
Errar é humano. Diz-se com frequência. Geralmente como remate desassisado e conclusivo sobre algo irremediável ou não. Não será um pleonasmo? Será que os bichos se enganam? Será que as pulgas erram o salto? As aves erram as rotas? Os macacos erram o gesto?
Errar é humano! O que haveria de ser?
Erra-se quando não atingimos o resultado esperado, o objectivo delineado. Erra-se quando as consequências do que fazemos causam dor, dúvida, angustia, falha, ruína?
Quando construímos carreiras, relações, projectos de todas as latitudes – pessoais e profissionais – sobre pressupostos falsos? Sob a nossa verdade?
Quando é que erramos? Ou será simplesmente a ilusão a culpa do erro. Logo nós, porque nos iludimos. Não sei. Há quem culpe o coração. Outros, a burrice. E o assunto arruma-se.
Onde está o código desta estrada? Onde está o manual dos contratempos? O tratado das emoções? A enciclopédia dos sentimentos?
A primeira vez [fora de casa] que tive a noção clara de que o erro tinha punição, foi na escola primária. Com uma conta de dividir. Matemática. Pura objectividade. Mais tarde, apercebi-me dos erros que tinham concerto aparente. Uma vez, na casa dos meus pais, parti uma peça muito valiosa. Os cacos não eram muitos. Colou-se. Não se nota, disse a minha mãe, mas perdeu todo o valor. Aquilo ficou-me.
Entre os 14 e os 18 anos, descobri os erros emocionais. Tipo aqueles que cometemos tomados de paixão [faltar às aulas para ir jogar flippers; sair de casa, sem autorização, para ir dançar;] tão ou mais nociva do que o álcool e os seus efeitos aleatórios. Mas que ainda hoje, porque nem sempre aprendemos com os erros – não troco por nenhum gim tónico bem servido! Inícios. [Às vezes apetecia-me que a vida fosse apenas uma eterna sucessão de inícios.]
Depois, nas aulas de Português descobri claramente os erros de interpretação. «Não. O autor não quer dizer isso, o autor quer dizer...». E nós anotávamos o que o professor dizia sobre o que o autor quis dizer. Naquele tempo, eu não imaginava que os erros de interpretação seriam dos mais recorrentes durante a vida. Pensei que só teriam utilidade no teste sobre as Folhas Caídas, do Almeida Garrett. Mas não.
Acho que só aos 30 anos, mais coisa menos coisa, descobri os erros irremediáveis. Daqueles que não tem concerto. E onde se pode aplicar, levianamente, errar é humano! Pois haveria de ser o quê? Insisto. É uma afirmação sem siso.
Errar é humano, é embaraçoso, é cómico, é demolidor, é trágico. É um direito!
Errar a porta de casa é embaraçoso e cómico. Tentar abrir furiosa e insistentemente uma porta que não é a nossa, até nos perguntarem o que estamos ali a fazer, é de se fugir e nunca mais colocar os pés numa reunião de condomínio. É de ponderar mudar de casa, até!
Errar numa teoria, pode até trazer prestígio e reconhecimento. Por muito tempo que a teoria em vigor, esteja errada, já serviu. Foi verdadeira, até ao momento de se provar que já não o é. A construção do edifício cientifico é feita desse cimento de verdades destronadas. De verdades temporárias. Ou não.
Na ciência, o erro é, tantas vezes, uma bênção. Do erro faz-se luz. Há erros de uma longevidade secular. De uma utilidade impressionante.
O Erro de Descartes, por exemplo. Dei graças ao Manuel Damásio. É que sou do género emociono-me, logo existo. E andei tantos anos por me explicar! Andei tanto tempo a pensar que no lugar da cabeça me tinha nascido um coração. De cabelos claros, com olhos, boca, ouvidos. E um ou dois neurónios que, mesmo assim, metiam férias, quando mais eram precisos. Um horror!
E na vida, qual é o papel do erro? Cometer erros tanto na esfera pessoal como profissional pode ser trágico. Mesmo que daí se parta para uma nova verdade. Ou não.
Será que quando se segue o coração se erra ou, simplesmente, se desacerta? Não assertar é mais leve do que errar. E sempre dá a impressão de se estar a jogar às setas. Por exemplo.
E jogar às setas sempre é mais parecido com viver. Digo eu. Assim, como quem não encontra o alvo. Ou as setas. Tanto faz.
Na matemática diz-se do erro que é o valor absoluto da diferença (desvio) entre o valor exacto e o valor calculado ou registado por observação.
E na vida, o que é o erro? Um cálculo mal efectuado? Uma observação mal registada?
Um desvio? Seguramente. Um desvio. Ou um desacerto.
Entre muitos valores e outros tantos sonhos.
[Errar é humano. É demasiado humano.
E o que haveria de ser?]