"A casa vive. Respira. Ouço-a toda a noite a suspirar. As largas paredes de adobe e madeira estão sempre frescas, mesmo quando, em pleno meio-dia,o sol silencia os pássaros, açoita as árvores, derrete o asfalto. Deslizo ao longo delas como um ácaro na pele do hospedeiro. Sinto, se as abraço, um coração a pulsar. Será o meu. Será o da casa. Pouco importa. Faz-se bem. Transmite-me segurança. A Velha Esperança traz às vezes um dos netos mais pequenos. Transporta-os às costas, bem presos com um pano, segundo o uso secular da terra. Faz assim todo o seu trabalho .Varre o chão, limpa o pó aos livros, cozinha, lava a roupa, passa-a a ferro. O bebé, a cabeça colada às suas costas sente-lhe o coração e o calor, julga-se de novo no útero da mãe, e dorme. Ao entardecer, já o disse, fico na sala de visitas, colado às vidraças, vendo morrer o sol. Depois que a noite cai vagueio pelas diferentes divisões. A sala de visitas comunica com o jardim, estreito e mal tratado, cujo único encanto são duas gloriosos palmeiras imperiais, muito altas, muito altivas, que se erguem uma em cada extremo, vigiando a casa. A sala está ligada à biblioteca. Passa-se desta para o corredor através de um aporta larga. O corredor é um túnel fundo, húmido e escuro, que permite o acesso ao quarto de dormir, à sala de jantar e à cozinha. Esta parte da casa está voltada para o quintal. A luz da manhã afaga as paredes, verde, branda, filtrada pela ramagem alta do abacateiro.
José Eduardo Agualusa in O Vendedor de Passados
segunda-feira, novembro 29
A casa vive. Respira.
Escrito/editado por Marta 1 Terráqueos
Etiquetas: Escritores, José Eduardo Agualusa
quinta-feira, março 11
Um pai em nascimento
é hoje. finalmente. na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto.
valter hugo mãe apresenta o livro UM PAI EM NASCIMENTO.
José Eduardo Agualusa está, hoje, às 21.30, na Biblioteca do Palácio de Cristal :)
Escrito/editado por Marta 5 Terráqueos
Etiquetas: eventos, José Eduardo Agualusa, livros
sábado, janeiro 16
gosto de ressuscitar palavras
[...] Surpreendentemente, atendendo à hora tardia, a tasca estava cheia. Cheirava a fritos. Ouviam-se gargalhadas. Frases Soltas. A uma das mesas dois ou três tipos cantavam antigos sucessos angolanos e brasileiros. Um deles dedilhava mansamente um violão. Outro batucava no tampo da mesa. O taxista informou-nos que só havia lugares ao fundo, a um dos cantos, e ajudou-nos a chegar lá. Formávamos um grupo um pouco bizarro, mas ninguém pareceu reparar em nós. Luanda, já o disse, é um alfobre de personagens insólitos.
(Gosto de ressuscitar palavras. Nos dias que correm poucas pessoas se servem da palavra alfobre, por exemplo, a não ser um ou outro eclesiasta da velha escola. Creio que se aplica particularmente bem ao presente contexto, sobretudo atendendo à possível etimologia árabe - escavação, buraco, fossa.)
José Eduardo Agualusa in Barroco Tropical, pag. 197, Dom Quixote, 2009
imagem: cidade de Luanda [desconheço o autor]
Escrito/editado por Marta 9 Terráqueos
Etiquetas: José Eduardo Agualusa, livros que ando a ler
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