domingo, maio 27

A filha fizera uma boa escolha...



Astrid Lindgren sempre disse que o nome Pipi das Meias Altas fora uma invenção da filha, que tendo adoecido gravemente, lhe pedira que contasse uma história: "Conta a da Pipi das Meias Altas!".



A filha fizera uma boa escolha. "Pipi" em sueco, significa "maluqueira" e a palavra para "meias altas" (langstrump) corresponde a um trocadilho grotesco com "meias azuis" - expressão com que outrora se pro...curava denegrir as mulheres cultas, amantes da literatura e até escritoras. Em 1887, o poeta e dramaturgo alemão Oskar Blumenthal dedicou-lhe um poema cujo título é "Blaustrumpfe" (meias azuis) e do qual constam os seguintes dois versos: "As mulheres não devem dedicar-se à poesia,/ mas antes tentarem ser elas próprias poemas.» O conceito, ao qual se atribui diversas origens, remonta ao século XVIII e teria nascido no salão londrino de Lady Montagu, que aí costumava partilhar os seus gostos literários com as amigas. Nesses encontros participavam também alguns homens, entre os quais um que, não podendo dar-se ao luxo de usar as meias pretas de seda condizentes com o traje de soirée, se apresentava com meias azuis. Os participantes nessas reuniões passaram, desde então, a ser conhecidos por "blue-stockings".

(...)

A Pipi das Meias Altas nasce, pois, em 1941. Em 1944, Astrid Lindgren escreve as primeiras histórias protagonizadas pela personagem. A editora Bonnier, a quem a autora, gracejando, pedira para "não alarmar o órgão oficial da juventude", recusou o manuscrito; no ano seguinte, a escritora ganharia com ele o primeiro prémio num concurso e as histórias foram publicadas.



Stefan Bollmann in Mulheres que escrevem vivem perigosamente, pag. 78, Círculo de Leitores, 2007



fotografia: Astrid Lindgren por Ulla Montan

...aquele palavrão...

porque sim

quinta-feira, maio 24

A importância dos miosótis



Amanhã assinala-se o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas – 25 de Maio. Este dia tem como símbolo a Flor de Miosótis, popularmente conhecida por “Não Me Esqueças” tendo como propósito sensibilizar e espalhar uma mensagem de esperança, a nível nacional e internacional para com as famílias que vivem este drama.

Este ano o Instituto de Apoio à Criança associa-se à campanha europeia, promovida pela MCE, de que faz parte a apresentação de um filme, de 30 segundos, que passará em todos os Países Europeus, no dia 25 de Maio, à mesma hora (em Portugal, às 9 horas), difundindo o Nº Europeu 116000 https://www.dropbox.com/s/rauxdgqx2coxsnf/Portuguese%20With%20LOGO.mov


quarta-feira, maio 23

porque sim

terça-feira, maio 22

...este mundo...

...a marcar na agenda...

Encontramo-nos lá!

Proteggi questo ufficio

a noite pede música

sábado, maio 19

Na Gare




Sigo neste comboio. Tu, querida,


Recorda-te das horas deliciosas
Que ambos passamos desfolhando rosas


                               Na taça do prazer.



- Oh! Sempre! Sempre!

E deu um nó no lenço

Para não se esquecer.


Gomes de Amorim

in Cem Anos de Caminho de Ferro na Literatura Portuguesa, 1956

aguarela: António Cruz

porque sim

Temos...



Temos que acreditar na utopia, porque a realidade é incrível...

Aristóteles
 
 
 
[obrigada Carlos Lopes]

sexta-feira, maio 18

O tal indicador...

a noite pede música

quarta-feira, maio 16

A poesia, tal como a entendo, é inútil.



A poesia, tal como a entendo, é inútil.


Para que terei então chegado aqui?

Novembro destruirá as passadas folhas, assim como a luz

dos teus olhos queimará as palavras que entoo.

Os rios secos de choro atravessam a planície

de um longínquo pais irrecuperável, a cuja memoria prendo

o pensamento. Uma secreta claridade se desprende dos

dedos da cobra, e os arbustos refugiara inquietantes ruídos

animais. Oh hábitos, calma tranquilidade que reina

nestes interiores domínios! Só o observador dos astros

se não distrai da sua nocturna actividade.

Quantos esforços involuntários o amor deixou

atrás de si, e só as mudas paredes do quarto lhes guardam

a distante recordação. Conjecturas, disposições, vagas

esperanças, tudo isso o tempo consome e gasta nas suas

mortais mandíbulas. Ninguém revelará a profunda exactidão

destes acasos. A loucura envolvera o que digo

em sucessivas camadas de pó e lama. A feminina deslocação

dos teus lábios afasta-se, e nem a obstinada suspeita

de um oculto desejo evita o progressivo esquecimento,

os traços do rosto a apagarem-se, o leve roçar dos cabelos

a flor da pele. Nem no poema te reconstituo, sólida

figura de carne e osso que outrora apertei. Ou antes:

quem tomará a sério a palavra de um distraído inventor

de silêncio? Bem te supus longe, envolvido nos abismos

e jogos de linguagem e de razão. A verdade e a mentira,

o desgosto e o humano pressentimento da alegria,

a tomada da vertigem ou as transitórias miragens

da ausente felicidade terrestre,

tudo me transmiti na ambiguidade da obscura passagem,

antes de me descobrir em direcção a nada,

a absolutamente nada, a menos ainda do que o decisivo instante

de coisa nenhuma.


Nuno Júdice in as palavras da tribo, pag.137, Quetzal/Altamira, 1985

porque sim



:"Esta história passa-se numa pequena vila, algures entre o Norte de África e o Médio Oriente. Desde sempre que as mulheres vão buscar água à fonte no topo da montanha, sob um sol escaldante. Até que Leila (Leïla Bekhti), uma jovem recém-casada, propõe às outras mulheres uma estratégia para conseguirem que os homens façam tudo para levar a água canalizada até à aldeia"

Um sorriso que passa?


Saber de ti…

Mas para quê?

O que eu penso é o que vale!

E se não fores como eu te julgo

ou como eu te vi,

que a tua boca não fale!


– O que tu és não me interessa, crê.


Bendigo o teu sorriso,

que veio encher o meu olhar de luz!

Mas para quê saber quem és

ou que destino te conduz?!…

Não sei a cor dos teus cabelos

conheço a tua boca apenas quando ri…


Não voltes mais!

Que a visão do teu sorriso

– sorriso de curvas ideais,

virá dulcificar

a agonia dos poentes

destes meus dias sem remédio,

longos, incoerentes,

e desiguais!


Judith Teixeira

Já imaginou filip...

Crónica Decorativa


A circunstância humana de eu ter amigos fez com que ontem me acontecesse vir a conhecer o Dr. Boro, professor da Universidade de Tóquio. Surpreendeu-me a realidade quase evidente da sua presença. Nunca supus que um professor da Universidade de Tóquio fosse uma criatura, ou sequer cousa, real .

O Dr. Boro — sinto que me custa doutorá-lo — pareceu-me escandalosamente humano e parecido com gente. Vibrou um golpe, que me esforço por desviar de decisivo, nas minhas ideias sobre o que é o Japão. Trajava à europeia, e, como qualquer mero professor existente da Universidade de Lisboa, tinha o casaco por escovar. Ainda assim, por delicadeza, dei-me por ciente, durante duas horas, da sua presença próxima.

Preciso explicar que as minhas ideias do Japão, da sua flora e da fauna, dos seus habitantes humanos e das várias modalidades de vida que lhes são próprias, derivam de um estudo demorado de vários bules e chávenas. Eu por isso sempre julguei que um japonês ou uma japonesa tivesse apenas duas dimensões- e essa delicadeza para com o espaço deu-me uma afeição doentia por aquele país económico de realidade. O professor Boro é sólido, tem sombra — várias vezes fiz com que o meu olhar o verificasse — e além de falar e falar inglês, coloca ideias e soluções compreensíveis dentro das suas palavras. A circunstância de que as suas ideias não comportam nem novidade nem relevo apenas o aproxima dos professores europeus, pavorosamente europeus, que conheço.

Além disto o professor Boro tem movimento, desloca-se, não sei como, de um lado para o outro, o que, feito perante quem sempre teve o Japão por uma nação de quadro, parada e apenas real sobre transparência de louça, é requintadamente ordinário e desiludidor.

Falávamos de política internacional, da guerra europeia, e fizemos várias incursões pelos vários fenómenos literários característicos da nossa época. A ignorância que o professor Boro tinha de futurismo foi a única benzina para a nódoa da sua realidade moderna. Mas há algum professor de alguma Universidade da Europa que siga de perto os movimentos da arte contemporânea?

Dados os factos que venho explicando, compreende-se que eu fosse avaro de o interrogar sobre o Japão. Para quê? Ele era capaz de atirar para dentro da minha ignorância uma quantidade de cousas falsas. Quem sabe se ele se atreveria a insinuar pela conversa fora, como cousa normalmente acreditável, que no Japão há problemas económicos, dificuldades de vida para várias pessoas, cidades com lojas reais, campos com colheitas como as nossas, exércitos realmente parecidos com os da Europa e com execráveis aperfeiçoamentos científicos para guerras em verdade contemporâneas? Daqui ele não hesitaria talvez em me afirmar — com que cinismo nem eu meço — que no Japão os homens têm relações sexuais com as mulheres, que nascem crianças, que a gente de lá, em vez de estar sempre vestida como as figuras da louça japonesa, despe-se e veste-se como se fosse europeia. Por isso não tratámos do Japão. Perguntei ao professor se ele tinha tido uma boa viagem, e ele caiu em dizer-me que não — como se um estudioso como eu da porcelana nipónica pudesse admitir que há más viagens para os japoneses, que — delicioso povo! — nem sequer se dá ao trabalho de existir. As chávenas partem-se, não comportam tormentas. A frase «uma tempestade num copo de água» ou «numa chávena», como dizem outros, é puramente europeia.

Uma frase houve (casual, quero crer, no professor Boro) que me magoou mais do que outra.

Falávamos — eu, é claro, com o desprendimento com que se tratam estes assuntos feéricos — da influência dos mecanismos sobre a psicologia do operário, quando se sabe — claro está — que o operário não tem psicologia. E o professor referiu-se aos progressos industriais do Japão e acrescentou umas palavras, que me esforcei com metade de êxito para não ouvir, sobre (creio) movimentos operários no Japão e um fuzilamento (suponho) de não sei que chefe socialista. Eu há tempos — numa coluna sem dúvida humorística de um diário — vira em um telegrama de Tóquio constando qualquer cousa nesse tom; mas, além de não crer que de Tóquio se mandasse telegramas — visto Tóquio não ter mais do que duas dimensões —, ninguém que como eu tenha estudado a psicologia japonesa através das chávenas e dos pires admite progressos de qualquer espécie no Japão, indústrias japonesas, movimentos socialistas e chefes socialistas, ainda por cima fuzilados, como quaisquer europeus que vivem. Quem como eu conhece bem o Japão — o verdadeiro Japão, de porcelana e erros de desenho — compreende bem a incompatibilidade entre o progresso, indústria e socialismo, e a absoluta não existência daquele país. Socialistas japoneses! uma contradição flagrante, uma frase sem sentido, como «círculo quadrado»! Se nem o inexistente estivesse livre do socialismo! Aquelas figuras deliciosas, eternamente sentadas ao pé de casas do tamanho delas, à beira de lagos absurdos, de um azul impossível, aquém de montanhas totalmente irreais — essas maravilhosas figuras, com uma perfeita e patriótica individualidade japonesa, não pertencem decerto ao horroroso mundo onde se progride, e onde sobre o artista desabam a morbidez do produtivo e a barbárie do humanitário.

E vem querer tirar-me estas convicções o professor Boro, da Universidade de Tóquio! Não mas tira. Não é para ser enganado pela primeira realidade que se me atira aos olhos que eu tenho gasto minutos distensos na contemplação científica e estéril de bules e chávenas japonesas. O mais provável, a respeito deste Boro, é que nascesse em Lisboa e se chame José. Do Japão, ele? Nunca.

Se ao menos achei japonesa a sua cara? Absolutamente nada. Basta dizer que era real e existiu ali diante de mim, duas dolorosas horas, em plena ocupação inestética de todas as dimensões aproveitáveis (felizmente só três) do espaço autêntico. A sua cara parecia-se, é certo, com certas fotografias de «japoneses» que as ilustrações trouxeram há anos, e de vez em quando reincidindo trazem; mas toda a gente que sabe o que é o Japão por nunca lá ter ido, sabe de cor que aquilo não são japoneses. E, de mais a mais, essas ilustrações eram principalmente de generais, almirantes, e operações guerreiras. Ora é absolutamente impossível que no Japão haja generais, almirantes e guerra. Como, de resto, fotografar o Japão e os japoneses? A primeira cousa real que há no Japão é o facto de ele estar sempre longe de nós, estejamos nós onde estivermos. Não se pode lá ir, nem eles podem vir até nós. Concedo, se me forçarem a isso, que existam um Tóquio e um Iocoama. Mas isso não é no Japão, é apenas no Extremo Oriente.

O resto da minha vida, doravante, será escrupulosamente dedicado a esquecer o professor Boro e que ele — impronunciável absurdose sentou na cadeira que está agora, na realidade de madeira, defronte de mim. Considero doentio esse facto, alucinatório talvez, e entrego-me com assiduidade a não me lembrar dele mais. Um japonês verdadeiro aqui, a falar comigo, a dizer-me cousas que nem mesmo eram falsas ou contraditórias! Não. Ele chama-se José e é de Lisboa. Falo simbolicamente, é claro. Porque ele pode chamar-se Macwhisky e ser de Inverness. O que ele não era decerto era japonês, real, e possível visitante de Lisboa. Isso nunca. Desse modo não havia ciência, se o primeiro ocasional nos viesse negar o que os nossos estudos assíduos nos fizeram ver.

Professor Boro, da Universidade de Tóquio? De Tóquio? Universidade de Tóquio? Nada disso existe. Isso é uma ilusão. Os inferiores e cábulas de nós construíram, para se não desorientarem, um Japão à imagem e semelhança da Europa, desta triste Europa tão excessivamente real. Sonhadores! Alucinados!

Basta-me olhar para aquela bandeja, pegar cariciosamente com o olhar naquele serviço de chá. Depois venham falar-me em Japão existente, em Japão comercial, em Japão guerreiro! Não é para nada que, através de esforços consecutivos, a nossa época ganhou o duro nome de científica. Japoneses com vida real, com três dimensões, com uma pátria com paisagens de cores autênticas! Lérias para entretimento do povo, mas que a quem estudou não enganam...

Fernando Pessoa



[com um imenso obrigada ao Manuel Carlos]

a noite pede música