As raparigas amam muito. Riem
atrás das mãos uma manhã inteira
para esconder o vermelho dos
beijos que alguém lhes roubou e
um nome que vão deixar escapar
entre as primeiras palavras que
disserem. Vestem do avesso os
aventais de chita e fazem o leite
sobrar do fervedor e o caldo ser
mais salgado do que o mar. Mas
é bonito vê-las caminhar descalças
ao longo do corredor, como se
pedissem um par para dançar. As
raparigas amam tanto. Sentam-se
em rodas de segredos uma tarde
inteira e esquecem no tanque os
colarinhos sujos das camisas, e os
cueiros, e uma barra de sabão a
derreter-se como o seu coração.
Mas é bonito vê-las beijar a boca
ao espelho no quarto das traseiras
e também a outra boca no retrato
que a seguir escondem amordaçado
na algibeira, não lhes cobice alguém
o que não tem. As raparigas amam
de mais. Deixam-se ficar sem dizer
nada uma noite inteira, bordando
no linho dos enxovais letras secretas
ao calor do fogão. E picam os dedos
distraídos nas agulhas que usaram
para descobrir o sexo de cada filho
que terão num jogo que jogaram
entre elas à tardinha. Mas é bonito
vê-las ao serão, quando o vento as
chama atrevido da cozinha e dão
um pulo seco na cadeira, e largam o
bordado e a lareira, e correm até à
porta a colher beijos que lhes deixam
risos nos lábios tão vermelhos como
as mais doces cerejas deste verão.
Maria do Rosário Pedreira in “Nenhum nome depois", edição da Gótica
7 Comments:
Aqui entre nós: apesar de serem ambos belíssimos, gosto mais do "Nenhum nome depois" do que d'"O Canto do Vento nos Ciprestes".
Abraço.
Muito gracioso este
AS RAPARIGAS AMAM MUITO.
E os rapazes?
Nem queiras saber o que eles fazem...
Um beijo.
[cada vez ando mais contente com a minha ignorância... ainda há tanta bagagem para colocar lá dentro... mas claro "com uma pequena ajuda dos amigos", quase missionários das grandes palavras.
Obrigado pela partilha.]
Um imenso abraço, Amiga Marta
Leonardo B.
Olá Marta!
O Ajavardamento Poético está a ser desenvolvido no âmbito da disciplina de Área de Projecto por cinco alunas do 12º ano da Escola Secundária do Padrão da Légua.
Neste sentido estamos a organizar um encontro de poetas com leitores de poesia. Ocorrerá no dia 25 de Março, quinta-feira, por volta das 15 horas na Casa Museu Abel Salazar. Seria muito importante para a divulgação do projecto que de alguma maneira colaborasse connosco.
Vão estar presentes autores como Jorge Velhote, Amadeu Baptista, Daniel Maia-Pinto Rodrigues, Sara Canelhas, Nuno Dempster, Teresa Tudela, Viale Moutinho e Vicente Ferreira da Silva.
abóboras mecânicas
( há mais informações no nosso blogue )
Marta, vim lá do Mínimo Ajuste, e não me arrependi: gostei muito deste seu espaço, com poesia de boa qualidade e imagens de bom gosto. Além do mais, você é do Porto, cidade que eu acho linda. Um grande abraço brasileiro. Voltarei a este seu planeta.
tão lindo e singelo
senti saudade do tempo que beijava o espelho e sonhava com o amor
:)
MARTA, OBRIGADO.
Não conhecia.
Post a Comment