quarta-feira, março 31
Metade da Gente do Mundo
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: poemas, Yehuda Amichai
Deixo um recado no Muro
[...] É aqui também que se crê estar o Centro do Mundo, simbolizado por uma bacia com água. Olhei-a longamente e, aí sim, senti que perante aquela bacia tosca, de pedra velha, podia estar uma ideia maior que o Homem. O centro do mundo deveria concentrar tudo o que temos de melhor. Os turistas acotovelam-se para ver. Os franciscanos cantavam qualquer coisa. E eu fiquei ali. Queria tanto entender[...].Chegas ao Muro. Homens do lado esquerdo com os kippa na cabeça, mulheres do lado direito. As mulheres são muito novas. Andam de trás para a frente e enfiam o rosto no «Livro das Lamentações» e não lêem, debitam, e é um choro constante que impressiona e arrepia. Os cânticos fúnebres, kinot,enchem-me os olhos de lágrimas. Lembro-me da minha mãe. Saio da zona do Muro às arrecuas, para não ofender a Deus.
Deixo um recado no Muro. Trabalhei nele uma noite inteira. Não sabia o que dizer. Escrevi: Perdoa-me, devolve-me a paz que tinha quando estava no teu regaço, no seio da minha mãe. Deixa-me. Encontra-me. Não posso continuar assim. Ouve-me hoje. Ajuda.me amanhã. Não sei se acredito. Não te minto. Mas hoje ouve o meu coração e junta-o ao teu [...].
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: Livros que li, No Silêncio de Deus, Patricia Reis
é lindíssimo!
poema de Constantino Cavafis.
[há dias assim. tanto. que não consigo dizer mais nada. ouçam. é lindíssimo]
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
Etiquetas: Poemas que sinto, poeta
terça-feira, março 30
Fala-nos da Conversa
E ele respondeu, dizendo:
Vós falais quando deixais de estar em paz com os vossos pensamentos, e
quando já não conseguis lidar com a solidão do vosso coração, viveis com os
lábios e o som é uma diversão e um passatempo.
E, em muita da vossa conversa, o pensamento fica amordaçado.
Pois o pensamento é um pássaro do espaço que numa gaiola de palavras pode
abrir as asas mas não pode voar.
Há muitos de entre vós que procurais a conversa com medo de estardes
sozinhos.
O silêncio da solidão revela aos vossos olhos os vossos eus despidos e eles
querem escapar.
E há aqueles que falam, e sem conhecimento ou premeditação revelam uma
verdade que nem eles próprios entendem.
E há aqueles que têm a verdade dentro de si, mas não a dizem por palavras.
E é no seio destes que o espírito habita em silêncio rítmico.
Quando encontrais o vosso amigo na rua ou no mercado, deixai que o vosso
espírito conduza os vossos lábios e dirija a vossa língua.
Deixai que a voz dentro da vossa voz fale ao ouvido do seu ouvido, pois a
sua alma guardará a verdade do vosso coração tal como se guarda o sabor do
vinho. Quando já se esqueceu a cor e já não temos a taça.
Khalil Gibran in O Profeta
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: Escritores
domingo, março 28
Carta
lyrics: Ruy Gerra / música: Francis Hime
Escrito/editado por Marta 6 Terráqueos
Etiquetas: blogs que leio
Pelo Amor de Judith
está entre os livros que mais me disseram. que mais dei a ler. é uma história fortíssima. muito, muito bem escrita. em vez de capítulos, está dividido em refeições. já o li há uns anos e, agora, a caminho de Israel senti vontade de lhe pegar. como quem pega ao colo.
PELO AMOR DE JUDITH. chama-se assim. foi por ele que comecei a ler Meir Shalev. depois, li-lhe outros. mas este é tipo "não há amor como o primeiro".
«[...] O globo terrestre girava. O Inverno terminava. Como as criaturas da Primavera são submissas: os pombos cantavam, as flores da macieira agitavam a sua corola, à qual se apegavam as abelhas, suas damas de honor, e sob o olhar de Jacob vacilavam borboletas, entontecidas, presas na rede da sua memória.
Dominavam o dourado e o verde. O sol estava aceso - como eram familiares, como eram belas essas imagens - e já um pequeno pica-peixe planava por cima do seu reflexo, o vento rebolava-se nas folhas das bétulas, as raparigas partiam para o rochedo na curva do rio, para lavar os vestidos e os lençóis.
Então, contava-me Jacob, pintaram-se-lhe no coração as cores básicas do amor, porque no amor de uma criança, decretou ele, o espanto é mais importante do que a paixão, o encantamento leva a melhor ao ciume, e esse amor é maior do que todos os amores que hão-de vir, pois a sua força e o seu peso são os de todo o seu corpo.
Na sua infância, prosseguiu ele, não tinha gostado de uma mulher única, mas sim de todas as mulheres, tinha amado também a terra que lhes transportava a nostalgia do amor, e o céu que lhes protegia a beleza do rosto, e o Deus Um dos Judeus que as tinha colocado na ombreira da sua porta.
Invejava os joelhos delas sobre a ardósia negra.
Devido ao local e ao ângulo, as raparigas pareciam flutuar sobre as águas abundantes e radiosas de sol. O vento brincava com os seus vestidos, moldava, enfolava, desenhava.
«A imagem de sempre do amor», repetia-me Jacob, usufruindo não apenas a recordação, mas também a expressão que a sua língua hesitante tinha conseguido formular».
Meir Shalev in Pelo Amor de Judith, pag. 293, Difel, 1994
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, Meir Shalev
Um mistério em Serralves
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, Patricia Reis
sábado, março 27
a noite pede música
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: Lahasa de Sela, Músicas que ouço
Vamos ao Lugar do Desenho
Continua patente:
JÚLIO RESENDE (obras do acervo do Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende)
R. PINTOR JÚLIO RESENDE 346 -
ENTRADAS : € 1.00 - Entrada normal € 0.50 - Mais de 65 anos e estudantes Entrada livre: Associados e Amigos da Fundação, Crianças e Visitas organizadas.
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: eventos, Júlio Resende, pintura
quarta-feira, março 24
Poesia vertical
apaga a historia de todos os poemas,
apaga sua própria historia
e até apaga a história do homem
para ganhar um rosto de palavras
que o abismo não apague.
Também cada palavra do poema
faz olvidar a anterior,
se desprende um momento
do tronco multiforme da linguagem
e depois se reencontra com as outras palavras
para cumprir o rito imprescindível
de inaugurar outra linguagem.
E também cada silêncio do poema
faz olvidar o anterior,
entra na grande amnésia do poema
e vai envolvendo palavra por palavra,
até sair depois e envolver o poema
como uma capa protetora
que o preserva dos outros dizeres.
Tudo isto não é raro.
No fundo,
também cada homem faz olvidar o anterior,
faz olvidar a todos os homens.
Se nada se repete igual,
todas as coisas são últimas coisas.
Se nada se repete igual,
todas as coisas são também as primeiras.
Roberto Juarroz
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: blogs que leio, Escritores, Roberto Juarroz
Mostra do Documentário Português
Sessenta e três documentários integram a Panorama - 4.ª Mostra do Documentário
Português, a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa, de 9 a 18 de Abril.
“Como se ensina o documentário português?” é o tema da edição deste ano da Panorama. Na rubrica “Percursos no documentário português” será visitada a obra de António Reis e Margarida Cordeiro, através de quatro filmes do casal: “Jaime” (este ainda não assinado por Margarida Cordeiro, mas no qual participou), filme que abre a mostra, “Trás-os-Montes”, “Ana” e “Rosa de Areia”.
Esta edição da Panorama pretende ainda traçar o retrato do cinema de hoje a partir da constatação de que num ano de produção se destacaram filmes que romperam com fórmulas e reinventaram soluções práticas.
A mostra integra ainda um debate sobre as relações entre o documentário e uma programação intermédia com fi lmes produzidos na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde António Reis foi professor e considerado “mestre”.
Entre estes encontram-se as primeiras obras de João Pedro Rodrigues,Joaquim Sapinho e Joana Pontes.»
Notícia retirada daqui.
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
Etiquetas: eventos
segunda-feira, março 22
Tivesse ainda tempo e entregava-te o coração
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos
Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo
Tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração
José Tolentino Mendonça in A que distância deixaste o coração
Escrito/editado por Marta 10 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, José Tolentino Mendonça, Poemas que sinto
conta-me como foi...
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: José Cid, Músicas; blogs que leio
sexta-feira, março 19
Comunidade de Leitores
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: eventos
As raparigas amam muito.
As raparigas amam muito. Riem
atrás das mãos uma manhã inteira
para esconder o vermelho dos
beijos que alguém lhes roubou e
um nome que vão deixar escapar
entre as primeiras palavras que
disserem. Vestem do avesso os
aventais de chita e fazem o leite
sobrar do fervedor e o caldo ser
mais salgado do que o mar. Mas
é bonito vê-las caminhar descalças
ao longo do corredor, como se
pedissem um par para dançar. As
raparigas amam tanto. Sentam-se
em rodas de segredos uma tarde
inteira e esquecem no tanque os
colarinhos sujos das camisas, e os
cueiros, e uma barra de sabão a
derreter-se como o seu coração.
Mas é bonito vê-las beijar a boca
ao espelho no quarto das traseiras
e também a outra boca no retrato
que a seguir escondem amordaçado
na algibeira, não lhes cobice alguém
o que não tem. As raparigas amam
de mais. Deixam-se ficar sem dizer
nada uma noite inteira, bordando
no linho dos enxovais letras secretas
ao calor do fogão. E picam os dedos
distraídos nas agulhas que usaram
para descobrir o sexo de cada filho
que terão num jogo que jogaram
entre elas à tardinha. Mas é bonito
vê-las ao serão, quando o vento as
chama atrevido da cozinha e dão
um pulo seco na cadeira, e largam o
bordado e a lareira, e correm até à
porta a colher beijos que lhes deixam
risos nos lábios tão vermelhos como
as mais doces cerejas deste verão.
Maria do Rosário Pedreira in “Nenhum nome depois", edição da Gótica
Escrito/editado por Marta 7 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, Maria do Rosário Pedreira
quinta-feira, março 18
Segunda infância
o dia começa e o corpo nos renasce
Regresso recém-nascido ao teu regaço
minha mais funda infância meu paul
Voltam de novo as folhas para as árvores
e nunca as lágrimas deixaram os olhos
Nem houve céus forrados sobre as horas
nem míseras ideias de cotim
despovoaram alegres tardes de pássaros
O sol continua a ser o único
acontecimento importante da rua
Eu passo mas não peço às árvores
coração para além dos frutos
Tu és ainda o maior dos mares
e embrulho-me na voz com que desdobras
o inumerável número dos dias
Ruy Belo , Obra Poética, vol. 1, Presença, Lisboa, 1981
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, Poemas que sinto, Ruy Belo
vá lá...votem neste olhar
faltam 6 dias para a votação terminar! espreitem o blog da SONJA e, depois, verão que é impossível não votar no seu ...olhar...tão especial. AQUI.
IMAGEM: Sonja Valentina
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: blogs que leio
Pigmalião e Galateia
«O Teatro Oficina, em colaboração com o Centro de Computação Gráfica da Universidade do Minho, promove este projecto de criação, onde arte e ciência, teatro e tecnologia se unem para contar uma história, transformando a ficção científica de ontem no modo de representar hoje a realidade. Três cidades unem-se para contar uma história, onde recorrendo à literatura que construiu a civilização que somos hoje, fazemos um texto novo, que fala exactamente daquilo que nos interessa no teatro, a criação do humano.
Este espectáculo é uma variação sobre a história de Pigmalião e Galateia, contada pelo Ovídio nas “Metamorfoses”: o escultor solitário e esteta que constrói uma estátua da mulher perfeita, se apaixona por ela, e a vê depois transformada numa mulher real. Através do mito de Pigmalião é explorada a ideia da “invenção do feminino”. Partindo-se do Ovídio, e das várias traduções portuguesas e estrangeiras, fazendo da estátua um programa de computador e da Galateia um holograma. Já com Galateia materializada em pessoa, contesta-se a ideia de “mulher perfeita” perguntando-se porque é que a mulher há-de continuar a ser “inventada” pelo homem, em vez de ter o mesmo grau de realidade do homem. Do lirismo da homenagem ao mito, se caminhará para a crítica e ironia.»
Texto: Pedro Mexia Encenação: Marcos Barbosa Cenografia: Ricardo Preto Figurinos: Susana Abreu Desenho de luz: Pedro Carvalho Som e música: Sérgio Delgado Elenco: Diana Sá e Emílio Gomes Produção executiva: Teatro Oficina
A ver no Theatro Circo, em Braga. Hoje, amanhã e depois. Mais informação AQUI.
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
Etiquetas: teatro
quarta-feira, março 17
Quem pagará o enterro e as flores...
Quem pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores?
O filme de Miguel Faria Jr. é apresentado, hoje, na FNAC de Santa Catarina e no próximo dia 24 na do Gaia Shopping.
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Poema para Galileu
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!
Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.
Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar- que disparate, Galileo!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação-
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Pois não é evidente, Galileo?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.
Estava agora a lembrar-me, Galileo,
daquela cena em que tu estavas sentado num escabelo
e tinhas à tua frente
um friso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.
Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se tivesse tornado num perigo
para a Humanidade
e para a Civilização.
Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscavas os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas- parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.
E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.
E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e descrevias
para eterna perdição da tua alma.
Ai Galileo!
Mal sabem os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andavam a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilómetros por segundo.
Tu é que sabias, Galileo Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.
Por isso estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto incessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão directa do quadrado dos tempos.
António Gedeão
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
Etiquetas: António Gedeão, poemas
Sidereus Nuncius
Mais aqui.
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
terça-feira, março 16
Um livro para Vila D´Este
Faculdade de Direito da Universidade do Porto;
Escola Superior de Tecnologias da Saúde do Instituto Politécnico do Porto;
CPipp - Casa do Pessoal do Instituto Politécnico do Porto;
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto;
Contrato de Desenvolvimento Social de V N Gaia: AGIR XXI;
ver reportagem aqui.
Para mais informações contactar directamente o AGIRXXI através do número de telefone 227843295 ou através do e-mail: agirxxi@gmail.com.Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: campanhas de sensibilização
segunda-feira, março 15
O dia estava acabado.
É que aquele que se prende
É quem nos prende a nós»
Gustavo Matos Sequeira in Bocage
O dia estava acabado. Ao menos para aquela gente. Ao seu sinal de arrastar a cadeira tinham-se levantado, os apetrechos sumptuários já arrumados nas pastas, nas carteiras de marca enormes das mulheres, para todo o serviço. Alguns, em desfastio subreptício, guardavam a esferográfica posta à disposição, as folhas A quatro virgens de notas e rabiscos, com o timbre da casa. A fadiga, o alívio. A reunião correra muito bem. As congratulações finais. A repugnância.
Diante do espelho enche a concha das mãos de água fria. Passa a cara, a água gelada dos canos desliza pelo interior dos punhos aos pulsos. O arrepio passa ànuca, às espáduas. Olha-se, vê-se. As bolsas do desgaste, a cara sem decifração possível ainda afivelada. O sangue sobe ao estímulo do frio. Remoça em segundos para aparar a noite. A bela feição a cinzel. Nada mudou no espelho da emanação dos balneários, dos sanitários de liceu, de hotéis e casas. Nada. Dorian Gray ao invés. O olhar fixo que ainda transtornava os lugares públicos, passeado, fixo e solto. A avaliação que demite, o desprezo.
Enxuga a cara. Um rubor de pedra nos malares. As pessoas são escolhidas pelo que têm, não pelo que lhes falta. Lei da selva? Exactamente. Incompetentes, obtusos, cães da intriga uns dos outros, da sua. A figura no espelho encolhe os ombros, arremeda-o num esgar a reaver a lassidão da pele enxuta. Penteia-se, acha-se bem naquele rosto que vem da terra. Da terra, dissera-lhe o amigo há tantos anos. Da terra, como um usurpador a cavalo, com esses olhos mongóis. A guinada na memória afasta-o do espelho.
A reunião correra bem. Iam satisfeitos consigo, coniventes com ele até à próxima intriga, aos vapores da cobiça e da intriga apaixonada em todos os escalões. Aquela gente não tinha vida própria sem noticiar-se, sem denunciar-se. O trabalho não era conseguir, era resultar contra alguém. E ele, onde chegara e porquê, o afecto, todo o afecto coarctado. Temido sem estima, informado a medo, arredio à convivialidade e à delação. O cargo. Exactamente. Uma carreira temível, escolhido sempre mais alto em momentos de risco, não dê fraqueza. Quando se requeria uma testa de ferro. Riu-se sozinho, que era como se ria, lembrando-se da mulher que já não tinha, que nunca quisera ter. Objectos que não consumia, não consumira ninguém. Retirava, sem desejo na alma, um mínimo. Os outros impacientavam-no, e as emoções.
No elevador os espelhos já foram como se não existissem. Pelo palácio quase vazio onde não fez som, os funcionários menores levantaram-se à sua passagem. Eram os únicos que pareciam agradecidos da sua brusquidão, que lhes enformava as vidas num sem sobressalto: sem afabilidade e sem destemperos. Sem favor, nem desfavor.
Despediu o motorista que aprendera a colocar as feições pelo seu registo. Aprendera, há muito, com as passagens de mão. Cada um e o tudo o que se ouve uma lição de impassibilidade e mutismo.
A noite estava de uma grande frialdade enevoada, sem chuva. Levantou a gola do sobretudo e não estugou o passo sobre o lajedo do grande átrio aberto, a praça lúgubre. Deixara a pasta para seguir de madrugada. Estava uma noite de desafios parados, sereníssima, as núvens de bafo a acompanharem-lhe a cabeça.
O homem caminha, cisma e olha. É assim que pensa, pondera, vê, em passos que não se ouvem. Não há vivalma, ouve-se o tráfego ao longe. Uma rata soergue-se na sarjeta próxima. As guias finas brilham auscultando o ar sem aragem. Retoma o seu que fazer. Reconhece, nas vibrissas, o que nele vibra, frio e cauto. Igual para igual. Macio, as patas frias. Medonho para quem não for dessa espécie, dessa variante. O homem avança para a outra praça que tem uma torre que sai do solo. Como é seguro o sereno. Na boca da noite o homem acha os lugares que fazem o sereno e lhe convem.
Helena pode estar lá, detrás da torre, é um dos lugares onde se arrima. Não hoje. O homem refaz o caminho de regresso, lento, sem busca, às luzes da cidade, por outra trajectória possível nas rotinas da hora parada.
Helena está sentada no banco do espaço arborizado que confina com a fachada iluminada do palácio, a sul-poente. Da fachada com as altas janelas e portadas entaipadas que dão para o nada, dos debruns altíssimos das salas e quartos de que só resta uma quarta parede, as chagas das obras incompletas há décadas. Iluminada ao alto, a bela ruína, mas não o banco de pedra onde está Helena, à sombra dos eucaliptos já idosos, os sós eucaliptos daquele lugar de passagem ermo, eucaliptos e detritos e escaras de estuque arcaico do palácio contíguo, com as suas arcadas cegas.
Ai, diz Helena, hoje vem mais tardio, doutor. Não épetulante, Helena, nem popular no dizer. Mais parece suspiro de mágoa mundana, a frase feita. O homem senta-se ao lado dela, as mãos nos bolsos com os polegares agarrados nos punhos. Não se enfrentam, mas ele vê com o horror crescente de todas as vezes o que ela traz vestido: um casacão roto que decerto pertenceu a homem ou a mulher alentada, uma camisa de noite de flanela com motivos infantis que lhe tapa os joelhos. Numa das pernas tem uma ligadura suja, enrodilhada já. Nos pés, as botinas cambadas deste Inverno, peúgas de lã descaídas.
Não é um jardim, não é uma alameda, não há passantes. [...]
Maria Velho da Costa, in Vozes e Olhares no Feminino
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
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O mar que a gente faz
Escrito/editado por Marta 0 Terráqueos
Etiquetas: João Negreiros
Pássaros de Pangim
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: musicas que ouço, Rodrigo Leão
Troque de agenda! Por uma boa causa.
eu sou daquelas pessoas antigas que não funcionam sem agenda de papel. agora tenho duas. a que comprei em 2009 para 2010 e a que comprei em 2010 para 2010. por uma boa causa. claro.
pelo ANO EUROPEU DE DO COMBATE À POBREZA E À EXCLUSÃO SOCIAL. e porque tem fotografias de fotógrafos portugueses sobre o tema e porque o design é da Mariana Mattos e porque a agenda é muito mais do que uma agenda. mais aqui. e aqui.
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
Etiquetas: campanhas de sensibilização
sexta-feira, março 12
quinta-feira, março 11
Um pai em nascimento
José Eduardo Agualusa está, hoje, às 21.30, na Biblioteca do Palácio de Cristal :)
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: eventos, José Eduardo Agualusa, livros
terça-feira, março 9
tia dinossauro
Escrito/editado por Marta 11 Terráqueos
Etiquetas: os meus sobrinhos são geniais
segunda-feira, março 8
Antes de ser Feliz I
Isso agora não interessa. Ela contava que vivia perto do cemitério, mesmo ali à beira dos mortos, do cheiro das flores das senhoras que fazem o favor de manter esse negócio, do barulho do portão de ferro que rangia, gemia e chorava sempre que entrava mais um carro funerário. A morte era um ritual normal na vida da minha professora. Do que ela mais gostava era de observar o cemitério à noite. Tinha um fascínio enorme por aquilo e fazia apostas.
Há quem olhe para o céu à espera de uma estrela cadente, ardentemente à espera de pedir um desejo, condensar naquele rasgo luminoso, em queda livre, todas as esperanças de uma vida. Carminda preferia olhar para o cemitério e perceber onde estavam os mortos novos
pelos gases que passeavam no ar, como uma última manifestação dos corpos que partiam.
A mãe dizia-lhe que tinha demasiada imaginação.
Carminda jurava o conto do coveiro como verdadeiro:os gases eram como as almas a ir para o céu, devagar, a libertarem-se dos cadáveres e ela gostava de os ver, a desfazerem-se no negro da noite, contra a parca iluminação dos candeeiros velhos, de ferro antigo e ruidoso, que compunham o cenário do cemitério.
Eu gosto de pensar que morreu ali, na Póvoa, a olhar as almas gaseadas enquanto atormentava uma prol de netos que reviravam os olhos de cansaço por ser sempre a mesma história.
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, Patricia Reis
STOUT is out
...a petição está aqui. para quem a quiser assinar.
mas a cerveja preta é a minha preferida. ah pois é.
...o que me aborrece é a falta de criatividade. uma enorme falta de criatividade.
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: Publicidade
Há tertúlia... no Piolho
«A Provedoria dos Cidadãos com Deficiência em colaboração com Reitoria da Universidade do Porto e o apoio da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, inicia na próxima segunda-feira, dia 8 de Março, uma série de Tertúlias sobre a Cidadania de Todos e a República». Dia 8 de Março, a Tertúlia terá lugar no Café Piolho, no Porto, às 18.30 horas.
O tema “As Ideias Republicanas e o seu Impacto nos Direitos das Mulheres” será apresentado por Beatriz Pacheco Pereira e por Lia Ferreira.
Notícia retirada daqui.
Escrito/editado por Marta 3 Terráqueos
Etiquetas: eventos
sexta-feira, março 5
Hoje, nas livrarias
o Outono visto pela janela
na casa onde nasci havia sons e cheiros meus
as pessoas que os tinham emprestavam-mos à memória
e eu incluía-os como amigos íntimos
nesta não tem gente
ou se tem não têm cheiro
nem som porque eu não me lembro
gastei toda a memória nas pessoas antigas
e o espaço para as novas é um T1 que fica muito para além do T
onde eu estou sem visitas
fechado à medida de não deixar entrar
preciso do que já foi como do próximo ar para me lembrar que foi bom
eu já fui bom
agora não sei
mas já fui
juro que fui
e quero gastar as únicas energias a fazer manutenção às memórias
p’ra que nenhuma se perca
era pena
é que até a gente que me fez por dentro como a um cofre já não existe
e quero mantê-los ligados à máquina para sempre
e a máquina sou eu
e para sempre sou eu
anda
aconchega-te no mofo do T1
finge que és de antigamente para te dar os beijinhos de quando era pequenino
cheiras à minha avó
à roupa no estendal
à canção do fim dos bonecos
ao banho que está a ficar frio
ao grito do granizo do dia mais longo em que a casa esteve para cair
tu cheiras e sabes ao dia em que a casa esteve para cair
que foi no mesmo dia em que resistiu
como se estivesse ali desde o início dos tempos
e os tivesse começado para eu os acabar
acabar
acabar
acaba comigo que me falha a lembrança
e restas-me como a folha que esteve para cair
e que só não caiu porque o mundo acabou antes do Outono
João Negreiros in a verdade dói e pode estar errada
Colecção Camões & Companhia da Saída de Emergência
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, João Negreiros
Lenha
[...o que quer que eu diga você não vai entender...]
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: musicas que ouço, Zeca Baleiro
quarta-feira, março 3
amanhã, no FANTASPORTO, "os esquecidos"
Pedro Neves, jornalista e documentarista
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: fantasporto, filmes
terça-feira, março 2
Indignados com a pobreza
retirado daqui, do blog da Amnistia Internacional.
e, já agora, assine aqui, a petição nacional "ACABAR COM A POBREZA JÁ".
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: políticas sociais
outro café. o mesmo actor.
não pensem que é só o spot publicitário. Há 3 opções... e pronto... ELE é incontornável... pois é. quanto ao café... prefiro outro. este é muito asséptico... e tem um clube e as pessoas fazem fila para o comprar...enfim. coisas minhas. já o George, a história é outra ;) AQUI.
Escrito/editado por Marta 4 Terráqueos
Etiquetas: coisas minhas
segunda-feira, março 1
+ /- Fixação Proíbida
«Paredes que falam connosco! Cartazes,
stencils e tantas mensagens mais ou menos discretas.
Alguém procura um percurso nessas mensagens.
Envolta de histórias, observa.
É fascinante a pulsação nas paredes frias.
Trovadorescas provas de amor gravadas no corpo da cidade.
Tornam-se nossas. Fazem-nos testemunhas dessa intimidade pública.
Manuela Pimentel traz-nos essas mensagens. Mas traz-nos também a "revolta dos azulejos". Desta vez são os azulejos tradicionais portugueses que se impõem aos cartazes de rua.
Mais ou menos...fixação proíbida!»
Exposição de Manuela Pimentel, na GALERIA JORGE SHIRLEY, Rua Escola Politécnica, 21-23, em Lisboa
imagem: Manuela Pimentel
Escrito/editado por Marta 2 Terráqueos
Etiquetas: artes plásticas, eventos