quinta-feira, dezembro 8

"A invenção do dia claro"


Eu queria que os outros dissessem de mim: olha um homem! Como se diz : Olha o cão! quando passa um cão; como se diz: olha uma arvore! quando há uma arvore. Assim, inteiro, sem adjectivos, só de uma peça: UM homem!

[...]

As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco dos olhos de cada um.

José de Almada Negreiros in A Invenção do dia claro



[obrigada Helena e JGF. foi um belo serão! gostei muitíssimo...]

quinta-feira, junho 3

Desenhar uma flor



Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas.

A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!

Almada Negreiros in O Regresso ou o Homem Sentado