domingo, dezembro 11

Isto para dizer...


Há lugares e não-lugares, Marc Augé sustentou-o, no meu entender, muito bem.
O que é um blog? Certamente um lugar. Um lugar onde acontecem coisas tão estranhas como sentirmo-nos ligados a pessoas que não conhecemos. Entram no nosso quotidiano como a senhora demasiado real da lavandaria, ou o senhor risonho do café onde tomamos a bica [eu disse bica para não repetir café, porque eu digo café] todos os dias. Aqui, os afectos ganham uma nova dimensão - pelo menos para mim é nova - e pessoas a quem nunca ouvimos a voz ou olhamos nos olhos, passam a fazer parte do nosso dia-a-dia. Sabem de nós coisas simples que pessoas que trabalham connosco, que nos vêem todos os dias, não sabem. Ver não é conhecer, pois claro que não. Há pessoas com quem trabalho, por exemplo, que não imaginam que não vivo sem jazz. Nem têm de imaginar, é certo. Isto para dizer que um blog pode ser também um lugar de autenticidade, um lugar onde se é realmente. Onde encontramos pessoas deliciosamente reais.
Isto para dizer o que não me está a sair muito bem... porque ando há dias a pensar no que dizer e quando eu penso muito, nada me sai bem. Para dizer que aqui encontrei um espaço de partilha inigualável, que encontrei pessoas que me emocionam, que encontrei inspiração em traços e gestos que não consigo, agora, dizer o quanto significam para mim. Mas significam muitíssimo. Isto para dizer que tenho de pôr, aqui na porta "um volto já" que é como quem diz volto um dia destes. É que não gosto de dizer adeus, porque isto também não é um adeus, é mesmo uma forma de dizer vou porque tenho mesmo de ir e já estou com saudades. Isto para dizer obrigada a todos os que passam aqui, em silêncio ou não. E mandam e-mails e músicas e notícias e livros e desenhos. E vida e tudo.
Obrigada. De um fundo que não tem fundo.
Não é falta de tempo, é excesso de matéria. Acreditem! Tenho, de repente, ou quase, coisas para fazer acontecer. Com prazos umas, outras nem tanto. E um dia destes passo cá para vos contar o que tenho andado a fazer e vou bater à porta daqueles a quem conheço a porta. Isto para dizer que foram quase três anos absolutamente inesquecíveis aqui, convosco. E que aqui, convosco, me aconteceram coisas extraordináriamente boas e quase inacreditáveis. Algumas.
Isto para dizer que vos estou muito, mesmo muito, grata.

marta

P.S. Como disse J. Rentes de Carvalho, "um blog cria-nos a ilusão de estar alguém à nossa espera". E eu, pelo sim, pelo não, vou já dizendo que, se tudo correr bem, volto ...lá para Março.

P.S.2 Esta ideia que a Margarida me deu, por e-mail, pode resultar:
 «Marta, quando tiver algo urgente a dizer, um livro para recomendar, por exemplo, acrescente um P.S ao último post. É mais prático».
Já estou a pôr em prática. Obrigada:)

Estou perto do nó misterioso das coisas


Não cairei. Atingi o centro. Escuto o bater de não se sabe que relógio divino, através do delgado tapume carnal da vida cheia de sangue, de estremecimentos e de sopros. Estou perto do nó misterioso das coisas como à noite estamos por vezes perto de um coração.

Marguerite Yourcenar, in Fogos, pag.81, Difel, 1995

imagem: Tiago Taron

Há cidades cor de pérola onde as mulheres



Há cidades cor de pérola onde as mulheres

existem velozmente. Onde

às vezes param, e são morosas

por dentro. Há cidades absolutas,

trabalhadas interiormente pelo pensamento

das mulheres.

Lugares límpidos e depois nocturnos,

vistos ao alto como um fogo antigo,

ou como um fogo juvenil.

Vistos fixamente abaixados nas águas

celestes.

Há lugares de um esplendor virgem,

com mulheres puras cujas mãos

estremecem. Mulheres que imaginam

num supremo silêncio, elevando-se

sobre as pancadas da minha arte interior.


Há cidades esquecidas pelas semanas fora.

Emoções onde vivo sem orelhas

nem dedos. Onde consumo

uma amizade bárbara. Um amor

levitante. Zona

que se refere aos meus dons desconhecidos.

Há fervorosas e leves cidades sob os arcos

pensadores. Para que algumas mulheres

sejam cândidas. Para que alguém

bata em mim no alto da noite e me diga

o terror de semanas desaparecidas.

Eu durmo no ar dessas cidades femininas

cujos espinhos e sangues me inspiram

o fundo da vida.

Nelas queimo o mês que me pertence.

o minha loucura, escada

sobre escada.


MuIheres que eu amo com um des-

espero .fulminante, a quem beijo os pés

supostos entre pensamento e movimento.

Cujo nome belo e sufocante digo com terror,

com alegria. Em que toco levemente

Imente a boca brutal.

Há mulheres que colocam cidades doces

e formidáveis no espaço, dentro

de ténues pérolas.

Que racham a luz de alto a baixo

e criam uma insondável ilusão.


Dentro de minha idade, desde

a treva, de crime em crime - espero

a felicidade de loucas delicadas

mulheres.

Uma cidade voltada para dentro

do génio, aberta como uma boca

em cima do som.

Com estrelas secas.

Parada.


Subo as mulheres aos degraus.

Seus pedregulhos perante Deus.

É a vida futura tocando o sangue

de um amargo delírio.

Olho de cima a beleza genial

de sua cabeça

ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se

no meu pensamento quente.

Herberto Helder

Um século, dez lápis, cem desenhos


 A visitar, na Biblioteca Almeida Garrett, no Porto: um século, dez lápis, cem desenhos

Feliz Natal! Bom ano!


[um feliz Natal e um excelente ano novo
para todos os queridíssimos terráqueos que passam por este planeta]





Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Era gente a correr pela música acima.

Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

...

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.

Guitarras guitarras. Ou talvez mar.

E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.



Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.

No teu ritmo nos teus ritos.

No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).

Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.

E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.

No teu sol acontecia.



Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).

Todo o tempo num só tempo: andamento

de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.

Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva

acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva

na cidade agitada pelo vento.



Natal Natal (diziam). E acontecia.

Como se fosse na palavra a rosa brava

acontecia. E era Dezembro que floria.

Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.

E era na lava a rosa e a palavra.

Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia.


Manuel Alegre

a noite pede música

Casa cheia!


Mais uma vez, casa cheia na FNAC do Norteshopping, na passada sexta-feira, para mais uma apresentação do livro "Lúcio Feteira: das Origens à Glória". Pormenores aqui , no blog do autor.

O último Cineliterário !?


No próximo diz 16 de Dezembro, às 21.30 horas, na Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco,em Vila Nova de Famalicão, acontece o último Cineliterário! Alice no país das maravilhas do escritor britânico Lewis Carroll, adaptado ao cinema por Tim Burton, será o filme que nos espera!
Aproveito para brindar ao excelente trabalho que a Cláudia Sousa Dias tem feito como dinamizadora desta iniciativa que me levou muitas vezes aquela biblioteca tão especial para mim! Dizem-me que anda aí uma petição para que não acabe! Logo que me chegue assinarei e darei a assinar. Afinal, não são assim tantas as iniciativas que servem de exemplo: os debates, no fim dos filmes, foram sempre de uma qualidade inegável. E creio que isso se deve ao facto de a Cláudia Sousa Dias ser a pessoa certa para levar a bom porto esta iniciativa! Nota-se sempre um cuidado extremo na preparação e apresentação de cada filme/livro. Algo feito com uma entrega total e com absoluto conhecimento da causa! Não compreendo, palavra que não!

porque sim



[...Catarina Machado...a pintora surfista... a inspiração que vem do mar...]

Partilhar, com a CAIS!


A fadista Helena Sarmento e Manuel António Pina na iniciativa da CAIS. E a partilha, de facto, aconteceu! Muitas pessoas foram agradecer à fadista dizendo "obrigada, menina, foi um dia muito feliz pois nunca tinha ouvido cantar fado ao vivo"!

a noite pede música

sábado, dezembro 10

Hoje, às 17 horas...


«Robert Walser (1878-1956) é um dos mais originais escritores do século XX. Mestre da prosa curta, romancista singular, os seus textos situam-se na fronteira entre o real e o fantástico, a vida e o sonho. Ou, para sermos mais rigorosos, situam-se num território literário para o qual ainda não foi inventado um nome.»

Será assim...

quinta-feira, dezembro 8

"A invenção do dia claro"


Eu queria que os outros dissessem de mim: olha um homem! Como se diz : Olha o cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma arvore! quando há uma arvore. Assim, inteiro, sem adjectivos, só de uma peça: UM homem!

[...]

As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.

José de Almada Negreiros in A Invenção do dia claro



[obrigada Helena e JGF. foi um belo serão! gostei muitíssimo...]

a noite pede música

Os livros





É então isto um livro,


este, como dizer?, murmúrio,

este rosto virado para dentro de

alguma coisa escura que ainda não existe

que, se uma mão subitamente

inocente a toca,

se abre desamparadamente

como uma boca

falando com a nossa voz?

É isto um livro,

esta espécie de coração (o nosso coração)

dizendo 'eu' entre nós e nós?


Manuel António Pina in Como se desenha uma casa, pag.21, Assírio & Alvim, 2011

a noite pede música

Aqui




Aqui cantaste nua.


Aqui bebeste a planicie, a lua,

e ao vento deste os olhos a beber.

Aqui abandonaste as mãos

a tudo o que não chega a acontecer.

[...]

Eugénio de Andrade

quarta-feira, dezembro 7

a noite pede música

...talvez...


[...um dia, quando for grande, talvez consiga um  trabalho assim:
comer & falar!]

...coisas minhas...


[...vamos às compras...]