segunda-feira, agosto 27

Estreia 1 de Setembro, em Lisboa




“A infância atravessada é como uma espinha, a gente engole bolas de pão e não passa…”

António Lobo Antunes


SINOPSE

monólogo

"António, consciente da proximidade do fim do seu tempo, reflete sobre o que restou: a derradeira solidão recheada de memórias de uma vida passada.

Como quem visita um álbum fotográfico repleto de cores, texturas e aromas de outros tempos, partilha com o espetador essas memórias com que dá corpo à sua história e o que ficou do seu pequeno mundo… memórias que são também as de um Portugal recente, comum a todos nós!

Uma viagem no tempo que nos resta através do tempo que já vivemos…"

Fonte: Teatro Rápido

domingo, agosto 26

porque sim

Os olhos...


"Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração, caladas como vinham..."


Machado de Assis in Dom Casmurro, pag.29

imagem:Jindrich Streit

a noite pede música

quinta-feira, agosto 23

Eu sei, mas não devia



Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.

E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.

E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.

As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.

Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.

Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti

Diz assim, no livro:


"Os primeiros 40 anos de vida dão-nos o texto; os seguintes fornecem o comentário sobre ele."

  Schopenhauer

domingo, agosto 19

a noite pede música

5 linhas ou menos


...volto a contar os dias. Como se faltasse pouco tempo para fazer 18 anos. Como se faltassem poucos dias para o Natal na infância. Como se em breve chegassem as férias grandes; como se fosse a primeira vez que me viesses buscar para jantar; como se  daqui a nada saísse a pauta com as notas de entrada na faculdade. Volto a contar os dias. Dou voltas. Quero sair do lugar. Fazer novo calendário, como se daqui a nada fosse o fim do mundo. O lugar de onde partem sonhos como veleiros. Verdade.

Há muitas coisas belas na terra


"Há muitas coisas belas na terra, mas nada iguala a recordação de um dia de Verão que declina, e temos 11 anos e sabemos que o dia seguinte é fundamental para que os nossos desejos se cumpram. Quem conservar este sentimento pela vida fora está predestinado a um triunfo, talvez um tanto sedentário, mas que tem o seu reino no coração das pessoas".


Agustina Bessa-Luís in As Pessoas Felizes, pag., Guimarães Editores

...é Domingo...


[...senta-te aqui, a ler, junto ao rio]

porque sim

sábado, agosto 18

Enrique Vila-Matas por José Antônio Cavalcanti


"A arte infraleve de Enrique Vila-Matas


Depois da densa narrativa de Dublinesca (2011), o público brasileiro tem acesso ao último romance de Enrique Vila-Matas, Ar de Dylan, que vem se juntar a outros já publicados no Brasil, como A viagem vertical (2004), Bartebly e Companhia (2004). Mal de Montano (2005), Suicídios exemplares (2009), Dr. Pasavento (2010), História Abreviada da Literatura Portátil (2011).

A história começa com um convite formulado pela universidade suíça de St. Gallen ao narrador para participar de um congresso internacional sobre o fracasso. Lá encontra o jovem Vilnius Lancastre, publicitário fracassado, diretor de um único curta-metragem de nome bizarro, Radio Babaouo, e às voltas com a construção de um inacreditável Arquivo Geral do Fracasso. A característica, no entanto, que chama a atenção de todos é a extrema semelhança física do jovem com Bob Dylan. Após cair e sofrer uma pancada na cabeça, Vilnius passa a ter a mente invadida pela memória do pai, Juan Lancastre, escritor cuja fama fora construída pela estranha capacidade de ser um especialista na arte da interrupção, fazendo do inacabado o próprio horizonte da escrita. "

continua aqui

sexta-feira, agosto 17

Contemplação Carinhosa da Angústia


“Escrever é isto: comover para desconvocar a angústia e aligeirar o medo, que é sempre experimentado nos povos como uma infusão de laboratório, cada vez mais sofisticada. Eu penso que o escritor com maior sucesso (não de livraria, mas de indignação social profunda) é aquele que protege os homens do medo: por audácia, delírio, fantasia, piedade ou desfiguração. Mas porque a poética precisão de um acto humano não corresponde totalmente à sua evidência. Ama-se a palavra, usa-se a escrita, despertam-se as coisas do silêncio em que foram criadas. Depois de tudo, escrever é um pouco corrigir a fortuna, que é cega, com um júbilo da Natureza, que é precavida.”

Agustina Bessa-Luís




a noite pede música

quinta-feira, agosto 16

Durante o sono

Durante o sono retiraram-me uma costela


Ficou-me no peito um vazio que não consigo preencher

Custa-me a respirar

Eu quero de volta a minha costela

quero de volta todas as costelas

Quero de volta o paraíso

quero de volta o silêncio rumorejante

quero de volta as poluções nocturnas

e diurnas

Quero uma mulher

feita de chuva

e vento

e fogo

e neve

e luz

e breu

e não de argila

como eu

Jorge Sousa Braga

...nas famílias...


[Maria Ondina Braga]

"nas famílias, há geralmente anéis que passam de geração para geração, ou certas feições, ou, digamos, uma vocação artística. E doenças, esquisitices, tendências, por exemplo, para a hipocondria, o suicídio. Na nossa é a falência do amor."


Maria Ondina Braga in A Casa Suspensa

quarta-feira, agosto 15

porque sim

...o cérebro...


... é um músculo. precisa ser exercitado. ler ler e ler.

a vida suspensa