«Tivesse a minha fantasia permanecido dentro de limites, se assim se pode dizer, aceitáveis, e as suas consequências talvez fossem benignas. Mas junto aos impulsos da leitura, o cinema simplesmente me fez desandar a cabeça.
Quando o noivado da Joaquina com o ourives se tornou oficial e deixei de ser preciso como chaperon, aos domingos, era certo e sabido no Estrêla- Cine de Coimbrões. Assistia à primeira matiné, repetia a dose na segunda e de longe a longe se meu pai, que também era fanático, chegava bem disposto e a horas, ainda ia com ele à sessão da noite.
Duma vez, porque ela nunca tinha visto o cinema, convenci minha avó a acompanhar-me, mas não gostou de se ver no escuro nem apreciou a «bonecada», e no intervalo quis que fôssemos embora. Recusei. Ela sem mais puxou-me uma orelha, torceu, fez-me pôr em pé, e com a gente a zombar levou-me pela coxia morto de vergonha. A mim! Que comandava legiões, que voava para planetas remotos e tinha um palácio em Bagdad!
Agora fará sorrir, mas foi dor funda. Pela humilhação e, em parte maior, por me ver tão brutamente expulso dos paraísos em que vivia e forçado a retornar ao dia-a-dia onde não era poderoso nem herói. Nem sequer adulto, sim um garotinho franzino do corpo, tímido no modo, que quando o deixavam sozinho apenas conhecia um fito: correr de volta aos seus sonhos».
J. Rentes de Carvalho in Ernestina, pag. 192/193, Quetzal, 2010
7 Comments:
Um escritor de raízes transmontanas que há muito tempo prometi ler. Shame on me!
Querida,
Obrigado pela indicação... Estou indo correndo procurar Ernestina! Bjs! Luz e Paz!
Bela foto. ;)
A mulher de brinco de pérola :) ficou mesmo encantada com Rentes de Carvalho.
Não interrompam; está concentradíssima
:))) - onde é que eu já ouvi isto? - :)))
imenso J. Rentes de Carvalho. é o que é...que para já n~ºao consigo dizer mais nada!
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