sábado, outubro 29

...é coisa dos cinemas...




nesse tempo eu já lera as Brontë mas
como era um adolescente retardado
passava a noite em atrozes dilemas
que mais vale: amar, ser doutrem amado?


ainda não descobrira o simples disto
nem o essencial disto que é tão claro
se tudo no amor vem do imprevisto
deitar regras ao jogo pode sair caro

por isso eu amo e sou ou não benquisto
depende do instante bem ou mal azado
amor tem alegria, tem enfado
o happy end é coisa dos cinemas

Fernando Assis Pacheco in Poemas com Cinema, pag. 29, Assírio & Alvim, 2010

sexta-feira, março 25

Sei fazer versos...

Sei fazer versos mas doem.
Fernando Assis Pacheco, O Garrote

imagem: escultura de João Cutileiro

terça-feira, fevereiro 1

Certos amores...



(...)
«Alguns poetas li-os melhor no Outono,

certos amores só poderia tê-los,

como tive, nos dias doces da vindima».

domingo, maio 10

Seria o amor português

[variações sobre um fado]

Muitas vezes te esperei, perdi a conta,
longas manhãs te esperei tremendo
no patamar dos olhos. Que me importa
que batam à porta, façam chegar
jornais, ou cartas, de amizade um pouco
- tanto pó sobre os móveis tua ausência.

Se não és tu, que me pode importar?
Alguém bate, insiste através da madeira,
que me importa que batam à porta,
a solidão é uma espinha
insidiosamente alojada na garganta.
Um pássaro morto no jardim com neve.

Nada me importa; mas tu enfim me importas.
Importa, por exemplo no sedoso
cabelo poisar estes lábios aflitos.
Por exemplo: destruir o silêncio.
Abrir certas eclusas, chover em certos campos.
Importa saber da importância
que há na simplicidade final do amor.
Comunicar esse amor. Fertilizá-lo.
«Que me importa que batam à porta...»
Sair de trás da própria porta, buscar
no amor a reconciliação com o mundo.

Longas manhãs te esperei, perdi a conta.
Ainda bem que esperei longas manhãs.
e lhes perdi a conta, pois é como se
no dia em que eu abrir a porta
Do teu amor tudo seja novo,
Um homem e uma mulher juntos pelas formosas
inexplicáveis circunstâncias da vida.

Que me importa, agora que me importas,
que batam, se não és tu, à porta?


Fernando Assis Pacheco, in Poemas de Amor, Antologia de Poesia Portuguesa,pg.195, Dom Quixote,2002