Na verdade, eu respirava com dificuldade em ambos. ...O lado oeste também não me parecia um bom exemplo de sociedade nem de vida. Pelo menos não era nada disso o que eu desejava para o meu país. Mas na altura não tinha de preocupar-me com grandes questões como essa. Já me dava trabalho suficiente a pequena questão de viver, ou sobreviver, no dia-a-dia.
De facto não era fácil, porque eu me distraía e baralhava as normas. Por exemplo, dobrava o édredon do lado errado, e tornei a sair à noite a esquecer-me da chave.
Dessa vez tinha ido ao teatro com Jean-Pierre, um francês nascido em Port-au-Prince, que estudava arqueologia.
Separamo-nos na estação do Zoo e seguimos no metro em direcções diferentes. Em Berlim em geral era esse o uso, os rapazes com quem saíamos não nos acompanhavam depois até casa, se moravam longe, porque não teriam depois eles próprios transporte, uma vez que o metro acabava cedo. Mas eu não me importava de regressar sozinha, Berlim parecia-me seguro, e além disso eu assumia que fazia parte da emancipação das mulheres desembaraçarem-se por si,em lugar de se tornarem um estorvo.
No entanto, quando dei por falta da chave, lamentei que Jean-Pierre não estivesse comigo. Não queria acordar outra vez a dona da casa, mas não tinha dinheiro para ficar num hotel. Não podia pernoirnuma estação de metro, porque fechavam cedo. Ele poderia ter dinheiro para um hotel e emprestar-mo; ou então deixar-me ficar no quarto dele, por uma noite, não me importaria de dormir no chão, qualquer solução servia, desde que não tivesse de passar outra vez pela humilhação de acordar a dona da casa. Essa era de facto a última coisa que eu queria. Mas não sabia onde Jean-Pierre morava,nem tinha o seu telefone.
Estava sozinha.
O S-Bahn, lembrei-me de repente. Circulava toda a noite, entre os dois extremos da cidade. Podia passar a noite no S-Bahn. (...)
Teolinda Gersão in A Mulher que prendeu a chuva, Sextante Editora
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