Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseje saber por que ajuntou a Natureza no mesmo instrumento as lágrimas e a vista; e por que uniu na mesma potência o ofício de chorar, e o de ver? O ver é a acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento.
Porque ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dois efeitos tão contrários, ver e chorar? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a Natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é a causa do chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem.
Inês Pedrosa in A Eternidade e o Desejo, pag. 136, 137, Dom Quixote,2007
Texto a bold: fragmento discursos de Padre António Vieira
[para a minha querida E.]
12 Comments:
que belo...mais uma vez. como todos os teus posts...
beijo muito grande para a minha grande grtande amiga.
Talvez seja por isso que há um ditado popular que diz
"longe da vista, longe do coração"!
Não ver é realmente o melhor remédio :)
bjo
Cristina M.
menina qd estou constipada não cheiro ,mas o ranho nasce em mim............por vezes imagino-me um frigorifico a descongelar-----
ok....marei:)
jocas maradas,sempre
se é verdade que os olhos têm a especial particularidade de terem "dois ofícios", não é menos especial o lugar da pele, como aliás está subjacente no lindíssimo texto da I. Pedrosa. Entendo eu que a pele, na promessa que contém e nas descobertas que traz,deve ser a confluência e conter a soma de todos os outos sentidos Tem de ser o sentido mais apurado.... e a leitura do seu post provoca um arrepio. Parabéns.
Os dedos também choram.
E acho que não consigo dizer mais nada.
E.
CSD: só podia ser belo, um post com um excerto deste livro, da Inês Pedrosa!
Su: marei... percebi :)creio!
Paulo: bem-vindo!
«A Eternidade e o Desejo» tem, quanto a mim, esse mérito: o de provocar um arrepio [muitas vezes].
E. querida,
em silêncio, sem conseguires dizer mais nada, dir-me-ás sempre muito. tanto...
sintam-se abraçados :)
Excelente post. Nele se destaca perfeitamente (e não só por causa do bold) a genialidade absoluta de António Vieira em contraposição com a miséria grotesca da escrita de Inês Pedrosa.
Só é pena que a menina comece o comentário anterior a negar a excelência do post.
Olá, Marta!
Lindo tudo!
Sabe o que me chamou a atenção? Trata-se de uma postagem, digamos assim, muito sinestésica. Coincidência ou não, ao falar dos sentidos cá se juntaram vários deles. As palavras longínquas (surpreendentemente atuais) do pe. Vieira, e as de Inês, as cores de Di Cavalcanti, as danças de tantas teclas (fiquei imaginando Chopin...)
Abraços e saudades de ti!
Sr. Prof. Funes:
O seu comentário é mais uma das suas heresias nacionais!
Inês Pedrosa é brilhante todos os dias!
Eduardo: vou-me redimir :)
Ainda me lembro, da minha velha professora de Língua Portuguesa dizer, que já tinha contado quantas vezes António Vieira referia neste sermão, as palavras "chorar" e "não".
E fazia o mesmo, noutros textos dele.
Manias...
Patti: vi agora!!!
que bonita recordação :)
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