e aqui


domingo, junho 10

Dizem...


Dizem que temos valor, mas que nos falta dinheiro e união; e todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas.


Pe. António Vieira, Cartas [1670]

in Citações e Pensamentos de Padre António Vieira, Casa das Letras, 2010

porque sim



porque é Dia de Portugal...

sábado, junho 9

O valor...



O valor, o mais precioso dos valores humanos, o atributo sine qua non de humanidade, é uma vida de dignidade, não a sobrevivência a qualquer custo.

Zygmunt Bauman 



imagem: Andel Adams

Posso te contar uma história?

quinta-feira, junho 7

a noite pede música

Os Cavalos de Tarquínia



 
 
Sempre achei que mais ninguém o tinha lido, apesar de o ter emprestado e de nunca mais o reaver. Nunca soube se a Dona Isabel gostou dos Cavalos de Tarquínia. Também nunca mais soube dela. Guardo o seu silêncio, os seus cabelos grisalhos, o modo como atendia o telefone. Gosto de pensar que de mim, a Dona Isabel guarda bem o meu livro. O primeiro que li de Margarite Duras. Tinha 18 anos.


Mas sempre achei que mais ninguém o tinha lido, até há poucos minutos. Há poucos minutos eu disse - meu deus, os Cavalos de Tarquínia, Tiago! Disse alto como se o Tiago estivesse ali. E fui memória adentro . Como se todos os cavalos da memória fossem alados.

A Dona Isabel recostada na cadeira, a ler nos intervalos do silêncio do telefone.
Um silêncio muito diferente do seu.

Depois outra memória e ainda outra, mais clara, levou-me pelo tempo.

Perguntei-lhe, quando pediu Campari se tinha lido os Cavalos de Tarquínia. Disse-me que não. E acho que foi a partir daí que criei e mantive essa ideia de que mais ninguém o teria lido a não ser eu. Coisas que nos ficam até prova em contrário, como agora.
Naquela altura eu queria dizer -lhe o quanto tinha gostado do livro; o quanto tinha gostado da densidade, da espessura das personagens dos Cavalos de Tarquínia. Queria ter-lhe falado da vida e da morte. Queria dizer-lhe que quando li o livro eu já conhecia a dinastia dos reis etruscos, os últimos reis de Roma, e já imaginara histórias à sua volta, como imaginava histórias à volta dos seus olhos. Queria dizer-lhe que, entretanto, já tinha lido mais três livros dela. Queria dizer-lhe que se não fosse aquele primeiro livro, eu não teria sorrido quando ele pediu Campari. Muito provavelmente, nem saberia da sua existência. Queria muito dizer-lhe que o Campari era só uma gota de água no meio daquela praia simbólica cheia de personagens que falavam muito. Algo que me ficou pelo simples facto do cenário ser soberbo. Não estou certa, agora, se no livro se na minha imaginação. Queria ter dito que gostava de visitar Tarquínia. Com ele, de mãos dadas, mesmo que o amor pudesse ter o travo acidulado do Campari, que tinha acabado de provar nos seus lábios. Mas não disse nada do que queria dizer.

De qualquer forma, enquanto ele falava eu pensava em como gostava de lhe falar destas coisas. Das descobertas que fazemos quando lemos, do calor que sentimos, mesmo quando os dias não pedem Campari, mesmo quando dentro do livro, não estão 47 graus. Acho que eram 47.

Principalmente queria dizer-lhe que tinha descoberto os Cavalos de Tarquínia com Marguerite Duras. Pequenos cavalos esculpidos nos túmulos etruscos que se fizeram título de um livro que me chegou às mãos sem que eu o procurasse. E aproveitaria para lhe dizer que gostava de etruscos e da cultura etrusca. Da cerâmica, das esculturas, das jóias e, essencialmente, do alfabeto por descodificar. E do fulgor desta história, agora, tão longínqua.

a noite pede música

Manjericos de papel


Na papelaria Fernandes, no Chiado, descobri a Rita Vaz. Ou melhor, os seus manjericos em origami.
E fiquei encantada. E pensei na Leila. E na Zaclis. E no São João. E na noite que se acende nesse dia, na minha cidade. 

O grande Gatsby


«De cada vez que te apetecer criticar alguém […] lembra-te sempre que nem toda a gente neste mundo gozou algum dia das vantagens que tu tens tido.»

Francis Scott Fitzgerald


...um mistério...



Impertinências

Na mesa ao lado,


um jardim de senhoras ao domingo,

associadas na ordem da má-língua

e do chá com limão,

num café de inverno, pela tarde.



Queixam-se deste tempo, bebem, fumam,

discutem seus segredos, concordam com sorrisos…



e de súbito param a olhar-te.



Despreocupada contas

― e no local a tua voz é como um sabre

que fere o inimigo ―

uma história de cama com detalhes hábeis,

uma maneira de sentir a vida

que penetra e dissolve

a luz de igreja,

a humilhação do frio nos joelhos,

os caixões fechados e as fotos do casamento.



Certo tipo de gente

sofre de invernia nos olhos,

conhece as geadas

que passam por baixo da porta,

uma porta de quarto,

ali onde a noite tem sempre

um cheiro a espera inútil,

e depois da espera aceitam-se as mentiras,

e a seguir o silêncio.



Nada deixam os anos na mesa do lado,

senão um murmúrio que envelhece e uma sombra

que cruza os lábios como uma cicatriz,

um rancor na epiderme da consciência.



A tua voz é alta e jovem

e vestida de festa, e quando se desnuda

faz com que o sol de inverno, comovido,

se detenha um instante para apoiar a fronte

nas vidraças do café.



Luis García Montero, Espanha (n. 1958), traduzido por Nuno Dempster.



[poema retirado daqui, graças ao Rui Almeida, a ligação para este caminho. obrigada]

A janela para a rua

A janela para a rua

Franz Kafka

Quem vive à parte, mas aqui e ali procura algo a que venha se ligar; quem busca, no que respeita às alterações do dia, do tempo, do trabalho e coisas afins, não mais que um braço eventual qualquer, em que possa se apoiar — esse não irá muito longe sem uma janela para a rua. E se assim sucede, que ele nada espere e apenas, como um homem cansado, alternando os olhos ...entre o céu e o público, chegue ao parapeito de sua janela — e mesmo que não queira e recline a cabeça para trás um pouco —, o arrastarão para baixo os cavalos, com o seu séquito de rodas e rumores, e assim, finalmente, até o interior mesmo da harmonia humana.
(Trad. Artur A. de Ataíde)

Das Gassenfenster
Franz Kafka

Wer verlassen lebt und sich doch hie und da irgendwo anschließen möchte, wer mit Rücksicht auf die Veränderungen der Tageszeit, der Witterung, der Berufsverhältnisse und dergleichen ohne weiteres irgend einen beliebigen Arm sehen will, an dem er sich halten könnte, — der wird es ohne ein Gassenfenster nicht lange treiben. Und steht es mit ihm so, daß er gar nichts sucht und nur als müder Mann, die Augen auf und ab zwischen Publikum und Himmel, an seine Fensterbrüstung tritt, und er will nicht und hat ein wenig den Kopf zurückgeneigt, so reißen ihn doch unten die Pferde mit in ihr Gefolge von Wagen und Lärm und damit endlich der menschlichen Eintracht zu.

Fonte: aqui

Poema

Uma pedra na cabeça da mulher; e na cabeça


da casa, uma luz violenta.

Anda um peixe comprido pela cabeça do gato.

A mulher senta-se no tempo e a minha melancolia

pensa-a, enquanto

o gato imagina a elevada casa.

Eternamente a mulher da mão passa a mão

pelo gato abstracto,

... e a casa e o homem que eu vou ser

são minuto a minuto mais concretos.



A pedra cai na cabeça do gato e o peixe

gira e pára no sorriso

da mulher da luz. Dentro da casa,

o movimento obscuro destas coisas que não encontram

palavras.

Eu próprio caio na mulher, o gato

adormece na palavra, e a mulher toma

a palavra do gato no regaço.

Eu olho, e a mulher é a palavra.



Palavra abstracta que arrefeceu no gato

e agora aquece na carne

concreta da mulher.

A luz ilumina a pedra que está

na cabeça da casa, e o peixe corre cheio

de originalidade por dentro da palavra.

Se toco a mulher toco o gato, e é apaixonante.

Se toco (e é apaixonante)

a mulher, toco a pedra. Toco o gato e a pedra.

Toco a luz, ou a casa, ou o peixe, ou a palavra.

Toco a palavra apaixonante, se toco a mulher

com seu gato, pedra, peixe, luz e casa.

A mulher da palavra. A Palavra.



Deito-me e amo a mulher. E amo

o amor na mulher. E na palavra, o amor.

Amo com o amor do amor,

não só a palavra, mas

cada coisa que invade cada coisa

que invade a palavra.

E penso que sou total no minuto

em que a mulher eternamente

passa a mão da mulher no gato

dentro da casa.



No mundo tão concreto.



Herberto Helder

...delicioso...

É nisso que eu creio.

Trecho da carta escrita por Franz Kafka a Oscar Pollak, em 1904


“Acho que só devemos ler a espécie de livros que nos ferem e trespassam. Se o livro que estamos lendo não nos acorda com uma pancada na cabeça, por que o estamos lendo? Porque nos faz felizes, como você escreve? Bom Deus, seríamos felizes precisamente se não tivéssemos livros e a espécie de livros que nos torna felizes é a espécie de... livros que escreveríamos se a isso fôssemos obrigados. Mas nós precisamos de livros que nos afetam como um desastre, que nos magoam profundamente, como a morte de alguém a quem amávamos mais do que a nós mesmos, como ser banido para uma floresta longe de todos. Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós. É nisso que eu creio.

5 linhas ou menos

 

No metro, em Lisboa, na estação do Chiado, enquanto caminhava, alguém se agarrou ao meu braço e disse: por favor, deixe-me ir aqui ao seu lado, enquanto passamos o viaduto. Tenho vertigens. E caminhamos, assim, até ao outro lado, estranhos e apavorados. Eu não tenho vertigens. Mas apavora-me andar de braço dado com quem não conheço.

...encantador...

...do genial Antonio Boffa

sábado, junho 2

Breve História da Alma



« Ao longo dos séculos, muitos tentaram perceber a essência da alma: para alguns estava acorrentada ao corpo, para outros era um espírito puríssimo; os seus traços conduziam à intimidade profunda do homem ou à sua consciência ou, ainda, ao seu cérebro. A investigação laica identificava-a com a psique ou com o sistema neuronal, a intuição religiosa percebia-a como um abismo de luz em que Deus se desvenda. Cada vez mais procurada, investigada, negada e afirmada, a alma continuou a escapar à imensa fila dos seus «buscadores», que povoaram a história da humanidade. Como sugere a origem do nome, ela é de facto semelhante ao vento (ánemos, em grego), algo que existe mas não se vê nem se toca; que nos roça, sacode,atormenta e penetra, mas escapa inexoravelmente à verdade material.

Gianfranco Ravasi quis repensar o que já tinha sido investigado e meditado durante a longa aventura do pensamento humano, a partir das culturas primitivas e das antigas civilizações do Egipto, Mesopotâmia, Índia e Arábia. E analisou as duas nascentes que alimentam o conceito ocidental de alma: as Sagradas Escrituras, em particular o Génesis, com o homem criado à «imagem de Deus», e a cultura grega com os mitos de Psique e de Orfeu, e pensadores como Platão, Aristóteles e Plotino. São muitíssimos os buscadores que Ravasi encontra: daqueles que pesquisaram a alma do ponto de vista teológico como os Padres da Igreja e São Tomás de Aquino, àqueles que a analisaram filosoficamente como Descartes, Hegel, Comte, Darwin, Popper, mas também a Freud e Jung, só para citar alguns.

Quando se chega ao fim destas reflexões, apercebemo-nos de que a história da alma coincide com a história do homem, criatura de Deus. Mas surge a dúvida de que a agitação febril da humanidade contemporânea não seja um avanço, mas um imperceptível retrocesso ou uma estranha ciranda girada sempre no mesmo espaço e que «a alma, com a sua fome de eterno e de infinito» seja o que, pelo contrário, nos obrigará a avançar «sempre em frente».
 
Daqui

a noite pede música

Anjos Hoje


"A 11 de maio inaugurou a exposição temporária Angelorum. Anjos em Portugal

Angels in Portugal, pela qual se contam quase mil anos da representação do anjo na Arte em Portugal.

Hoje inaugura a exposição temporária Anjos Hoje, que apresenta os anjos de Paulo Neves e Catarina Machado."  A não perder, no Museu Alberto Sampaio, em Guimarães.

...acontece...